2024-03-16

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do V Domingo da Quaresma, 17 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 12, 20-33)

Naquele tempo, alguns Gregos que tinham vindo a Jerusalém

para adorar nos dias da festa,          

foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia,

e fizeram-lhe este pedido:

«Senhor, nós queríamos ver Jesus».

Filipe foi dizê-lo a André; e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus.

Jesus respondeu-lhes:

«Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado.

Em verdade, em verdade vos digo:

Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só;

mas se morrer, dará muito fruto.

Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna.

Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo.

E se alguém Me servir, meu Pai o honrará.

Agora a minha alma está perturbada.

E que hei-de dizer? Pai, salva-Me desta hora?

Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora.

Pai, glorifica o teu nome».

Veio então do Céu uma voz que dizia:

«Já O glorifiquei e tornarei a glorificá-l’O».

A multidão que estava presente e ouvira dizia ter sido um trovão.

Outros afirmavam: «Foi um Anjo que Lhe falou».

 

Disse Jesus:

«Não foi por minha causa que esta voz se fez ouvir; foi por vossa causa.

Chegou a hora em que este mundo vai ser julgado.

Chegou a hora em que vai ser expulso o príncipe deste mundo.

E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim».

Falava deste modo, para indicar de que morte ia morrer.


 

 

DIÁLOGO

 

“Queremos ver Jesus”, eis uma nostalgia que muitos trazemos dentro de nós.

Para isso, organizamos peregrinações à Terra Santa, para pôr os nossos pés nas marcas dos seus pés.

O que não daríamos para ter um encontro pessoal com Jesus?!

É um desejo legítimo e, além disso, possível, mas a Terra Santa onde hoje devemos procurar e contemplar Jesus é o Evangelho: esta é a sua autêntica «geografia» e «biografia».

Abrir o Evangelho e abrir-se ao Evangelho.

Para isso, é preciso purificar o olhar e também purificar o coração – pois só se vê bem com o coração purificado.

 

Este conhecimento é impossível sem uma vontade inicial de aceder a Jesus: «Vinde e vereis» disse Jesus aos discípulos de João Batista, que foram ter com Ele.(Jo 1,39).

 

Este desejo, manifestado ao Apóstolo Filipe, pelos Gregos, que eram os pagãos que se interessavam pela religião judaica, também nós o podemos assumir: «Nós queremos ver Jesus.»

 

É uma pretensão justa e, além disso, possível.

Mas nos Evangelhos, a pergunta sobre Jesus é também uma pergunta de Jesus: «E vós, quem dizeis que eu sou?»

Há dois mil anos Jesus fez esta pergunta a um número reduzido de amigos; mais de dois mil anos depois continua à procura da nossa resposta pessoal.

 

Podemos continuar a interrogarmo-nos:

Quem é este homem, por quem tantos morreram, a quem tantos amaram intensamente e em cujo nome se praticaram também tantas violências? ...

Quem é este personagem que divide a História da Humanidade a meio  e em cujo Nome, por vezes falsamente, se produziram efeitos tão opostos, quer de Amor, quer de morte e de sangue ?

Quem é Jesus e o que fazemos d'Ele?

 

Conhecê-lo não é uma curiosidade, mas uma necessidade.

As respostas têm sido muito variadas, em parte porque a densidade pessoal de Jesus não pode apresentar-se, e menos ainda esgotar-se, numa única formulação, mesmo que venham de Concílios Ecuménicos.

Mas todas as respostas evidenciam um facto: a necessidade de tornar compreensível e acessível a figura de Jesus.

 

Conhecer Jesus é um direito e um dever.

Quando os responsáveis das nações se reuniram para proclamar os Direitos Humanos, não pensaram que Jesus Cristo e o seu conhecimento, fosse um direito humano fundamental.

E é explicável!

Jesus Cristo é um dom de Deus, e disso não se ocupava a ONU.

 

Os homens têm direito a conhecer Jesus Cristo, porque tem direito a conhecer o amor de Deus e a dignidade de ser suas filhas e seus filhos.

 

O homem tem direito a conhecer Jesus Cristo porque ele é o modelo do homem verdadeiro.

Por isso, podemos dizer que é Património da Humanidade.

Jesus, missionário de Deus Pai, mostra-nos um Deus com rosto humano, com um nome humano, com coração humano, um Deus cuja omnipotência não é só poder-tudo, mas também perdoar-tudo, na Sua Misericórdia.

 

Não valerá a pena o esforço de levarmos a sério um Deus assim?

Isso levará a rever muitas coisas... mas, sobretudo, levar-nos-á a conhecer o Deus verdadeiro.

 

Mas além de revelador de Deus, Jesus é o revelador do homem.

Ele foi plena e integralmente homem sem nenhuma limitação e com todas as suas consequências.

A morte de Jesus na Cruz não foi a sua opção de vida, mas a consequência da sua opção de vida, e também da avaliação que sobre essa opção de vida emitiram as autoridades políticas (Pilatos) e as autoridades religiosas (Sinédrio).

 

Jesus morreu por ser homem, e morreu na Cruz por decisão de uns homens que «preferiram as trevas à luz». Jesus não procurou esse final, mas não o recusou.

Encarou-o, não com estoicismo nem com resignação, mas com humanidade profunda e com liberdade pessoal.

A sua morte na Cruz é a expressão da sua radical liberdade e do seu amor à verdade. Por isso, a Cruz é a Sua vitória.

 

Progressivamente, Jesus foi percebendo que o seu objetivo de revelar o Amor de Deus, passando pela Cruz, se tornava cada vez mais insuportável para os responsáveis religiosos. Além disso, também se tornava suspeito para as autoridades políticas.

Jesus morreu com a consciência de missão cumprida.

 

Jesus morre nos braços do Pai e isso é a ressurreição: o grão de trigo que «se morrer, dá muito fruto».

Amigo leitor, que esta partilha possa ser um estímulo para continuarmos a procurar pessoalmente o rosto e o Amor de Deus, e nos deixarmos atrair por Jesus, dizendo com Catarina de Sena:

 

"Cristo na cruz,

tens a cabeça inclinada para nos saudar, 

os braços abertos para nos abraçar

e os pés cravados para connosco ficar". 

 

frei Eugénio, op (21.03.2021)

2024-03-09

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do IV Domingo da Quaresma, 10 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 2, 13-25)

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos:

«Assim como Moisés elevou a serpente no deserto,

também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele

que acredita tenha n’Ele a vida eterna.

Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito,

para que todo o homem que acredita n’Ele

não pereça, mas tenha a vida eterna.

Porque Deus não enviou o Filho ao mundo

para condenar o mundo,

mas para que o mundo seja salvo por Ele.

Quem acredita n’Ele não é condenado,

mas quem não acredita já está condenado,

porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus.

E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo

e os homens amaram mais as trevas do que a luz,

porque eram más as suas obras.

Todo aquele que pratica más ações

odeia a luz e não se aproxima dela,

para que as suas obras não sejam denunciadas.

Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz,

para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus.


