2007-10-13

VIVA o EVANGELHO de Domingo, 14 de Setembro

Lc. 17,11-19.
Quando caminhava para Jerusalém, Jesus passou através da Samaria e da Galileia.
Ao entrar numa aldeia, dez homens leprosos vieram ao seu encontro; mantendo-se à distância,
gritaram, dizendo:
«Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós!»

Ao vê-los, disse-lhes: «Ide e mostrai-vos aos sacerdotes.» Ora, enquanto iam a caminho, ficaram purificados.
Um deles, vendo-se curado, voltou, glorificando a Deus em voz alta;
caiu aos pés de Jesus com a face em terra e agradeceu-lhe. Era um samaritano.
Tomando a palavra, Jesus disse: «Não foram dez os que ficaram purificados? Onde estão os outros nove?
Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?»
E disse-lhe:
«Levanta-te e segue o teu caminho. A tua fé te salvou.»

1 comentário:

  1. LITURGIA PAGÃ


    2007.10.14

    LITURGIA PAGÃ


    Pagão provém do latim pagus = marco de terreno, aldeia,

    por oposição à cultura citadina. O radical indo-europeu pak (donde pau) designa a união, estabilidade e a força próprias de Pacto e Paz.

    Página também deriva do mesmo étimo, significando originalmente

    campo lavrado em esquadria respeitando um marco («pau») bem fixo,

    ao que se assemelha uma folha de papel escrita.

    Liturgia deriva do grego laos (povo, leigo) e ergon (trabalho),

    donde «serviço público».

    Liturgia pagã é o esforço de trabalhar com Deus

    com a liberdade, consciência e humildade de ser «pagão».




    28º Domingo do tempo comum (ano C)

    1ª leitura: 2º livro dos Reis, 5, 14-17

    2ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo a Timóteo, 2, 8-13

    Evangelho: S. Lucas, 17, 11-19

    Bem haja!


    Quem não gosta de ouvir estas palavras? Às vezes por um simples gesto de cedência de passagem; outras vezes pelo mero ar prazenteiro com que desempenhamos a nossa profissão; ou pela delicadeza de escutarmos um desabafo passageiro.

    «Muito obrigado» é mais corrente, mas também é dito com um sentido bem diferente: com despeito, desilusão, ou mesmo certa raiva por alguma coisa que nos foi feita e que fere os nossos interesses.

    Com Deus, é normal que apeteça usar os dois sentidos. Quantas vezes nos queixamos amargamente contra Deus – quando não nos insurgimos violentamente. Até na Sagrada Escritura encontramos exemplos bem chocantes. Não lemos este amargor no livro de Job? E em vários salmos? Parece que Deus só se lembra de nós para fazer sofrer. Vá-se lá entender! Por muito que a Bíblia afirme que «os caminhos de Deus são misteriosos» e que a sabedoria popular (a modos de quem desculpa o próprio Deus…) lembre que Ele «escreve direito por linhas tortas» ou que «dá o frio conforme a roupa»… nem Deus nos pode convencer de que o mal existe para que a gente se lembre dele.

    Porém, as fundamentadas invectivas de Job contra Deus não o fizeram esquecer do sentido positivo do «obrigado» (os escritores antigos acharam a história tão triste e tão ao arrepio do sentido superficial de justiça, que acrescentaram que Deus voltou a fazer de Job o mais agraciado com bens deste mundo). Na verdade, o grande bem de Job foi ter sabido encontrar-se com Deus independentemente das contingências da vida.

    «Obrigado» significa estar «ligado» (ob+ligare) especialmente com uma pessoa, devido a algo de bom que essa pessoa nos proporcionou. Mais força tem a palavra «religião», que significa estar «ligado» (re+ligare) de maneira muito especial a alguém muito especial. Dizer obrigado a Deus pode ser assim um profundo acto religioso. Assim o fez Job (que não pertence às histórias deste domingo), assim o fez o general sírio da 1ª leitura, e Paulo nos maus momentos da sua vida (2ª leitura) e em particular o samaritano do evangelho: agradecer a Deus é «dar glória a Deus», como S. Francisco de Assis dava glória a Deus, ao olhar para o sol, para os passarinhos ou para as formigas do caminho.

