2024-05-26

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo da Santíssima Trindade, 26 maio, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em maio de 2021)

 

  

Evangelho (Mt. 28,16-20)

Naquele tempo,

os onze discípulos partiram para a Galileia,

em direção ao monte que Jesus lhes indicara.

Quando O viram, adoraram-n’O;

mas alguns ainda duvidaram.

Jesus aproximou-Se e disse-lhes:

«Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra.

Ide e fazei discípulos de todas as nações,

batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,

ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei.

Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».

Palavra da salvação.

 

 

DIÁLOGO

 

Certamente estão de acordo que é muito difícil pregar sobre a Santíssima Trindade. É um mistério tão imenso!

 

Deus é o Totalmente-Outro, misteriosamente insondável:

as nossas palavras, os nossos conceitos, as nossas imagens são incapazes de O dizer plenamente, quanto mais de O definir.

 

A liturgia deste Domingo, coloca diante dos nossos olhos o mistério da Santíssima Trindade.

Fá-lo propondo-nos um texto do Evangelho de São Mateus que acabámos de ler:

"Fazei discípulos de todas as nações;

batizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.»

 

Esta é a única passagem em todo o NT onde encontramos esta expressão.

 

Esta fórmula trinitária que o evangelista coloca na boca de Jesus Ressuscitado, na realidade deve ter sido o fruto de uma longa reflexão das primeiras comunidades cristãs sobre o mistério de Deus que se revelou em Jesus, o Cristo.

 

No panorama das religiões do mundo, a imagem trinitária de Deus, ligada ao reconhecimento de Jesus como Seu Filho, é certamente a característica mais marcante da fé cristã.

 

Esta expressão da nossa fé separa-nos do judaísmo, onde temos as nossas raízes: «Só o Senhor é Deus, tanto no alto do céu, como em baixo sobre a terra, e não há outro.» Esta passagem do Deuteronómio (Dt 4, 38) deixa esta questão bem clara.

 

O Islão também não reconhece a Santíssima Trindade.

Também nas grandes tradições religiosas asiáticas o conceito de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo está longe de ser aceite e reconhecido.

 

Para os cristãos Deus não é uma entidade unipessoal, mas tripessoal: Pai, Filho e Espírito Santo, como se pode ler no texto de São Mateus.

 

Foi isto que os primeiros discípulos experimentaram, primeiro na sua relação com Jesus, acompanhando-O nos caminhos da Palestina até à morte na cruz, e depois, na experiência de Jesus Ressuscitado, presente com eles, até à Ascensão.

 

Mas estas experiências levaram-nos a fazer muitas perguntas e a ter de dialogar sobre o próprio Jesus:

«Quem é afinal Jesus?», «Jesus é Deus?»

«O Filho está abaixo do Pai ou é igual a Ele?»

 

E também a interrogarem-se sobre Deus:

«O que é que Jesus diz sobre quem é Deus e qual é a Sua Vontade?» E também a interrogarem-se: «Quem é este Espírito que Jesus nos enviou?»; «O Espírito Santo também é uma Pessoa divina?» e muitas outras questões.

 

Gradualmente, através de dúvidas, tentativas e erros, a comunidade cristã acabou por dizer de Jesus:

Ele é o Filho de Deus Pai e Pai e Filho continuam a agir através do Seu Espírito.

 

Na oração pessoal e na meditação, assim como na liturgia e na oração em comunidade, foi alcançada uma síntese vivida da fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

 

As relações das três Pessoas entre si e na relação com os fiéis passam a ter um lugar central na fé cristã.

 

A salvação anunciada é-nos dada numa nova vida, numa comunhão íntima com Deus, que é Pai, Filho e Espírito Santo.

 

Deus não se contentou em nos fazer saber que Ele existe, o que já seria muito bom, mas revelou-nos que há três Pessoas em ação no mundo para salvar toda a humanidade: 

o Pai que nos ama e que quer a nossa salvação e que está também na origem da mesma; 

o Filho, enviado pelo Pai, em quem a nossa salvação é realizada através da sua Morte e Ressurreição, 

e o Espírito Santo que habita nos nossos corações, e nos faz viver e rezar como filhas e filhos de Deus.