 

DIÁLOGO


Caros leitores, acabámos de ler a parte final do diálogo de Jesus com Nicodemos, esse mestre em Israel, que tinha ido ter com Jesus à noite, provavelmente para que ninguém o visse, com o desejo de compreender os seus ensinamentos, cheios de novidade.

 

Uma dessas novidades é que ele, Jesus, bem conhecido como o filho de José o carpinteiro, habitante de Nazaré, se apresentava como o único Filho de Deus, portanto como aquele que tem uma relação imediata e íntima com Deus. A palavra "Filho" exprime um elo único e fundamental entre Jesus e Deus.

 

Centrando-se no papel do Filho, o texto de S. João põe em relevo a revelação que Deus ama de tal modo cada uma e todas as pessoas, que quer que participem na sua própria vida divina.

Esta vida é uma vida de relacionamento, em primeiro lugar com o Filho que "o Pai ama".

 

Através da pessoa de Jesus, a nossa opção é feita a favor ou contra o Pai: "Quem acredita em mim", diz Jesus, "acredita no Pai que me enviou". Através de Jesus, podemos entrar no seu mistério de Deus.

 

A opção que deverá ser tomada, diz respeito a Jesus, um homem determinado que viveu e morreu, mas cuja atitude fundamental era estar voltado para o Pai e fazer a Sua Vontade.

Isto, porque a fé em Jesus não tem qualquer significado a não ser através da sua relação única com Deus.

 

Mas, o evangelista deixa claro que a condição essencial para ter acesso a essa vida eterna é acreditar em Jesus, Filho de Deus.

Optar pelo oposto, significa perder a própria vida.

Uma alternativa radical.

 

Será este radicalismo do evangelista realmente aceitável?

 

Espontaneamente podemos pôr a questão: o que pensar dos milhares de milhões de mulheres e de homens que nasceram e viveram antes da vinda de Jesus a este mundo? E aquelas e aqueles que não o conhecem desde que viveu na Palestina e aqueles que não o conhecerão no futuro?

 

O evangelista não desconhecia este problema, mesmo que não estivesse tão consciente como nós, no século XXI, das dimensões planetárias da humanidade.

 

O evangelista escreveu, logo no início do seu Evangelho, que os povos a quem a proclamação cristã não tinha ou ainda não tinha chegado, se acolhessem a luz do Logos, da Sabedoria divina, presente no mundo desde o início da criação, e se se abrissem a essa Sabedoria que ensina em todas as ocasiões e os lugares o que é certo e verdadeiro, se tornariam filhos de Deus.

 

A alternativa do evangelista supõe uma opção livre.

Esta alternativa não é evidente para nós, que somos testemunhas não só do valor espiritual das grandes religiões, mas também da elevada qualidade moral de tantas mulheres e homens que não aderem à proclamação de Jesus, mesmo que já a tenham encontrado antes, e por vezes desde a infância.

 

Mas, há outro mal-entendido possível na interpretação do que o evangelista escreveu.

 

A alternativa, colocada tão radicalmente, não diz respeito a uma recompensa ou a um castigo, aquilo a que normalmente chamamos céu ou inferno.

 

A salvação de que João fala é de receber, através do novo nascimento, (como disse na primeira parte da conversa com Nicodemos), uma realização plena do nosso próprio ser, uma realização que já é possível começar e crescer no presente. 

 

Pode-se mesmo dizer que é uma realização que podemos experimentar graças à comunhão, na fé e na oração, com Deus, através do Seu Filho.

 

De facto, o evangelista João apresenta a Salvação do crente em termos de habitação recíproca no interior de cada um.

 

Jesus dirá: "Se alguém me ama, [...] meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada» (Jo 14, 23).

E «Eu estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós». (Jo 14,20)

 

Em princípio, segundo o desejo de Jesus, a comunidade dos seus discípulos, se viverem em unidade e em amor fraterno, deveria manifestar o que é o dom de Amor vindo de Deus e assim levar outros a reconhecerem Aquele que é a origem e fonte de todas as formas de amor fraterno.

 

Não será que a importância dada pelo evangelista João à atitude interior que podemos ter em relação àquilo que nos pode orientar para a luz, que é Jesus, não tem a ver com a nossa abertura ao que não diz respeito somente a nós próprios e ao que está ao nosso alcance?

 

Graças à confiança em Jesus, o Filho de Deus, podemos acreditar que o Amor de Deus é eternamente novo, que é continuamente criador de novos horizontes para o nosso modo de viver, pessoal e em comunidade.

 

frei Eugénio, op (14.03.2021)


2024-03-03

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do III Domingo da Quaresma, 3 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 2, 13-25)

Estava próxima a Páscoa dos judeus
e Jesus subiu a Jerusalém.
Encontrou no [pátio] do Templo
os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas
e os cambistas sentados às bancas.
Fez então um chicote de cordas
e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois;
deitou por terra o dinheiro dos cambistas
e derrubou-lhes as mesas;
e disse aos que vendiam pombas:
«Tirai tudo isto daqui;
não façais da casa de meu Pai casa de comércio».
Os discípulos recordaram-se do que estava escrito:
«Devora-me o zelo pela tua casa».
Então os judeus tomaram a palavra e perguntaram-Lhe:
«Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?»
Jesus respondeu-lhes:
«Destruí este templo e em três dias o levantarei».
Disseram os judeus:
«Foram precisos quarenta e seis anos para se construir este templo
e Tu vais levantá-lo em três dias?»
Jesus, porém, falava do templo do seu corpo.
Por isso, quando Ele ressuscitou dos mortos,
os discípulos lembraram-se do que tinha dito
e acreditaram na Escritura e nas palavras que Jesus dissera.
Enquanto Jesus permaneceu em Jerusalém pela festa da Páscoa,
muitos, ao verem os milagres que fazia,
acreditaram no seu nome.
Mas Jesus não se fiava deles, porque os conhecia a todos
e não precisava de que Lhe dessem informações sobre ninguém:
Ele bem sabia o que há no homem.


 

DIÁLOGO

 

Quando lemos este relato, a que se chama habitualmente a purificação do Templo de Jerusalém, por Jesus, temos a tendência de dar a principal atenção ao que é mais espetacular: Jesus com o chicote de cordas, os vendedores de animais que fogem, todos assustados, o dinheiro dos cambistas espalhado pelo terreiro e Jesus a virar as mesas dos vendedores.

 

Além disso, o que mais surpreende muitos de nós é a violência com que Jesus manifesta o seu zelo pelo Templo.

Como é possível que Aquele que vem manifestar o Amor de Deus, tenha um comportamento tão exaltado?

 

No entanto, devemos reparar que os judeus não lhe perguntaram por que razão estava a ser tão violento, mas que sinal podia dar de que tinha autoridade para proceder daquele modo.

Foi a oportunidade para Jesus lhes dar a principal mensagem, mas que seria muito mal interpretada: "Destruam este Templo e eu voltarei a erguê-lo dentro de três dias".

 

As pessoas viam o Templo como o local da presença de Deus entre os homens.