    Mas S. Francisco também dava glória a Deus, pela «irmã dor» e pela «irmã morte». Foi por isso que falei de Job, que tal como o general sírio e os dez leprosos, tinha a experiência da dor acompanhada da exclusão social. No grito «tem compaixão de nós», podemos ver mais do que um pedido de cura: mais radicalmente, será um pedido de sentido para a vida.

    Muito teimou o general pagão para que o profeta Eliseu aceitasse o seu agradecimento! Também só um samaritano (quase um pagão, para os Judeus) é que veio agradecer. E como Jesus gostou!

    É notável este fraquinho de Jesus por estrangeiros, prostitutas, pobres, doentes... os «marginais» relativamente ao resto da sociedade. Sê-lo-ão por culpa própria ou não, mas o certo é que esse resto da sociedade (não só «a sociedade bem»), ao classificá-los assim, se coloca facilmente no pedestal da conveniência, no pedestal dos «justos». É politicamente correcto falar do problema e sugerir ou mesmo implementar certos remédios paliativos. Porém, a grande culpa desse resto da sociedade – a que pertence a quase totalidade dos que podem ler e pensar sobre o assunto – é não se mobilizar como um todo, impedindo as injustiças que tornam a vida insuportável, sobretudo quando se lhes junta uma atitude de desprezo. É a sociedade, no seu todo, que deve promover a imaginação para mudar o que parece fatalidade (uma expressão com que facilmente desculpamos a nossa falta de acção). Quando cada um souber falar com cada qual, esquecendo pedestais, a simpatia da palavra que nos une gera condições para eficazes medidas de justiça.

    Jesus não se pôs em pedestal nenhum – e a sedução da glória e do poder passou-lhe bem perto, a julgar pelas simbólicas tentações no deserto, no início da carreira.

    Foram nove leprosos os que se contentaram com o pedestal de curados milagrosamente. Só o samaritano viu em Jesus alguém com quem se pode e é bom falar. Só para ele é que se deu o começo de uma vida nova. Doravante, saberá ajudar os outros com a sua experiência de sofrimento, mais preparado para lutar contra a raiz do desânimo.

    Jesus não curou todos os leprosos do seu país: mas deu-nos a entender e a sentir que «o reino de Deus já está entre nós» (evangelho). Se aceitarmos conversar com Jesus Cristo, o mundo não pode continuar a ser o mesmo. No bem físico, que Jesus Cristo espalhou à sua volta, vemos que a felicidade é para ser sentida tanto fisicamente como espiritualmente. A própria dor é um desafio à nossa capacidade de superação, utilizando toda a nossa ciência e toda a arte das relações humanas.

    Há pequenos segredos para solidificar a esperança com que se vai construindo o «reino de Deus».

    Um deles, é não ter vergonha nem ter medo de perder tempo com dizer a propósito «bem haja» ou «muito obrigado». Ao condutor que nos dá precedência, a quem nos facilita o passo, a quem nos chama a atenção… ao polícia cujo delicadíssimo trabalho de ajuda não estamos para reconhecer, ao homem do lixo que acabou de apanhar o nosso saco… ao braço amigo que nos ajuda a passar a rua, à voz amiga que nos anima, consola ou nos ensina a quem ou a que podemos recorrer … ao médico, ao jurista, ao sacerdote, ao professor… e porque não às vozes e gente de acção que se erguem contra as mil formas de injustiça na sociedade.

    Como se cada um de nós fosse um menino mimado a quem o milagre é devido. Como se cada um de nós não devesse ser autor de muitos milagres – aqueles que transformam a rotina ou situações especiais de sofrimento em momentos de sólida esperança.

    Vamos fugir como os nove leprosos a gritar que a vida agora vai boa (para eles)? É fundamental voltar atrás para reconhecer a fonte de cada pedacinho de mundo novo. Reconhecendo a bondade activa de milhões de seres humanos, «reconhecemos a maravilha que é Deus» (sentido da expressão «santificado seja o teu nome»). E geramos um ambiente cada vez mais propício aos pequeninos milagres da cada dia – com um mero Bem haja! Ou Muito obrigado!


    MANUEL ALTE DA VEIGA.


    m.alteveiga@netcabo.pt

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