 

O mistério da Santíssima Trindade na vida concreta de quem tem fé traduz-se numa relação viva e vivificante com o Pai, o Filho e o Espírito Santo unidos em comunhão num só Deus e, como diz São Pedro, na sua carta nos torna "pessoas participantes da natureza divina".

 

Este segredo pessoal de Deus que nos é revelado e chega aos nossos corações é evocado cada vez que fazemos o sinal da Cruz, dizendo: "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo".

 

Fazermos este sinal com simplicidade e dizermos «Em nome de…» é atualizarmos o mistério de Deus presente nas nossas vidas e na Igreja, seu povo.

 

É o mistério da vida de alguém que acredita que ser filha ou filho dum Pai Divino que a(o) ama e que Jesus nos deu a conhecer e que graças ao dom do Espírito Santo habita nos nossos corações, e nos dá

a própria vida de Jesus Ressuscitado.

 

Que a fé no nosso Deus, cujo rosto é trinitário, seja para todos nós uma fonte de luz e de vida nova, ao longo dos dias que nos são dados viver.

 

frei Eugénio, op (31.05.2021)


2024-05-19

Diálogo com o Evangelho

 

Diálogo com o Evangelho do Domingo de Pentecostes, 19 de maio, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em maio de 2021)

 

  

Evangelho (Jo. 15,26-27.16,12-15)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Quando vier o Paráclito, que Eu vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim.

E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio.

Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis suportar por agora.

Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver -- ouvido e vos anunciará o que há de vir.

Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vos há de anunciá-lo.

Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vos há de anunciá-lo».

Palavra da Salvação

 

 

DIÁLOGO

 

No passado Domingo, celebrámos a Ascensão, aquele momento tão decisivo em que Jesus se despediu dos seus discípulos, assegurando-lhes que o Espírito os iria conduzir como seus seguidores.

 

A passagem do Evangelho de João que acabamos de ler/ouvir, sobre o Pentecostes, faz parte do último ensinamento de Jesus aos apóstolos.

Jesus promete-lhes repetidamente o Espírito, que Ele intitula de «Paráclito» e que será o seu constante apoio  a partir deste momento.

 

Tal como com a Ascensão, o relato mais detalhado do Pentecostes vem nos Actos dos Apóstolos.

 

No Evangelho de hoje, João dá-nos uma versão alternativa à dos Actos dos Apóstolos, na qual Jesus transmite o seu Espírito no próprio dia da Ressurreição.

Os primeiros cristãos aceitaram estes dois relatos do Pentecostes, que se completam.

A palavra Pentecostes vem da palavra grega para 50. Originalmente referia-se a uma festa celebrada pelos judeus 50 dias depois da Páscoa. Coincidia com a Festa das Colheitas, na qual se ofereciam a Deus os «primeiros frutos» das colheitas.

 

A narrativa de Lucas nos Actos dos Apóstolos dá a impressão que no Pentecostes os discípulos passaram por uma transformação súbita e maravilhosa: receberam o Espírito, perderam o medo, começaram a falar em línguas que até aí desconheciam e saíram a pregar a uma multidão multicultural.

 

Segundo o que João relata, o que produziu um efeito mais marcante nos Apóstolos foi o encontro com o Jesus Ressuscitado, seguido de 50 dias de oração comunitária para abrir os seus corações e as suas mentes e poderem fazer o discernimento sobre o que Deus estava a fazer entre eles e em todos eles.

Em vez de uma conversão súbita e miraculosa, foram necessários 50 dias de oração.

 

A totalidade dos Actos dos Apóstolos narra a história da lenta abertura das comunidades dos primeiros cristãos ao grande alargamento do plano de Deus para o Seu Povo.

Mesmo sob a influência do Espírito Santo, aprender a ser cristão foi um processo lento.  