Expulsar a corrupção do adro do Templo foi apenas a parte mais visível da mensagem de Jesus naquele dia.

O motivo do grande escândalo que Jesus provocou naquele dia, não foi a violência com que expulsou do adro do Templo os vendedores e os cambistas, mas a sua proclamação de que Ele, um ser humano, era o novo Templo.

 

Isto queria dizer que um encontro com a verdadeira humanidade, que era a d'Ele, oferecia uma experiência nova da presença real de Deus. Jesus apresentou-se como o Templo novo, pois se o templo é um espaço para o encontro entre os homens e Deus, é Ele que vem abrir o novo caminho para o Encontro com Deus Pai.

 

Jesus proclamou que a Casa do Pai, um espaço de acolhimento e de intimidade, estava dentro d’Ele próprio. 

Foi esta mensagem tão importante, que provocou o escândalo, que se tornou a principal acusação contra Jesus e que o levou à condenação no supremo tribunal religioso, à sua tortura e pena de morte na cruz.

 

Não é mais o Templo de pedra que é o lugar de encontro, mas é Ele, Jesus.

Ele dirá noutras passagens: «Ninguém vai ao Pai senão por Mim» e «quem Me vê, vê o Pai».

 

Ao longo dos séculos, e nos dias de hoje, podemos juntar-nos a todos aquelas e aqueles que rejeitaram ou ignoraram esta mensagem de Jesus?

Como?

Na medida em que permitimos que a focagem na presença de Jesus Cristo nas nossas igrejas, com os seus sacrários minimize a nossa consciência da Sua presença real e fora das paredes das igrejas e dos santuários.

 

Aquele que está nos sacrários e nos tabernáculos é silencioso, mas a Sua presença também real, nos pobres que clamam por justiça, por dignidade e mesmo por amor, incomoda-nos.

 

Jesus afirmou que a sua missão era cumprir a Lei de Deus, no seu significado mais profundo, como caminho para amar o próximo e amar-nos a nós mesmos, como Deus ama.

 

A passagem do Evangelho de hoje convida-nos a termos algum tempo para pensar: Será que temos o mesmo respeito por cada pessoa e a sua dignidade, que temos com o espaço interior das nossas igrejas?

 

Será que permitimos que as nossas críticas à liderança da Igreja nos libertem do compromisso de viver a radicalidade do Evangelho?

 

Será que nos preocupamos mais com a beleza e a decoração dos nossos espaços religiosos e com o estilo da nossa liturgia, do que com a morada de Deus nos mais desprotegidos e nos mais frágeis?

 

Será que, pertencendo ao grupo dos que não têm práticas religiosas, exigimos que as pessoas que se dizem cristãs satisfaçam as elevadas exigências do Evangelho, mas que desculpabilizamos as pessoas comuns por falharem face às exigências de um mundo mais justo e mais fraterno?

 

Como é que estamos a cuidar dos templos de Deus que são os nossos corações?

 

frei Eugénio, op (07.03.2021)


 

2024-02-25

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do II Domingo da Quaresma, 25 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mc. 9, 2-10)

Naquele tempo,
Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João
e subiu só com eles para um lugar retirado num alto monte
e transfigurou-Se diante deles.
As suas vestes tornaram-se resplandecentes,
de tal brancura que nenhum lavadeiro sobre a terra
as poderia assim branquear.
Apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus.
Pedro tomou a palavra e disse a Jesus:
«Mestre, como é bom estarmos aqui!
Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias».
Não sabia o que dizia, pois estavam atemorizados.
Veio então uma nuvem que os cobriu com a sua sombra
e da nuvem fez-se ouvir uma voz:
«Este é o meu Filho muito amado: escutai-O».
De repente, olhando em redor,
não viram mais ninguém, a não ser Jesus, sozinho com eles.
Ao descerem do monte,
Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém
o que tinham visto,
enquanto o Filho do homem não ressuscitasse dos mortos.
Eles guardaram a recomendação,
mas perguntavam entre si o que seria ressuscitar dos mortos.


DIÁLOGO

A página que ouvimos /lemos no Evangelho de hoje narra que os apóstolos Pedro, Tiago e João foram testemunhas dum acontecimento extraordinário a que se chamou «transfiguração».
É conveniente situá-la no Evangelho.
Recordemos o batismo de Jesus no Jordão e a Voz de Deus-Pai que se fez ouvir, dizendo «Tu és o meu Filho muito amado»; depois o Espírito vai levar Jesus até ao deserto, onde se vai encontrar a sós com Deus durante quarenta dias; nessa solidão foi posto à prova com as tentações de Satanás, o Maligno e Sedutor, mas venceu esta prova e permaneceu totalmente unido ao Pai e ao Seu Querer, como Filho muito Amado.

Agora, Jesus diz a três dos seus primeiros discípulos, «venham comigo», não para fazerem um belo e agradável passeio a um monte, mas para lhes mostrar como «fazer caminho com Ele» pelo resto das suas vidas.

Esse caminho que os discípulos estavam a seguir, tinha começado com a alegria por serem dos escolhidos por Jesus para colaborarem com Ele na construção do Reino de Deus, no meio da nossa história pessoal e humana e a fazerem o bem a todos, como Jesus o fazia.

Mas, com grande surpresa que os vai deixar desorientados, Jesus revela-lhes que, no caminho em direção a Jerusalém, deverá “sofrer muito e ser rejeitado, ser morto e, após três dias, ressuscitar”.
Este anúncio da Paixão e da Ressurreição vai deixá-los em crise, a Pedro e ao grupo dos discípulos.

Esta segunda parte do caminho de Jesus, não tem nada de entusiasmante, pois vai levá-los a passar, como o Mestre, pelo sofrimento, pela oposição e pela rejeição e até pela condenação à morte.

É verdade que Jesus termina o seu anúncio dizendo que se seguirá a ressurreição dos mortos. Mas, como escreve Marcos “perguntavam entre si o que seria ressuscitar dos mortos”. Era uma novidade tal, que não podiam entender o que significava. Mesmo depois da Páscoa de Jesus, nas suas aparições de Ressuscitado, alguns duvidaram.

A transfiguração teve lugar nesta encruzilhada em que os discípulos mais próximos de Jesus se encontravam, para se decidirem, na confiança e na esperança, a seguir Jesus até ao fim.
Na transfiguração, Jesus vai-lhes mostrar o que Lhe acontecerá depois da morte na Cruz, que é também o que Ele vem oferecer aos discípulos e a todos os que quiserem segui-Lo, como herdeiros da Glória e da Santidade de Deus nessa comunhão a que se chamou «Céus».

Na metamorfose que aconteceu na transfiguração, há um extraordinário momento visual em que «as vestes de Jesus se tornaram resplandecentes, de tal brancura que nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia assim branquear”. E, nesta visão, Jesus apareceu acompanhado de Moisés e de Elias, personalidades que significavam a Lei e os Profetas e que deviam acompanhar o Messias Salvador quando Ele viesse.

