2007-02-07

A minha posição no Referendo Sobre o Aborto

O que está em discussão no presente referendo são aspectos importantes que ultrapasam, em meu entender, a simples questão da punição da mulher, argumento mais utilizado pelos defensores do SIM. E é para mim óbvio que aqueles que são verdadeiramente cristãos não poderão nunca desejar a punição da mulher. Se o fizerem, estão a negar a essência do cristianismo que se afirma pelo Amor e pela Misericórdia, como tão bem Jesus nos explicou na passagem da mulher adúltera.

Todavia, num referendo sobre este tema são vários os aspectos em causa e é importante tê-los em conta quando se vai decidir. Para mim, são essencialmente três os principais aspectos: a Vida, a mulher que aborta e aqueles que, ilegalmente pelo menos, a ajudam activamente a praticá-lo, ou a influenciam nesse sentido.

O primeiro aspecto é para mim o essencial e é este que não vejo debatido com profundidade. É evidente que, seja do ponto de vista filosófico, seja do ponto de vista científico, existem posições divergentes, todas respeitáveis, se seriamente expostas. E, sendo o essencial muitas vezes invisível aos olhos dos homens, como dizia Saint-Exupery no seu belo livro “Le Petit Prince”, só com o coração o podemos ver. Por outro lado, sendo a vida humana um mistério que a ciência ainda não desvendou, se é que algum dia conseguirá desvendá-lo, apenas a podemos conceber para além da visão materialista dos nossos olhos.

Mas sempre haverá quem, na sua autosuficiência, afirme que a vida é um valor, mas não o Valor absoluto como é assumido pelos que acreditam num Deus criador. Esta é uma questão cujo debate é, e será, sempre difícil, pois que se confrontam dois planos: o da Fé que procura ver para além da razão (espreitar o tal “essencial”) e o do materialismo que nega a existência de um Criador, e para o qual a vida só existe no plano da minha consciência, portanto do meu “eu”.

Este último conceito de vida é, na minha opinião, um conceito que tende a promover o egocentrismo, na medida em que em que só aceita a vida enquanto confinada à própria existência física e real, existência que é para esse ser mais importante do que o que lhe está ao lado. É um conceito que tende a afastar-se da essência do Amor de Cristo, no que respeita à noção do nosso próximo, mesmo aceitando que, nessa concepção do mundo, entram os valores da solidariedade.

É por isso que, como cristão, só posso defender o valor essencial da Vida e negar o direito à opção livre pelo aborto, pelo menos sempre que a ciência não consegue provar uma definitiva incompatibilidade de o ser criado poder vir a ter uma existência real.

Admito, contudo, que o Deus em que acredito, porque é infinitamente Misericordioso e a Essência do Conhecimento e Sabedoria, não irá nunca “desperdiçar” a criação que se consumou com a junção de duas células, a masculina e a feminina, sempre que a Sua presença se manifesta por intermédio do Espírito Santo. Só isso me permite perceber as palavras de Deus que os profetas nos transmitem: “…Eu te criei, desde o ventre te formei…”.

Por esta razão, pela Fé que professo e pela confiança infinita que quero depositar no meu Criador, vou votar NÃO à pergunta que me interroga, não se concordo com a despenalização do aborto, mas se concordo com essa despenalização e com a legalização do aborto livre até às dez semanas.

No que respeita ao segundo aspecto que tem a ver com a punição das mulheres que abortam, não posso deixar de, à luz da mesma Fé que professo, me afirmar claramente pela alteração da legislação, pois se Jesus nos ensinou, na passagem da mulher adúltera, a não condenar ninguém, como podem os homens defender essa condenação.

A este respeito, antes do mais se deve perceber que a maioria das mulheres praticam o aborto sob pressões psicológicas enormes, ou fortes coações sociais, estando, por isso, indefesas e perturbadas. Tal explica os inúmeros testemunhos de arrependimento de muitas que o praticam e a imensa culpa que carregam com elas, punição bem mais forte do que aquela que as leis humanas poderiam acarretar.

Por outro lado ainda, nem todas as mulheres que abortam tem a mesma Fé e a mesma crença que nós cristãos professamos, não acreditando na existência de vida para além da manifestação real que tem da mesma após o nascimento. Sendo assim, é sem grande culpabilidade ou dúvida que, naquele momento, encaram o acto de abortar como uma simples extirpação de um corpo extranho que nada lhes diz. E, como Jesus nos disse que só Deus sabe quem será salvo, só a Ele compete julgar estas mulheres que decidem de acordo com a sua consciência.