Sabendo o quanto teriam de evoluir e crescer em fé e sabedoria, Jesus tinha-os avisado que teriam muito a aprender, mas que só estariam aptos a assimilar esses ensinamentos se fossem guiados pelo Espírito da Verdade.

 

Os Actos dos Apóstolos mostram-nos como o Espírito continua a trabalhar através de seres humanos frágeis e de culturas muito diferentes.

O Espírito de Deus leva-nos a alargarmos os nossos planos e modos de viver e a irmos além das nossas próprias limitações.

 

Jesus confia aos seus discípulos a sua missão, equiparando a relação que eles têm com Ele, à sua própria relação com o Pai.

 

Este 50º dia após a Páscoa lembra-nos que quando estamos disponíveis ao que o Espírito nos sussurra, então os nossos melhores projetos e trabalhos tornam-se fecundos e o próprio Espírito vai-os multiplicando.

 

Se Jesus insiste tanto no dom do Espírito, é para dar conforto aos seus discípulos no momento da sua partida, pois de agora em diante, serão eles que estarão na linha da frente.

 

Eles precisarão do apoio do Espírito da Verdade. João chama-lhe o Defensor ou o Consolador (em grego o "Paráclito"). Os «paráclitos» na sociedade da época, era um termo jurídico que designava os que deviam estar ao lado dos que eram acusados em tribunal para os defender e ajudar.

 

A ação do Espirito Paráclito é sobretudo exercida no coração dos discípulos, que não só podem mas devem recorrer a Ele, com toda a confiança, para os esclarecer sobre qual é a Verdade acerca de Jesus Salvador e para os confirmar na sua fé em Jesus, Filho de Deus, que vem revelar Deus-Pai.

 

Graças ao Espírito Santo, e com o apoio da Sua Palavra, os discípulos podem dirigir-se às pessoas à sua volta , partilhando e comunicando c a Verdade de Jesus: quem Ele é e o que Ele vem dar a conhecer do Pai.

 

Santo Agostinho dizia que o Espírito Santo fala aos corações dos discípulos e os discípulos falam aos outros com palavras.

Que o Espírito Santo é o Inspirador (da melodia) e os discípulos são os sons (da música).

 

Que o Espírito, enviado por Jesus Ressuscitado, continue a ser o nosso Consolador no desânimo, o nosso Defensor na confiança em Jesus e o nosso Inspirador da «música» das nossas vidas.

   

 frei Eugénio, op (23.05.2021)


2024-05-11

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo da Asensão, 12 de maio, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

  

Evangelho (Mc. 16, 15-20)

Naquele tempo, Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura.
Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.
Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: expulsarão os demónios em meu nome; falarão novas línguas;
se pegarem em serpentes ou beberem veneno, não sofrerão nenhum mal; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados».
E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus.
Eles partiram a pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam.
 
 
DIÁLOGO
 

Já alguma vez imaginaram que estavam também presentes no momento da Ascensão?

Como se teriam sentido se lá tivessem estado? Quais teriam sido os vossos sentimentos naquele momento único?

 

Como em qualquer experiência vivida ao mesmo tempo por um grupo de pessoas, iríamos contar de diferentes maneiras o que teríamos experimentado.

 

É interessante ver que no Novo Testamento existem várias versões da Ascensão, cada uma focando experiências diferentes.

São Lucas, no seu evangelho, refere-se ao final da relação presencial entre Jesus e os discípulos e que leva à expectativa dum futuro regresso e da sua vinda gloriosa no final dos tempos.

 

Não é aquela tristeza, que acompanha habitualmente as separações como nós a conhecemos, mas uma alegria que enche o coração dos discípulos, por causa da promessa do envio do Espírito Santo.

 

Já no relato dos Atos dos Apóstolos (Act 1, 6-11) São Lucas apresenta-nos muitos detalhes e salienta que os discípulos ficaram sem saber o que fazer, a olhar para o céu, mas que são chamados à realidade do que há para fazer na terra.