Mas mais significativo ainda que este momento tão luminoso, é o aparecimento duma Nuvem, que era o símbolo da presença velada de Deus, que acompanhou o povo judeu na sua marcha de quarenta anos pelo deserto. E, ao mesmo tempo, ouve-se uma Voz, símbolo da transcendência de Deus.

E da Nuvem, a Voz de Deus fala.

No batismo de Jesus, no Jordão, também se ouviu uma Voz vinda do Céu, mas que se dirigiu a Jesus «És o Meu Filho muito Amado».
Mas, desta vez, a Voz dirige-se aos discípulos.
É Deus que apresenta o Seu Filho e acrescenta com força «Escutai-O!»

Deus põe os discípulos em ligação íntima com o Seu Filho, a quem devem dar toda a atenção todos os dias.
E nós, se queremos também “fazer caminho com Ele”, não há instante da vida que não possa ser vivido plenamente, escutando Jesus.
Nos bons momentos, paremos e ouçamos Jesus; nas horas tristes, paremos e escutemos Jesus.
Este é o modo de caminhar na vida, que Jesus seguiu como Filho amado de Deus-Pai.
Este é o modo de caminhar que Jesus quer que sigamos.
Para podermos fazê-lo, no meio de tantas ocupações e preocupações, Jesus prometeu não nos deixar sozinhos nas provações da vida, permanecendo ao nosso lado, sempre!

Ele prepara-nos para isso, ajuda-nos a recomeçar sempre, como preparou os discípulos com a transfiguração, onde eles tiveram a visão da Sua glória, que só se iria concretizar depois da Ressurreição.

No final da admirável experiência da Transfiguração, os discípulos desceram do monte com os olhos e o coração transfigurados pelo encontro com o Senhor.
É o percurso que podemos realizar também nós: deixar-mo-nos transfigurar por dentro, e transfigurados no modo de ver o que se passa no nosso mundo.

Jesus comunica sempre connosco, quer no Evangelho do Reino, quer dentro de nós, no que na Bíblia se chama o «coração», quer nos acontecimentos, que podem ser interpretados como «sinais dos tempos», ou como diz a sabedoria popular «escrevendo direito por linhas tortas».
Até no silêncio, em que nada ouvimos d’Ele, e nos sentimos perdidos, Ele está connosco, como o Pai com Jesus, no Jardim das Oliveiras.

Façamos esta pergunta muito direta: «Jesus, o que me dizes hoje?» Ou se somos dois ou mais em Seu nome: «Jesus o que nos dizes hoje?»

E, na oração com fé, procuremos ouvir a voz de Jesus, no que nos inspira interiormente.

Se levarmos a sério o que a Voz de Deus disse aos três apóstolos: «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-O» estaremos a caminhar na vida como Jesus caminhou.

frei Eugénio, op

 

2024-02-10

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 6º Domingo do tempo comum, 11 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mc. 1, 40-45)

Naquele tempo,
veio ter com Jesus um leproso.
Prostrou-se de joelhos e suplicou-Lhe:
«Se quiseres, podes curar-me».
Jesus, compadecido, estendeu a mão, tocou-lhe e disse:
«Quero: fica limpo».
No mesmo instante o deixou a lepra
e ele ficou limpo.
Advertindo-o severamente, despediu-o com esta ordem:
«Não digas nada a ninguém,
mas vai mostrar-te ao sacerdote
e oferece pela tua cura o que Moisés ordenou,
para lhes servir de testemunho».
Ele, porém, logo que partiu,
começou a apregoar e a divulgar o que acontecera,
e assim, Jesus já não podia entrar abertamente
em nenhuma cidade.
Ficava fora, em lugares desertos,
e vinham ter com Ele de toda a parte.
Palavra da salvação.
 

 

DIÁLOGO


Para podermos ter consciência do grande significado que teve este pedido do leproso e o modo como Jesus lhe respondeu, devemos saber o que representava ser leproso no mundo judeu dessa época.
O termo «lepra» incluía variadas doenças da pele que a medicina moderna distingue entre elas.

As regras estabelecidas impunham aos leprosos o isolamento e a distância, quer de Deus (não podiam entrar nem no Templo, em Jerusalém, nem nas sinagogas), quer de todas as pessoas, pois não podiam entrar nas povoações.
 

E quando tinham de se deslocar, deviam ir a gritar «impuro» «impuro», para que as pessoas, ao ouvirem o grito deles, se distanciassem o mais possível.
Como vemos, os leprosos levavam uma vida muito triste.

Aquele leproso não se resignou com sua doença, nem com as disposições religiosas que faziam dele um excluído.

Para alcançar Jesus, não teve medo de violar a lei e entrar na cidade, mesmo sendo-lhe proibido e quando O encontrou, «lançou-se com o rosto por terra, suplicando-lhe: Senhor, se quiseres, podes purificar-me!» (v. 12).
Tudo o que este homem considerado impuro, fez e disse, foi expressão de uma grande fé!
Ele reconhece a força de Jesus, convicto do Seu poder para o curar e que tudo depende do Seu querer.
Esta fé foi a força que lhe permitiu violar todas as leis e procurar encontrar-se com Jesus e ajoelhar-se diante d’Ele, reconhecendo-O como o Messias anunciado.

A súplica do leproso mostra que, quando nos apresentamos a Jesus com os nossos pedidos, não é necessário fazer longas orações e considerações. São suficientes poucas palavras, contanto que sejam acompanhadas pela plena confiança no Seu poder de salvar e na Sua bondade.

Quando a lepra não é tratada logo quando aparecem os primeiros sintomas, com o passar do tempo, a pessoa torna-se cada vez mais deformada, quer no rosto, quer no corpo. Provoca uma repulsa instintiva a quem com ela contacta.
Tudo isto contribui naquela altura e durante muito tempo, para
que fosse considerada uma imagem bem nítida da impureza moral e religiosa.

Assim, os leprosos na Palestina, além de serem doentes que se deviam evitar, por se considerar que a lepra era contagiosa pela proximidade, o que a ciência médica mais tarde veio provar que era errado, eram também consideradas pessoas impuras diante de Deus e dos homens.
Pior ainda, eram fonte de impureza para quem tivesse que lhes tocar por qualquer motivo. Essa pessoa ficava também impura e, segundo a Lei de Moisés, também excluída.

Podemos avaliar a enorme confiança que manifestou a oração tão simples e direta, que este leproso fez a Jesus: «Se quiseres, podes curar-me».
Supõe que aquele pobre infeliz, vítima da lepra, reconheceu Jesus como sendo o Messias salvador em pessoa, com um poder que só Deus tinha.

O Evangelho de Marcos realça que «Jesus se compadeceu dele», e lhe respondeu «Quero: fica limpo».
Sendo Jesus o Messias, a sua simples vontade era suficiente para purificar o leproso. A palavra de Jesus, com o seu poder divino, teria bastado para lhe expulsar a lepra.
Mas Jesus quis tocar naquele que era um «intocável».
Tocando-lhe, segundo a Lei de Moisés, Jesus contraiu a impureza do leproso.

