2023-02-25

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho de 26 de fevereiro, 1º Domingo da Quaresma, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.


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EVANGELHO (Mt. 4, 1-11)

Naquele tempo,

Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo.

Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome.

O tentador aproximou-se e disse-lhe:

«Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães».

Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem,

mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’».

Então o Diabo conduziu-O à cidade santa, levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe:

«Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito:

‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos,

para que não tropeces em alguma pedra’».

Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».

De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto,

mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-Lhe:

«Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares».

Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’».

Então o Diabo deixou-O e aproximaram-se os Anjos e serviram-n'O.

 

DIÁLOGO

Na Liturgia católica, nos primeiros Domingos da Quaresma, os Evangelhos referem-se sempre às tentações de Jesus no deserto, logo no começo da sua atividade de anunciador da Boa Nova de Deus.

Como sabemos, o que era mais central na missão de Jesus, era anunciar que, com Ele, tinham chegado os novos tempos do Reinado de Deus no meio de nós.

Para tentar Jesus, aparece nos Evangelhos um personagem chamado Diabo (=caluniador), também chamado na Bíblia: Demónio, ou Satanás (=adversário), ou Sedutor, ou Maligno, ou Pai da mentira.

Nas tentações deste personagem a Jesus, o seu objetivo é conseguir que Jesus se afaste o mais possível da Vontade de Seu Pai, no modo de concretizar a sua missão.

As tentativas de Satanás para afastar Jesus da Vontade do Pai estão todas relacionadas com o modo de Jesus realizar o Reinado de Deus entre nós.

Assim, o Sedutor propõe a Jesus vários modos de ter um sucesso garantido, para que as pessoas adiram a Ele e o reconheçam como aquele que tem o poder de Filho de Deus.

São propostas verdadeiramente sedutoras, mesmo para Jesus, pois com elas, Ele poderia ter muito sucesso na proclamação do Reino.

Para convencer Jesus, o Diabo até cita passagens da Escritura.

Para vencer estas seduções, Jesus vai-se também apoiar em palavras da Escritura, que Lhe indicam o verdadeiro Querer de Deus, Seu Pai.

Em alternativa ao sucesso que seduz, Jesus vai discernir qual é a Vontade de Deus, que lhe vai indicar um caminho que o vai levar à condenação, à tortura e à morte na cruz, que é humanamente absurdo e irracional.

Além disso, vai levar também ao abandono e à fuga de quase todos os seus seguidores.

De facto, é um insucesso completo.

Mas por que é que as tentações fizeram parte deste tempo de preparação de Jesus?

Na linguagem bíblica, a tentação é apresentada como uma sedução e não simplesmente como uma escolha, por vezes com certa dificuldade, entre um Bem e um Mal.

Na sedução, estamos numa situação em que a escolha aparece entre uma atitude considerada boa e outra que nos é apresentada como muito boa e a melhor.

É uma escolha difícil, pois é entre dois Bens.

Só que um Bem é verdadeiramente bom e o outro é falsamente bom.

Quando somos tentados, somos seduzidos pelo Mal que se mascara de Bem, para nos enganar.

Quanto melhor for a máscara, mais eficaz será a sedução e maior será o sucesso da tentação.

É o Mal mascarado de Bem, que aparece como sendo muito melhor do que o Bem real.

Possivelmente conhecemos situações, quer no espaço familiar, quer no mundo do trabalho, quer em instituições em que se dá grande relevo à prática de certos valores.

Esses valores podem seduzir-nos a tal ponto, que deixamos de ver as consequências muito negativas que vão ter, quer nas relações com Deus, quer com os outros, quer connosco mesmos.

Como podemos nós aprender com Jesus a superar as tentações mais frequentes, aquelas atitudes que nos seduzem e nos aparecem como muito boas, mas que, de facto, nos afastam da Vontade de Deus?

Em primeiro lugar, é importante pedirmos ao Espírito de Jesus que nos ilumine, que nos ajude a discernir o verdadeiro Bem à maneira de Jesus, para não sermos seduzidos pelo Mal mascarado de Bem.

Ao mesmo tempo devemos pedir a Jesus que nos dê a verdadeira humildade, para não estarmos convencidos que sabemos perfeitamente o que é Bem e o que é Mal na situação

que temos diante de nós, sem precisarmos de ter um encontro a sós com Deus, na oração, e sem pedirmos conselho a quem tem sabedoria espiritual para nos ajudar.

Esta questão das tentações, que são seduções que nos afastam da Vontade de Deus, é tão importante, que faz parte da oração que Jesus rezava ao Pai e que Ele nos deixou: o Pai-Nosso.