 

São Mateus, por seu lado, apresenta um relato que, em vez de descrever a "ascensão" de Jesus, salienta a sua exaltação junto do Deus Altíssimo, e assim, a presença contínua junto de nós, como Ele prometeu: "E eis que estou sempre convosco, mesmo até ao fim dos tempos".

 

O Evangelho de São João não menciona a Ascensão.

 

A versão de São Marcos que lemos hoje, apresenta uma declaração fundamental sobre Jesus (Mc 16:19):

"O Senhor Jesus, tendo falado com eles, foi levado para o céu e sentou-se à direita de Deus."

"Sentar-se à direita de Deus" significava a inauguração do Reinado do Messias Salvador. 

Esta designação simbólica foi entendida pelos discípulos como a glória e a honra da Divindade atribuída a Jesus, após a sua Ressurreição e a ela unida.

 

Estava a realizar-se a famosa visão do profeta Daniel sobre o Filho do Homem, ao qual haviam de servir todos os povos, nações e línguas.

 

O Mestre, que os discípulos tinham conhecido na terra como o carpinteiro de Nazaré, tinha-se tornado agora no Rei dos Céus e da Terra.

 

É compreensível que o Senhor, que governa toda a Criação, tenha dado uma missão com caráter universal: “Ide por todo o mundo” e “pregai o Evangelho a toda a criatura”.

Os discípulos, tendo recebido uma missão totalmente inesperada e para lá de tudo o que podiam imaginar, não tinham de ficar sem saber o que fazer, pois tinham recebido de Jesus a garantia que “o Senhor cooperava com eles”.

 

Os Apóstolos «saíram e pregaram o Evangelho em todo o lado.» 

Este foi o início das suas aventuras missionárias.

É, portanto, importante compreender o significado simbólico de «foi elevado ao Céu”.  

 

Uma das dificuldades que temos em partilhar ou dialogar sobre a Ascensão, é que muitas vezes para falar sobre o Céu usamos a linguagem de lugar.

 

Ora, sabemos que «o Céu não é um lugar como tal, mas um tipo particular de realidade ou estado de perfeita comunhão de Amor e Vida com a Trindade», como diz o Catecismo da Igreja Católica (cf. C.I.C.1024).

Ou por outras palavras, o Céu é a vida eterna, em que vemos Deus face a face, sendo transformados como Jesus na glória de Deus, e gozando da felicidade eterna.

 

Teilhard de Chardin, no seu estilo muito pessoal, disse: «Através da humanidade ascendente de Cristo, a natureza humana está definitivamente unida com a divindade.»

Que dignidade tão grande é dada à natureza humana!

 

Neste dia, aqueles que receberam o batismo, é bom terem presente que lhes foi confiada a mesma missão de dar testemunho em todos os tempos e todos os lugares, da presença real do Amor de Deus, da presença real de Deus-Amor.

 

O que Jesus nos dá é uma missão, que espera que seja bem aceite por nós: a de anunciar que o Deus tão distante para tantas pessoas (e até por vezes para nós), não é o Deus Longuíssimo, nem é uma invenção do espírito humano. É o Deus-que-está-sempre-connosco, próximo e familiar até ao fim dos tempos e o Senhor-com-uma-Presença-que- coopera-connosco em cada momento e lugar.

 

Nesta passagem do Evangelho há, no entanto, umas palavras muito perturbadoras e que parecem estar em total contradição com o que acabámos de dizer: «Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.»

 

Era um estilo muito usado na cultura hebraica, de apoiar uma afirmação com a sua negação, que neste caso é o que perdia aquele que não acreditasse.

 

Mas a ausência do batismo não é mencionada como causa de perdição. E o texto enumera ainda os sinais que acompanharão os que acreditarem.

Na Ascensão de Jesus Ressuscitado, nosso Senhor, podemos ter a bússola da nossa vida: nela podemos ver, desde já, para onde podemos ir e para onde devemos ir.

 

frei Eugénio, op (16-05-2021)