Jesus, na sua grande misericórdia, aceitou ficar numa situação igual à do leproso: um impuro e excluído.
Mas o que se passou foi precisamente o contrário: foi a impureza do leproso que lhe foi tirada por Jesus.

O testemunho que este homem foi dar, não podia ser mais claro:
"Eu estava impuro, excluído e doente e Ele tocou-me e tornou-me uma pessoa novamente pura diante de Deus e dos homens."
O mensageiro passou a tornar-se, ele próprio, a mensagem pelo testemunho que dava, cheio duma grande alegria tão comunicativa.

A boa notícia que provavelmente vai testemunhar por todo o lado, é que Deus não quer ninguém excluído do seu Amor de Pai.

Em relação a este encontro do leproso com Jesus, permitam-me que partilhe convosco um segredo pessoal que o Papa Francisco deu a conhecer numa audiência geral em Roma, em Junho de 2016, já lá vão quase cinco anos.

O que o Papa Francisco disse nessa audiência, eu irei traduzir com alguma liberdade:
«Também eu vos irei contar um segredo pessoal.
À noite, antes de ir para a cama, ajoelho-me e rezo esta breve oração: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me!».
E rezo cinco vezes o «Pai-Nosso», um por cada chaga de Jesus, porque Jesus nos purificou com as suas chagas [* nas mãos, nos pés e no coração]
Mas se eu o faço, também vós o podeis fazer, em casa, dizendo: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me!» e, pensando nas chagas de Jesus, recitai um «Pai-Nosso» por cada uma delas.
Jesus ouve-nos sempre!
Pensemos em nós, nas nossas misérias...
Cada um tem as suas!
Pensemos com sinceridade e em verdade connosco mesmos.
É precisamente nesse final de cada dia, que é necessário que fiquemos sozinhos, que nos ajoelhemos diante de Deus e rezemos: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me!».
Fazei-o, fazei-o antes de ir dormir, todas as noites.
E agora recitemos juntos esta bonita oração:
«Senhor, se quiseres, podes purificar-me!».

frei Eugénio, op
(14.02.2021)
 

2024-02-04

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 5º Domingo do tempo comum, 4 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mc. 1, 29-39)

Naquele tempo, Jesus saiu da sinagoga
e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André.
A sogra de Simão estava de cama com febre
e logo Lhe falaram dela.
Jesus aproximou-Se, tomou-a pela mão e levantou-a.
A febre deixou-a e ela começou a servi-los.
Ao cair da tarde, já depois do sol-posto,
trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos
e a cidade inteira ficou reunida diante da porta.
Jesus curou muitas pessoas,
que eram atormentadas por várias doenças,
e expulsou muitos demónios.
Mas não deixava que os demónios falassem,
porque sabiam quem Ele era.
De manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu.
Retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a rezar.
Simão e os companheiros foram à procura d’Ele
e, quando O encontraram, disseram-Lhe:
«Todos Te procuram».
Jesus respondeu-lhes:
«Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas,
a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim».
E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demónios.


DIÁLOGO


Quando gostamos de séries de televisão ou de rádio, é sempre com expectativa que aguardamos um novo episódio. O que irá acontecer?
 

O evangelista Marcos, que é um bom narrador, depois de nos ter falado de Jesus a ensinar e expulsar um «espírito maligno» na sinagoga de Cafarnaum, na passagem de hoje, começa a descrever o resto do dia no qual «Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André.»
 

Simão Pedro morava em Cafarnaum e a sua casa ficava perto da sinagoga. Mal entraram em casa, foram logo dizer a Jesus que a mãe da mulher de Pedro, estava doente. Não sabemos se a senhora chorava, se estava a delirar com febre, ou se estava simplesmente deitada, quando Pedro voltou para casa com os amigos.

Quando pensamos nas pessoas curadas por Jesus, a sogra de Pedro raramente é a primeira a vir-nos à memória.
Infelizmente, nem o nome dela sabemos!

Parece ser uma pessoa sem grande importância - apenas uma senhora já de certa idade, com febre - até que Marcos vai contar o que se passou com ela.
Quando disseram a Jesus que ela estava doente, toda a sua atenção se voltou para ela. «Jesus tomou-a pela mão e levantou-a.»

As palavras «tomou-a pela mão» são as mesmas que são usadas no Antigo Testamento, como sendo o gesto protetor com que Deus protege os que rezam e também o povo com quem fez Aliança.
O gesto de Jesus de a segurar pela mão e de a erguer, tem um significado imenso para todas e todos aqueles que rezam a Jesus e Lhe estendem as mãos, acreditando que Ele as segura e lhes levanta a Esperança de serem salvos.

Mas Marcos, não fica por aqui e acrescenta que, assim que a febre partiu, a sogra de Pedro, começou a servi-los.
Para indicar o serviço que ela vai fazer, usa a palavra grega «diakoneo», que tem a mesma fonte que a nossa palavra «diácono».
Embora o cargo de diácono ainda não estivesse estabelecido na Igreja dos primeiros cristãos, a sogra de Pedro é a primeira pessoa neste Evangelho a exercer essa função.

A importância do serviço que ela faz, é posta em relevo no Evangelho de Marcos, pois a palavra «diakoneo» é somente usada quando se refere ao serviço exercido por Jesus (Mc. 10, 45) e também por aquelas mulheres que o seguiam e serviam (Mc. 15, 41)

Se para o serviço que a sogra de Pedro vai realizar, Marcos emprega a palavra «diakoneo», é porque não se tratava somente daquilo a que hoje chamamos «serviços domésticos», que os homens nessa altura não faziam.

Era a colaboração que davam a Jesus na sua missão de anunciar que o Reino de Deus está já presente.
Esse anúncio, feito à maneira de Jesus, englobava palavras, e sobretudo todo o tipo de atitudes concretas, tornando essas colaboradoras próximas do seu próximo e indo em seu auxílio, como Jesus fazia.

A sogra de Pedro, mostra-nos como quando, na fé, temos um encontro com Jesus somos levados a servir os outros com um amor semelhante ao d’Ele, colaborando assim para que este nosso mundo seja mais humano e fraterno.

frei Eugénio, op
(07-02-2021)

2024-01-28

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 4º Domingo do tempo comum, 28 de janeiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mc. 1, 21-28)

Jesus chegou a Cafarnaum
e quando, no sábado seguinte, entrou na sinagoga
e começou a ensinar,
todos se maravilhavam com a sua doutrina,
porque os ensinava com autoridade e não como os escribas.
Encontrava-se na sinagoga um homem com um espírito impuro,
que começou a gritar:
«Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno?
Vieste para nos perder?
Sei quem Tu és: o Santo de Deus».
Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem».
O espírito impuro, agitando-o violentamente,
soltou um forte grito e saiu dele.
Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros:
«Que vem a ser isto?
Uma nova doutrina, com tal autoridade,
que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-Lhe!»
E logo a fama de Jesus se divulgou por toda a parte,
em toda a região da Galileia.

