NÃO SOUBE DO MUNDO...
Era tão pequeno que ninguém o via,
dormia sereno enquanto crescia...
Sem falar pedia – porque era semente –
Ver a luz do dia como toda a gente.
Não tinha usurpado a sua morada,
não tinha pecado, não fizera nada...
Não soube do mundo...
Foi sacrificado enquanto dormia,
Esterilizado com toda a mestria.
Antes que a tivesse, taparam-lhe a boca,
Tratando-o, parece, qual bicho na toca.
Não soltou vagido, não teve amanhã.
Não ouviu "Querido"... Não disse "Mamã!"
Não sentiu um beijo, nunca andou ao colo...
Nunca teve o ensejo de pisar o solo,
com o andar hesitante,
sorrindo no encalço do abraço distante.
...Não soube do mundo...
Nunca foi à escola de sacola ao ombro,
nem olhou estrelas com olhos de assombro.
Crianças iguais à que ele seria,
não brincou com elas, nem soube que havia.
Não roubou maçãs, não ouviu os grilos,
não apanhou rãs nos charcos tranquilos.
Nunca teve cão, vadio que fosse,
a lamber-lhe a mão à espera de um doce.
...Não soube do mundo...
Não soube que há rios, e ventos, e espaços...
Invernos, estios, mares e sargaços,
as flores e os poentes.
E peixes e feras... d’hoje e d’outras eras.
Não soube do mundo – nem sentiu magia!
...Não soube do mundo...
Num breve segundo...
Foi neutralizado com toda a mestria.
Com alvas batas, máscaras de Entrudo, técnicas exactas,
mãos especializadas negaram-lhe tudo!
O destino inteiro!
Porque os abortistas, nasceram primeiro!
...Não soube do mundo.
(poema de Renato de Azevedo)
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