Seguidamente, tendo nós descoberto a sedução que nos está a encaminhar para o Mal, pois nos aparece como um super-Bem, devemos pedir a Jesus que nos dê força e coragem para pormos em prática o discernimento que fizemos.

Podemos dizer que vencer as tentações é um combate que faz parte do nosso dia-a-dia, precisamos de ser persistentes a pedir a Jesus, para que não nos deixe desanimar desse combate.

Como Jesus no «deserto», para «não cairmos em tentação», como pedimos no Pai-Nosso, peçamos a Deus que nos envie o seu Espírito para permanecermos vigilantes face às seduções do Maligno e sejamos fortalecidos para recomeçar cada dia a praticar a Vontade de Deus.

      frei Eugénio, dominicano


2023-02-22

Vigilia de oração e perdão


 

A divulgação do relatório da comissão independente sobre os abusos sexuais contra menores na Igreja não pode deixar nenhum católico indiferente.
À vergonha que coletivamente sentimos, junta-se a necessidade de, enquanto membros da Igreja, manifestar às vítimas e seus familiares o nosso pedido de perdão, pela passividade e omissão de vigilância, cuidado, atenção e acolhimento em que incorremos.
Independentemente de todas as iniciativas futuras que se impõem, em vários níveis, queremos desde já manifestar sentidamente esse pedido de perdão com uma iniciativa que se pretende simples, mas verdadeira, e que, com muita propriedade, desejamos que marque o início da Quaresma que se aproxima.
Pretendemos assinalar a nossa comum responsabilidade, enquanto leigos, pelos caminhos da Igreja.
Sublinhar a emergência e a exigência com que esperamos as respostas das estruturas e responsáveis da Igreja em Portugal.
Demonstrar-lhes a nossa solidariedade para que saibam (e sintam) que não estão sozinhos no caminho das transformações corajosas que são necessárias.
Queremos afirmar o nosso compromisso em não deixar que o silêncio volte a imperar.

 

Quarta-feira de cinzas, dia 22-2-2023, das 21 horas às 22 horas.

 

No Porto, essa vigília ocorrerá em frente à Igreja dos Clérigos.

 

O sumario do relatório pode ser lido aqui (21 páginas).

 

O relatório completo da Comissão Independente pode ser lido aqui:

 
 
 

"O carácter sistémico dos abusos não pode, porém, generalizar-se a toda a Igreja, pois diz respeito a uma minoria percentual da totalidade dos seus membros. 
Sistémica foi, isso sim, a ocultação, pelos próprios desde logo, e pelos outros membros superiormente colocados na hierarquia que deles tiveram conhecimento e não os valorizaram, não sinalizaram ou reprimiram de uma forma adequada à verdadeira proteção da vítima. 
Foi dada prioridade à defesa da reputação institucional da própria Igreja em detrimento da empatia com a voz, o sofrimento e a credibilidade da vítima." - Dar voz ao silêncio, relatório final, p. 449

 

2023-02-18

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho de Domingo, 19 de fevereiro, 7º Domingo do Tempo Comum, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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EVANGELHO (Mt. 5,38-48)

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Ouvistes que foi dito aos antigos:
‘Olho por olho e dente por dente’.
Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau.
Mas se alguém te bater na face direita,
oferece-lhe também a esquerda.
Se alguém te quiser levar ao tribunal,
para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto.
Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas.
Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te pede emprestado.
Ouvistes que foi dito:
‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’.
Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos
e rezai por aqueles que vos perseguem,
para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus;
pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus
e chover sobre justos e injustos.
Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis?
Não fazem a mesma coisa os publicanos?
E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário?
Não o fazem também os pagãos?
Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito».


DIÁLOGO
 

Caros leitores, continuamos a partilhar convosco o Sermão da Montanha, esse conjunto de ensinamentos e promessas fundamentais de Jesus, que São Mateus reuniu nos capítulos 5, 6 e 7 do seu Evangelho.

Não podemos ler e ouvir os ensinamentos de Jesus sobre a vingança e o amor dos inimigos sem nos darmos ao trabalho de os colocar na situação religiosa, cultural e política do seu tempo.
E ao mesmo tempo, tendo presente a mensagem que lhes está unida e que se resume nestas palavras "Como o vosso Pai celeste é perfeito".

Jesus na passagem do Evangelho que lemos começa por se referir à chamada “lei do talião”, isto é: “Olho por olho e dente por dente” (Gn 4, 23-24).

Esta lei (em latim: lex talionis; lex: lei e talio, de talis: tal, idêntico), consiste em dar uma pena que no máximo seja igual ao crime cometido.
Pondo um limite à punição pelo dano causado, ela representava já uma restrição à vingança e à retaliação.