DIÁLOGO


A história que este relato do Evangelho nos conta sobre um homem com um «espírito impuro», também chamado um «espírito maligno»,
é uma, entre outras, onde aparecem «espíritos demoníacos» que tomam posse de pessoas.
Estes espíritos provocam gritos, atitudes e convulsões horríveis.
O que nós consideramos demoníaco e maligno é para outras pessoas pura ignorância científica sobre as doenças que afetam o sistema nervoso humano.
Alguém se lembra ainda do filme «O exorcista» que levantou grandes discussões há uns quinze anos?
 
Na mentalidade da época de Jesus, quer entre judeus, quer entre os que seguiam os cultos gregos e romanos, quase todas as doenças e enfermidades eram vistas como sendo provocadas por espíritos com poderes para desencadear o mal nas pessoas e por isso era necessário, além de certos cuidados médicos, fazer exorcismos para os expulsar.
 
As pessoas de Cafarnaum sabiam, por isso, o que eram os exorcismos e como eram feitos.
Os procedimentos eram demorados, cheios de fórmulas próprias para afastar esses espíritos e eram acompanhados de ritos que só certas pessoas, com poderes especiais, os podiam realizar para que produzissem efeito.
No relato que lemos, em perfeito contraste com esses exorcismos, Jesus diz apenas duas frases: «cala-te» e «sai desse homem» em precisar de fazer qualquer ritual.

As simples palavras de Jesus fizeram sair do homem o «espírito fazedor de mal».

Por outro lado, de modo muito surpreendente é precisamente o «espírito maligno» que vai dizer que sabe quem é Jesus.
Diz que Jesus «é o Santo de Deus», isto é o Deus Único, o Completamente Diferente de todas as criaturas.
Jesus aparece como Aquele, que apenas com a sua presença, já enchia de pânico os «espíritos malignos».
 
A admiração e o espanto que Jesus provocou nas pessoas, em Cafarnaum, não eram apenas fruto do poder de expulsar espíritos, mas também do modo como ensinava.
 
Jesus «ensinava com autoridade e não como os escribas».
Os escribas eram os que copiavam os textos da Bíblia, mas também os que a estudavam e a ensinavam a ler e a interpretar.
Eram os guardiões da tradição bíblica, o que os fazia repetir o mais exatamente possível as interpretações das passagens  da Lei judaica recebida por Moisés.
Por sua vez Jesus não é um guardião da Tradição, mas o anunciador duma novidade vinda de Deus.
 
De onde vinha então a autoridade de Jesus?
Não tinha currículo, nem diplomas de escriba ou doutor da Lei, nem estatuto religioso por ser um fiel judeu comum, sem ser sacerdote, nem pertencia a nenhuma confraria como os fariseus ou partido como os saduceus.
 

A sua autoridade começava no seu dizer unido ao seu fazer.
A sua autoridade saía dos seus lábios e das suas mãos.
A sua autoridade vinha-lhe da sua completa união a Deus Pai, de quem era o porta-voz e o mensageiro.
O Amor de Deus-Pai é sua fonte.

Jesus, o Filho de Deus, é a perfeita transparência de Deus Pai e por isso pode, com toda a verdade, dizer ao apóstolo Filipe: «Filipe quem me vê, vê o Pai»

A principal ocupação de Jesus é de ser Anunciador do Evangelho de Deus.
Jesus tinha como principal função dar a conhecer a todas as pessoas e em todos os lugares, a Boa Notícia sobre quem Deus era e o que Deus queria para todas as pessoas humanas, suas filhas e seus filhos e para a criação.
 
Para poder anunciar o Evangelho, tinha que ensinar, mas ao mesmo tempo devia acolher todas as pessoas, tinha também de as libertar de todas as prisões interiores e exteriores e de curá-las espiritual e fisicamente.
Foi o que Ele viveu.

Se ainda hoje há cristãos e se esperamos que nas novas gerações também haja, tudo dependerá de haver quem aceite ser anunciador do Evangelho de Deus à maneira de Jesus.

No nosso tempo, continua a ser habitual que as pessoas considerem que na Igreja Católica e também nas outras Igrejas cristãs, quem tem a função de ser anunciador são os bispos e os padres e as anunciadoras devem ser as monjas e as religiosas.

Mas, felizmente, ao longo do tempo muitas das Anunciadoras e dos Anunciadores do Evangelho, a quem também devemos, hoje, sermos seguidores de Jesus, não tinham qualquer estatuto, nem diploma, nem título eclesiástico.
Essas mulheres e esses homens de fé, apenas se apoiaram na fidelidade a Jesus e na Sua mensagem que lhes foi confiada para ser anunciada.
Anunciaram, porque eram livres.  
Também os há nos nossos dias!
Demos graças Deus se elas e eles entraram nas nossas vidas!

    frei Eugénio, op
(31-01-2021)
 

2024-01-21

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 3º Domingo do tempo comum, 21 de janeiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mc. 1, 14-20)

Depois de João ter sido preso,
Jesus partiu para a Galileia
e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo:
«Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus.
Convertei-vos e acreditai no Evangelho».
Caminhando junto ao mar da Galileia,
viu Simão e seu irmão André,
que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores.
Disse-lhes Jesus:
«Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens».
Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O.
Um pouco mais adiante,
viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João,
que estavam no barco a consertar as redes;
e chamou-os.
Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados
e seguiram Jesus.
Palavra da salvação.

 

DIÁLOGO

Jesus começa a sua pregação proclamando: "Está próximo o Reino de Deus. Convertei-vos e acreditai no Evangelho».
Foi essa a essência da mensagem e da atividade de Jesus.

O Evangelho de Marcos não realça tanto as pregações de Jesus, como as suas ações, pois Marcos pretendia demonstrar que através dessas ações Jesus encarnava o Reinado de Deus.
Jesus inaugurou o Reinado de Deus na História, com a sua obediência a Deus-Pai e a sua intimidade com Ele e oferecendo a todas as pessoas poderem também participar nessa intimidade divina.
Jesus inaugura um estilo de vida e de comportamento, que pela sua novidade, vai encontrar muitas resistências no mundo religioso, quer judaico, quer greco-romano.

É, pois, necessário que os seus ouvintes se preparem para ter de mudar de mentalidade religiosa, para poderem aceitar o modo como Jesus falava de Deus e com Deus, a si mesmo e ao próximo.
Isso implicava um modo de viver diferente.
Essa transformação é chamada conversão, que corresponde à palavra grega “metanoia”.

Em que consistia essa novidade tão grande?
Pensemos numa situação, aparentemente simples para nós.
Quando Jesus se dirigia a Deus, tratava-O por “Abba!”, que, como sabemos, quer dizer “papá, paizinho” como as crianças na Palestina tratavam os seus pais.
Conseguimos imaginar o enorme atrevimento que isso representava, por rebaixar Deus ao nível dum pai humano e falível?
Além disso, era uma pretensão de proximidade, e de grande intimidade com Deus, inimaginável para quem tinha um tal respeito pelo Deus da Criação e da Aliança que nem o seu Nome se podia pronunciar.
Era intolerável, era uma blasfémia mesmo, que parecia destruir o essencial da religião judaica.