Mas, pese embora este facto de nem todos acreditarem nos mesmo princípios e valores que defendo, ou que os cristãos defendem, entendo que nenhum Estado de direito pode ignorar o valor primordial da Vida que reconhece noutras áreas da jurisdição, para dar o direito de decisão unicamente à mulher.

Por este motivo, continuo a votar NÃO.

Finalmente, aqueles que auxiliam a prática do aborto. Para estes, emboram prevaleçam os valores cristãos atrás assumidos, não posso deixar de defender a punição sempre que infringirem a legislação em vigor. Estes não estão sob a pressão psicológica, nem a coação social a que a mulher pode estar sujeita e, por isso, praticam esse acto por meros interesses comerciais, com consciência plena e clara da infração ou crime cometido. Para eles serve a “lei de César”, pois como é dito, “a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.

Por este motivo, votaria sempre e continuo a votar NÃO.

Em resumo, voto NÃO porque acredito que o feto é um ser vivo, onde Deus já habita e que serve o Seu Plano da Criação. Faço-o, também, porque é a única forma de defender o que é indefeso e não se pode manifestar. Faço-o ainda, porque entendo haver formas de evitar a maioria das gravidezes que terminam ou motivam o aborto, seja pela educação sexual, seja pela intervenção com os vários métodos anti-concepção que existem. Faço-o, finalmente, na convicção de que ao Estado cabe defender todas as formas de vida, promovendo as acções necessárias, para ajudar as mulheres em situação de dificuldade, psicológica ou social, ou acolhendo os que nascem e são rejeitados pelas mesmas, na certeza de sempre haverá alguém que os queira ajudar integrando-os em família. É para isso que deve servir a minha contribuição de cidadão que paga os seus impostos e com eles contribui para o bem social.

Voto ainda pelo NÃO, porque nada me permite até hoje assumir que às dez semanas há uma diferença qualitativa em relação ao momento da criação do ovo, ou ao tempo que segue a esse período. E, neste último caso, os que legislam e que defendem o SIM já admitem a punição, sem atenderem às mesmas pressões psicológicas e sociais, e sem assumirem que continua a existir a liberdade da mulher decidir, “mandar na sua barriga” como temos vindo a ver escrito por muitas delas.

Finalmente, entendo que o voto em branco é a posição mais cómoda, mas é a posição que nos transforma em Pilatos e nos faz não sermos dignos da liberdade, civíl ou, também, cristã, de que estamos imbuídos.

Um último comentário para o post 15 Questões sobre o Referendo. Como disse, estou de acordo com a maioria das afirmações e o que vou dizer não é uma crítica ao documento. Mas entendo que é sempre mais clara e transparente uma posição destas quando o seu autor dá a cara e assume a autoria. Porquê escondermo-nos atrás do anonimato em questões que são vitais para a nossa sociedade?

Hugo Meireles

2 comentários:

  1. Anónimo7/2/07 17:21

    Agradeço ao Hugo ter partilhado connosco aqui no "Regador" o seu modo de ver o que está em jogo no referendo e de manifestar a sua posição.
    Espero até amanhã dar a minha achega e este debate. Infelizmente nós os emigrantes não podemos votar no referendo.
    Também apreciei a partilha do António Alte da Veiga.
    Espero que outros "visitadores" do Regador venham também partilhar.
    frei Eugénio

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  2. Anónimo9/2/07 18:29

    Agradeço o testemunho aqui deixado, pois articula bem uma das minhas mais profundas convicções - a Fé no Espiríto Santo que dá Vida e dá a Vida. E como acredito profundamente nisto, voto NÃO à possibilidade de se ousar terminar com a vida. Numa sociedade como nós a vivemos, custa-me muito aceitar a ideia de gravidezes indesejadas (talvez na maior parte dos casos se poderiam chamar de exercícios da liberdade dissociados de responsabilidade), sendo isso outro aspecto que me custa a aceitar. Também pela euforia por essa liberdade, voto NÃO. Agradeço o testemunho do Perdão de Cristo para a mulher adúltera.
    Até breve
    Sofia Salgado Pinto

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