Diante da violência recebida, a nossa atitude mais natural é retaliarmos, é fazer ao autor dessa violência recebida, uma violência ainda maior para o intimidar.
A vingança passa a ser uma atitude que se deve ter para manifestar coragem e força.
 

Esta atitude vingativa, mas considerada nobre, não aparece apenas na literatura, mas era e é ainda praticada a nível inter-familiar em certas culturas.
Jesus, completamente ao contrário, veio propor que respondêssemos ao Mal com o Bem.
Não só no seu tempo se tornou uma proposta escandalosa, mas se virmos bem ela continua a sê-lo no tempo presente.

Reparemos bem no se se passa em numerosas locais de todos os continentes, assim como nas famílias em certas culturas.
Se não conseguirmos superar a violência recebida, a espiral de violência continua sem que haja saída possível para reconciliação, perdão e paz.
Para ter essa atitude que Jesus nos propõe, é necessário termos uma grande confiança na possibilidade do ser humano se deixar mudar e se deixar transformar para se tornar uma pessoa humanamente melhor. 

Vejamos de perto uma dramática situação vivida pelo próprio Jesus na sua paixão e relatada no Evangelho de João (Jo 18, 22-23).
Quando o soldado estava a esbofeteá-lo violentamente na cara, Jesus não lhe ofereceu a outra face. Pelo contrário, Ele reagiu com energia, dizendo-lhe: "Se falei mal, mostra-me em quê, mas se falei bem, por que me bates?"

Jesus quis assim que aquele soldado embrutecido, pudesse usar os poucos neurónios sãos para ainda tinha e assim pudesse raciocinar sobre o absurdo do que estava a fazer.

Para Jesus, foi esta a maneira de amar aquele soldado embrutecido e não “dar a outra face” que no contexto não iria mudar nada na vida daquele militar do exército romano de ocupação.

A outra proposta de Jesus é a de “amar os inimigos”.
Que proposta tão surpreendente!

Ele começa por recordar um ditado comum do seu tempo: "Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo".
Este ditado não se encontra como tal na Escritura, mas reflete o tom geral do Antigo Testamento, porque para os Judeus de então o seu próximo era apenas do seu próprio povo.

Depois de lembrar este ditado, Jesus apresenta a sua própria orientação: "Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem". 

Jesus não diz “tornai-vos amigos dos vossos inimigos”, nem “gostai” afetivamente de quem vos fez ou faz muito mal, ou de quem quer dar cabo das vossas vidas ou dos que vos são mais próximos.

“Amar” na proposta de Jesus deve entender-se por querer para essas pessoas o bem que queremos para nós-próprios, tal como Jesus o quer. 

E Jesus diz também para rezarmos por eles, pedindo que essas pessoas se deixem transformar pelo Amor de Deus. Para compreendermos este modo de proceder, precisamos de o colocar sob uma nova luz. 

É baseado na revelação de Jesus aos seus discípulos que eles são filhos e filhas de Deus-Pai, um Pai que olha com amor e misericórdia para todos e cada um deles, bons e maus, justos e injustos.

Não há limites para o Reinado de Deus, que Jesus veio inaugurar e que inclui todas as pessoas de todos os povos. 

Nestes três capítulos do evangelho de Mateus, que fazem parte do chamado “Sermão da Montanha”, Jesus dá aos seus discípulos exemplos concretos de comportamentos a viver.

Estes exemplos que Jesus dá, só podem ser compreendidos se nos lembrarmos que o discípulo imita Deus, seu Pai, no seu comportamento e que este comportamento deve ser imbuído do Seu modo de pensar e de agir. 

Jesus diz isso numa frase impressionante: "Tu, portanto, serás perfeito como o teu Pai celeste é perfeito". Nesta frase, é a palavra "como" que é importante. Jesus não diz "porque...". 

A perfeição que Ele propõe não é um desafio que nos é apresentado, uma conquista a ser alcançada, uma recompensa pelos próprios esforços, como uma condecoração a receber. 

Esta perfeição consiste na entrada num modo de vida que é o de Deus-Pai, onde o amor tem o primeiro lugar porque "Deus é Amor" (1 João 4, 8) e "como Deus nos amou tanto, também nós devemos amar-nos uns aos outros" (1 João 4, 11).  

De facto, sabemos que este convite para ser "como" Deus-Pai não será cumprido de uma só vez, mas à medida que os dias da nossa vida vão passando ser cada vez mais central. 