Também no Reinado de Deus, que Jesus inaugurou, deixou de haver a separação fundamental entre os membros do Povo Eleito e os chamados pagãos, que seguiam outras crenças e religiões. Todos passaram a ser considerados filhas e filhos de Deus, um Pai e assim passavam todos a fazer parte duma imensa fraternidade.
Esta outra mudança que Jesus trouxe que era demasiado radical.

A conversão, a mudança de mentalidade era fundamental para que os ouvintes de Jesus pudessem acreditar no Evangelho, nas “boas notícias” que Ele apresentava e praticava.
Acreditar no Deus que Jesus nos apresenta tem um carácter de decisão, de opção.
Uma opção que não é de um dia, ou de uma ocasião, mas uma opção para todos os momentos ao longo da vida.
A conversão, realiza uma transformação no nosso interior, no nosso ser.
É Deus e a Sua Vontade que se tornam a fonte do nosso agir e do nosso estilo de vida.
 
A conversão, permite-nos sonhar, com os sonhos que só o Espírito de Deus nos pode inspirar.
Esta mudança, permite ter uma certeza cheia de fé, de que a comunhão com Deus, e com toda a criação se passa já no desenrolar da História e lhe dá o significado final.
 
Marcos mostra no seguimento desta página do Evangelho, como a metanoia se concretizou no chamamento dos primeiros discípulos.

Jesus viu uns pescadores, à beira do Mar da Galileia e convidou-os para uma transformação total na vida deles.
Será que estes pescadores já tinham alguma vez ouvido Jesus a pregar?
Teriam eles refletido sobre as promessas que ele apresentava?
Teriam já tido algumas discussões sobre ele?
Não sabemos, mas é possível que tenha acontecido!
Mas desta vez, ouvem-no dizer-lhes diretamente: "Vinde comigo”.
É Ele próprio, Jesus em pessoa, que se dirige a eles e lhes propõe uma total mudança de vida.
Marcos diz-nos que eles deixaram tudo imediatamente, dois deles até deixaram o seu pai sozinho para terminar o dia de trabalho na pesca.

O que é que pode ter motivado a decisão tão rápida que tomaram, de mudar completamente de vida familiar e profissional, aceitando o convite de Jesus?
O que é que pode estar na base da opção que tomaram por seguir Jesus e pelo seu modo de viver e de se relacionar com os outros, fazendo a Vontade de Deus?
Foi a sua conversão a Jesus, pondo-O no centro das suas vidas, como Alguém por quem valia a pena tudo arriscar.
É isso que a conversão faz, mudando as prioridades e os discernimentos.
É uma proposta de "tudo ou nada".

A conversão destes pescadores e as de outras e outros discípulos de Jesus, apesar de tão radical, não funcionou automaticamente. As suas decisões de seguir Jesus não os transformou de um momento para o outro.
Tiveram de aprender a vivê-la através duma árdua e demorada aprendizagem com o Mestre.

Sabemos também que Jesus não pediu a todas e a todos que deixassem tudo para trás. Discípulos como Zaqueu, Marta, Maria e Lázaro, a samaritana, Nicodemos e outras e outros, viveram a sua metanoia em casa, em família, com as suas profissões.

A conversão, a metanoia, tem a ver com a transformação que se opera no modo de nos relacionarmos com Deus e deixarmos que Ele se relacione connosco, sobretudo pela oração, como Jesus a praticava, querendo o que Deus quer.

Conhecemos certamente pessoas, do passado e do presente, que permitiram que o sonho do Reinado de justiça e amor de Deus se tornasse realidade nas suas vidas.
Somos convidados ao mesmo.

frei Eugénio, op (24-01-2021)

2024-01-14

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 2º Domingo do tempo comum, 14 de janeiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 1, 35-42)

Naquele tempo, estava João Baptista com dois dos seus discípulos e, vendo Jesus que passava, disse:
«Eis o Cordeiro de Deus».
Os dois discípulos ouviram-no dizer aquelas palavras
e seguiram Jesus.
Entretanto, Jesus voltou-Se;
e, ao ver que O seguiam, disse-lhes:
«Que estais a procurar?»
Eles responderam: «Rabi
», que quer dizer ‘Mestre’, onde moras?»
Disse-lhes Jesus: «Vinde e vede».
Eles foram ver onde morava e ficaram com Ele nesse dia.
Era por volta das quatro horas da tarde.
André, irmão de Simão Pedro, foi um dos que ouviram João e seguiram Jesus.
Foi procurar primeiro seu irmão Simão e disse-lhe:
«Encontrámos o Messias
», que quer dizer ‘Cristo’;
e levou-o a Jesus. Fitando os olhos nele, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas», que quer dizer ‘Pedro’.

 

DIÁLOGO


O Evangelho de hoje apresenta uma história de chamamento (também chamada de “vocação”) que é contada de modo pouco habitual.
Começa com o personagem menos em destaque nesta história,
que é João Baptista, mas é com ele que estes chamamentos deram os primeiros passos ao ouvir as suas pregações.
João na sua humilde pretensão de ser o que vem preparar as pessoas para acolherem o Messias viu Jesus passar e indicou aos seus próprios discípulos que era Ele, aquele que "que vem depois de mim".   

Os discípulos de João escutaram o que ele lhes disse e começaram então uma caminhada que iria alterar completamente as suas vidas.
Quando Jesus se voltou para eles, fez-lhes uma das perguntas mais básicas à qual qualquer pessoa é capaz de responder: «Que estais a procurar?» 

É interessante ver que o Evangelho de João, logo no seu início, começa por se referir que Jesus é o Verbo de Deus e que o Verbo estava com Deus.
Que Ele é a Palavra pela qual Deus se revela, na longa História da Salvação. 

Ora, as primeiras palavras que pronuncia o Verbo de Deus que se torna humano, são uma pergunta muito simples e compreensível:
«Que estais a procurar?»

São as mesmas palavras, isto é, a mesma pergunta, que Jesus irá fazer em várias situações marcantes ao longo do Evangelho: nas bodas de Caná, nos diálogos com a samaritana, ao cego de nascença, aos que foram prendê-lo, no jardim das Oliveiras, e também a Maria Madalena, quando ela foi ao túmulo, onde Jesus tinha sido sepultado e o encontrou aberto e vazio.

A resposta dos dois discípulos: «Rabi onde moras?», não é certamente o tipo de resposta que se esperaria.
Parece apenas uma questão de curiosidade, mas de facto o que eles pedem é poder acompanhar Jesus, para verem como Ele vivia e o que fazia. 

A atitude dos dois discípulos, que aceitaram ir à procura do Deus que libertava e salvava, aceitaram acompanhar Jesus para verem como Ele vivia e o que fazia, acabou por transformar completamente a vida deles.

A partir daí, tudo o que passariam a querer fazer, iria estar em relação com o que viram Jesus viver, dizer e fazer, e procuraram aprender com Ele o modo de viver em todas as suas facetas.