Que Jesus Ressuscitado, que acreditamos estar sempre vivo e presente nas nossas vidas, nos ajude a viver cada vez mais e melhor como filhas e filhos de Deus-Pai.
      frei Eugénio, dominicano






2023-02-11

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho de Domingo, 12 de fevereiro, 6º Domingo do Tempo Comum, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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EVANGELHO (Mt. 5,13-16)

Naquele tempo,

disse Jesus aos seus discípulos:

«Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus,

não entrareis no reino dos Céus.

 

Ouvistes que foi dito aos antigos:

‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento’.

Eu, porém, digo-vos:

Todo aquele que se irar contra o seu irmão

será submetido a julgamento.

 

Ouvistes que foi dito: ‘Não cometerás adultério’.

Eu, porém, digo-vos:

Todo aquele que olhar para uma mulher com maus desejos,

já cometeu adultério com ela no seu coração.

 

Ouvistes ainda que foi dito aos antigos:

‘Não faltarás ao que tiveres jurado,

mas cumprirás diante do Senhor o que juraste’.

Eu, porém, digo-vos que não jureis em caso algum.

 

A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’.

O que passa disto vem do Maligno».

 
DIÁLOGO
 
 

Qualquer uma das frases de Jesus que lemos, resume o seu ensinamento, mas a mais simples e clara é: “A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’.”

Isto é, que os nossos 'Sins' signifiquem 'Sim' e os nossos 'Nãos' signifiquem 'Não'".

 

Quem poderia fazer uma chamada atenção mais direta para a tarefa sem fim de vivermos com integridade?

Nesta passagem do Sermão da Montanha, que acabámos de ler, temos uma apresentação que é típica da pregação de Jesus, que soube cativar a atenção dos seus ouvintes com frases chocantes sob a forma de contrastes fáceis de recordar:

“Ouvistes aos antigos” e “Eu, porém, digo-vos”.

 

Quando nos referimos a Jesus como tendo palavras a que chamamos santas, maravilhosas, amorosas, fiéis, cada uma delas descreve uma dimensão da sua integridade como Filho de Deus e filho do homem, como a pessoa que cumpriu a vocação humana de ser uma imagem perfeita de Deus.

 

Ao pregar o Sermão da Montanha, Jesus revelou o seu próprio discernimento sobre o objetivo da vida e o lugar que nela tem a lei.

Jesus queria que descobríssemos que o rancor, o ressentimento, o uso dos outros para prazer ou ganho pessoal e a fácil rutura dos relacionamentos, não eram mais do que várias das manifestações de profundo desrespeito pelos outros.

 

Jesus pregou, não para sobrecarregar as pessoas, mas para as convidar a uma liberdade profunda.

Jesus conduz-nos para além de uma obediência que seria apenas " seguir à letra".

Na lei, existem obrigações e proibições e também castigos e multas.

Jesus coloca-nos diante de atitudes que devem ser praticadas, e que vão para lá do Antigo Testamento.

 

Jesus vai à raiz do mal que é o homicídio, chamando a atenção para a raiva que permanece instalada no íntimo, no coração das pessoas e que continuam a matar de múltiplas formas.

Quanto ao adultério, a raiz está no desejo de possuir a outra ou o outro, mesmo que este desejo esteja escondido no interior.

Quanto ao jurar falso, o perjúrio, é uma violação da verdade que faz com que se duvide da palavra dada.

 

Em si mesmo, Jesus não acrescenta nada à lei antiga que era praticada pelos seus ouvintes, mas dá os meios para a compreender e para a viver em profundidade, na liberdade dos filhos de Deus.

Nos nossos dias, Jesus certamente nos lembraria que a raiva ou o rancor que temos - mesmo face às injustiças gritantes - nos encarceram em prisões mentais e emocionais, construídas por nós próprios, que nos podem revelar que consideramos a nossa opinião sobre os outros como a única certa e correta.

 

O alerta de Jesus contra a luxúria, não se aplica apenas à sexualidade, aplica-se também ao racismo, ao sexismo e a todas as teorias culturais e religiosas que consideram que apenas o nosso caminho é o correto e que deve ser a norma de comportamento, enquanto que  os outros caminhos são considerados desviados da boa direção.

 

O Evangelho de hoje convida-nos a revindicarmos a liberdade de viver no amor.

Não podemos controlar os outros, mas podemos escolher a forma de lhes responder.

Nós, os que procuramos viver como seguidores de Jesus, quer quando tivemos consciência do que foi vivido no nosso batismo, quer em cada celebração da Eucaristia dizemos sim ao caminho e modo de viver de Jesus.

 

Nos nossos dias, podemos pedir ao Senhor para redescobrir o sabor da sua Palavra sempre viva.

Peçamos ao Senhor que nos faça progredir cada vez mais no conhecimento da Nova Lei e que Ele nos ajude a pô-la em prática, para sermos felizes à maneira de Jesus, como Ele próprio nos propõe logo no início do Sermão da Montanha.

 

                  frei Eugénio, dominicano

 

2023-02-04

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho de Domingo, 5 de fevereiro, 5º Domingo do Tempo Comum, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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EVANGELHO (Mt. 5,13-16)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Vós sois o sal da Terra. Mas se ele perder a força, com que há de salgar-se? Não serve para nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens.
Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte;
nem se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa.
Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus».

 

DIÁLOGO 

Jesus dirigiu-se aos seus discípulos utilizando duas imagens:

a do sal e a da luz.

Jesus não queria dizer que os seus seguidores e os cristãos de todos os tempos eram melhores que as outras pessoas, mas quis salientar que receberam um tesouro, que não tem origem em nós mesmos.

Foram outros que nos transmitiram, de geração em geração, esse tesouro e que também temos a alegria de o partilhar com outros, nos nossos dias.

Esse tesouro é a Palavra de Deus.

 

Deus comunica connosco, fala-nos da Sua criação e de qual é o Seu projeto e dá-nos a conhecer a Sua Vontade, para que as pessoas se entendam e vivam bem umas com as outras e com a natureza neste planeta, que é a nossa casa comum.

Sobretudo Deus comunica connosco por Jesus, que é o Seu Filho feito homem.

Nós conhecemos o que Jesus viveu e ensinou através dos escritos do Novo Testamento e sobretudo pelos Evangelhos.

 

Com este tesouro, nós os cristãos, podemos ser semelhantes ao SAL:

- O sal dá gosto às comidas;

- Também serve para conservar. Metemos peixe, carne

e outros alimentos dentro de caixas com sal e eles duram muito tempo em bom estado para serem comidos;

- Serve também para purificar e para curar feridas.

 

Se formos como o SAL:

-Fazemos por dar gosto à vida e colaboramos com Jesus

para que nas nossas vidas e nas vidas à nossa volta haja mais Amor;

-Conservamos também nos nossos corações e nas nossas memórias o que Jesus fez e ensinou;

-Podemos também curar feridas provocadas pelas múltiplas formas de mal que fizemos uns aos outros.

 

A «vocação» do SAL, se assim podemos dizer, é diluir-se,

para cumprir bem a sua finalidade. Mas se faltar, as comidas ficarão sem sabor.

 

Também podemos ser como a LUZ, se deixarmos que o Espírito Santo ilumine, para vermos como Jesus vê:

- As outras pessoas;

- O nosso modo de encarar os acontecimentos,

- Discernir o que é bom e que o pode tornar a vida mais justa e fraterna.

 

Quanto ao sal e à luz, podemos perguntar-nos o que é que existe de comum entre estes dois elementos, aos quais Jesus compara os seus discípulos.

A resposta será que ambos são «reveladores»:

-O sal realça o sabor dos alimentos,

-A luz dá a conhecer a beleza e a grandiosidade dos seres e da criação, dos mais ínfimos até às galáxias mais distantes.

 

A comida existe antes de receber o sal;

os seres e o mundo existem antes de serem iluminados.

Isto diz-nos muito sobre a missão que Jesus confiou aos Seus discípulos, e hoje, a nós mesmos.

Como o sal, podemos revelar às pessoas o sabor das suas vidas.

 

Mas isto só pode ser feito com discrição e humildade.

Nem o sal nem a luz existem para si próprios, mas para chamar a atenção para outra coisa.

Demasiado sal modifica o sabor dos alimentos, em vez de o salientar. Demasiada luz impede de valorizar a beleza e a grandiosidade do que quer iluminar.

 

Ao dizer aos seus discípulos que eles são sal e luz, Jesus coloca-os numa situação missionária.

Ser o sal e a luz do mundo, de acordo com a expressão de Jesus no Evangelho, é colocarmo-nos ao serviço das nossas irmãs e irmãos, permitindo que eles descubram qual é a Fonte de todo o Amor.

O nosso papel é revelarmos o Nome d'Aquele que age através das pessoas, porque "onde haja amor, Deus aí está".

 

Evangelizar pode querer dizer que o Reinado de Deus é um acontecimento já real e que está entre nós, em cada atitude e em cada palavra de amor.

 

Jesus diz-nos: “Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens,

para que, vendo as vossas boas obras,

glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus»,

ou seja, descobrirão que o projeto de Deus para a humanidade é um mundo de paz, de justiça e de harmonia para todos.

 

       frei Eugénio op