Também nós podemos querer experimentar o que eles experimentaram.

Jesus é Aquele que revela a dignidade da vida humana, como sendo criada à imagem de Deus, e redimida pelo Cordeiro de Deus e destinada à comunhão eterna com Deus nos céus.

Quer pensemos nisso ou não, tudo o que vamos fazendo ao longo da vida tem a ver com esta pergunta de Jesus: "Que estais a procurar?"
Esta é a pergunta que Jesus continua a fazer a cada um de nós.
O que queremos de Deus para nós e para o nosso mundo?
«Que estás a procurar?» é a pergunta aberta que somos convidados a escutar e a responder, em inteira liberdade.

No Evangelho de João o convite “vinde” quer dizer “confiai em Mim”.
E se confiamos, queremos para “ver” bem as diversas facetas da vida  e para isso é necessário morar juntamente.

Na nossa vida de fé, somos levados a querer “permanecer na presença de Jesus”, ao longo dos nossos dias e mais tarde, depois da nossa partida desta vida terrena, vir a permanecer para sempre na gloria de Deus, nos Céus.

Esta caminhada dos discípulos com Jesus, teve uma etapa terrível, mas decisiva: a paixão, a condenação e a execução por crucifixão.
Mas depois experimentaram, na fé, a presença de Jesus Ressuscitado até à sua partida a glória de Deus Pai.

Também nós podemos experimentar ouvir este chamamento, que tem os seus começos quando procuramos um sentido e um valor que nos motive a viver.

Como os discípulos de João, podemos aceitar seguir Jesus como nos é dado a conhecer na Escritura (sobretudo no Novo Testamento), rezando com insistência, para permanecermos com Ele, a ponto de querermos o que Ele quer de nós, como Ele queria o que o Pai queria.
Jesus pedia ao Pai que os seus discípulos permanecessem unidos como Ele e o Pai estavam unidos.
E Jesus garante-nos que Ele e o Pai querem permanecer connosco, a ponto de fazerem morada dentro de nós.

O poeta dizia: “Tudo vale a pena se alma não é pequena”,
e nós podemos adaptar:
 “Tudo vale a pena para permanecermos na presença de Jesus, se a nossa paixão pela vida e pelas criaturas, humanas e outras, não for pequena”!
 
    frei Eugénio, o.p
(17.01.2021)
 

2024-01-07

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo da Epifania, 7 de janeiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mt. 2,1-12)

Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes,

quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.

«Onde está perguntaram eles o rei dos judeus que acaba de nascer?

Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O».

Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.

Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo

e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.

Eles responderam: «Em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo profeta:

‘Tu, Belém, terra de Judá, não és de modo nenhum a menor

entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe,

que será o Pastor de Israel, meu povo».

Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos e pediu-lhes informações precisas

sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.

Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:

«Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino; e, quando O encontrardes, avisai-me,

para que também eu vá adorá-l’O».

Ouvido o rei, puseram-se a caminho.

E eis que a estrela que tinham visto no Oriente

seguia à sua frente e parou sobre o lugar onde estava o Menino.

Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.

Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe,

e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O.

Depois, abrindo os seus tesouros,

ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra.

E, avisados em sonhos, para não voltarem à presença de Herodes,

regressaram à sua terra por outro caminho.

 

DIÁLOGO

O título da festa de hoje é a Epifania (Revelação) do Senhor.

Dos quatro evangelistas, apenas Mateus nos fala dos Magos.

Seguindo o tema dos céus, os Magos vieram "do nascer do sol", ou seja, do Oriente. A sua interpretação das estrelas disse-lhes que tinha nascido um "rei dos judeus".

Perante este relato de Mateus, muitos astrónomos e historiadores têm-se esforçado por identificar aquela estrela que despontou e guiou os Magos, apresentando três hipóteses mais viáveis:

- O cometa Halley, que se fez ver em 12-11 a.C.;

- Tríplice conjunção de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, ocorrida em 7 a.C. e que está registada nos observatórios da Babilónia e do Egito;

-Uma “nova” ou “supernova”, visível em 5-4 a.C., registada nos observatórios astronómicos chineses.

O célebre astrónomo Kepler (1571-1630), que estudou este assunto em pormenor, dedica particular atenção aos fenómenos registados em segundo e terceiro lugar.

 

Por outro lado, há numerosos estudiosos da Bíblia, que põem seriamente em causa a historicidade da existência dessa estrela e a visita dos Magos.

Aparentemente, Mateus escreve como um simples narrador de um facto espantoso. Mas na verdade, ele escreve, como teólogo e como mensageiro do Evangelho.

Esta história faz sentido e o seu significado vai para além da materialidade do acontecimento.

É a Epifania do Senhor!

Epifania, que significa manifestação de Deus-entre-nós-e-para-nós.

Ou seja, a manifestação do Salvador do mundo, anunciado pelos profetas e há muito aguardado pelo povo da Bíblia.

Este relato da estrela que brilha aos olhos dos Magos está longe de ser uma história para crianças.

A estrela orienta os caminhos dos Magos e, neles, os de toda a humanidade para a verdadeira Estrela que desponta, que é o Menino.

E os Magos e, com eles, toda a humanidade orientam toda a sua vida para aquele Menino, que é o que significa o verbo «adorar».

Esta «adoração» pessoal é o melhor e o mais agradável presente que podemos oferecer ao Menino, com os Magos o fizeram.

A história narrada por Mateus apresenta, no entanto, uma surpreendente tragédia.

Os Magos, pagãos peregrinos, fizeram longas viagens para longe das terras onde habitavam, porque acreditavam que o Divino estava a fazer surgir algo de muito novo.

Intuíram algo que despertou os seus sonhos, o suficiente para os sacudir de uma existência estável e sem sobressaltos.

Por outro lado, os líderes religiosos do povo escolhido, consultados pelo rei Herodes, relataram simplesmente os resultados do seu estudo das Escrituras: ‘Belém de Judá era o local de nascimento designado para o governante que iria pastorear Israel’. Mas, de facto, esta leitura não lhes revelava nada de novo.

Os líderes religiosos na Palestina, da época de Jesus, tinham conseguido uma acomodação relativamente pacífica com o Império Romano. Em palavras do nosso tempo, poderíamos dizer que eles vivam entre acomodados e colaboradores.

No começo deste novo ano, os Magos podem estar a convidar-nos também a nós a «ler as estrelas», a procurarmos manifestações – «epifanias» - de Deus entre nós e a deixar que o Mistério nos sacuda, para além das fronteiras das nossas confortáveis relações com os outros e do nosso modo de pensar.

Tal como os Magos, podemos não saber exatamente o que procuramos, mas se pusermos os nossos objetivos suficientemente elevados, como pode ser um mundo verdadeiramente fraterno e justo, Deus não hesitará em nos conduzir a novas «epifanias», onde nos encontraremos com Deus-entre-nós de formas inesperadas e cheias de bondade e de alegria!

Que durante este ano que agora começa, os Magos continuem a orientar toda a nossa vida para aquele Menino!

frei Eugénio, o.p. (03.01.2021)