2009-10-21

Saramago vs Clero

Saramago é um autor premiado por da literatura. Mas não é à literatura que se deve a sua irrupção na cena pública dos últimos dias, parece ser mais à religião. Pelo menos, é o que parece.
O pretexto da polémica (chega a ser uma discussão? digam de vossa justiça...) dizem ser a Bíblia, ou o que Saramago afirma ser a Bíblia ou os seus usos.
O Padre e Professor da Universidade Católica, Carreira das Neves diz algures que Saramago não sabe ler a Bíblia:
«Porque é que ele não vê que há milhões de católicos, protestantes, ordoxos, a lerem a Bíblia, e não somos parvos, ou será que somos todos parvos?»
Ainda assim, o teólogo referiu que José Saramago, como escritor, é um génio.
Mas génio literário à parte: "se ele ultimamente anda a chatear a Igreja Católica, eu não percebo, na minha perspectiva ele é que está a perder."
Mas Saramago, por sua vez, não se contentou com a Bíblia e, sendo a matéria abundante (para outro livro?), disparou ainda na direcção do Corão:
“O Corão, que foi escrito só em 30 anos, é a mesma coisa. Imaginar que o Corão e a Bíblia são de inspiração divina? Francamente! Como? Que canal de comunicação tinham Maomé ou os redactores da Bíblia com Deus, que lhes dizia ao ouvido o que deviam escrever? É absurdo. Nós somos manipulados e enganados desde que nascemos!”
É sempre uma questão com respostas muito divergentes, essa de saber se à literatura cabe o papel missionário de revelar verdades e denunciar mentiras (se for, será uma obra literária o lugar para discutir?). A literatura pode e é de facto um lugar de crítica, mas só isso? E em nome de quê é feita essa crítica? Se é em nome da verdade é preciso um compromisso para encarar a realidade e investigar sem preconceitos. A este respeito vejo o exemplo, usado por Saramago, das guerras de religião como um bloqueio à crítica:
“as guerras de religião estão na História, sabemos a tragédia que foram”. E considerou que as Cruzadas são um crime do Cristianismo, porque morreram milhares e milhares de pessoas, culpados e inocentes, ao abrigo da palavra de ordem "Deus o quer", tal como acontece hoje com a Jihad (Guerra Santa). Saramago lamenta que todo esse “horror” tenha feito em nome de “um Deus que não existe, nunca ninguém o viu”.

Guerras religiosas são destiladas e reduzidas ao factor religioso - o que será justo quando a realidade histórica assim o confirma. E quando não são? Serve essa redução para branquear outras agentes?
Ou ainda este exemplo de obsessão pelo controlo e por totalizar tudo, por não deixar margens de sentido em aberto:
“Mas há coisas muito mais idiotas, por exemplo: antes, na criação do Universo, Deus não fez nada. Depois, decidiu criar o Universo, não se sabe porquê, nem para quê. Fê-lo em seis dias, apenas seis dias. Descansou ao sétimo. Até hoje! Nunca mais fez nada! Isto tem algum sentido?”, perguntou Saramago (e quem disse que a criação foi apenas no início e não é hoje? mas claro...)
O clero esse responde prontamente como se fosse parte interessada e ofendida. Em nome de quê, de quem?

2 comentários:

  1. Esta polémica do Saramago é um bom pretexto para falar da Bíbila. É pena é que parta de declarações do Nobel tão primárias, que não lhe ficam bem. Demonstram ignorância.
    Mas tb não é razão para rasgar as vestes. Toda a gente sabe que o Bíblia tem histórias cruéis, incestos, etc, pelo que neste ponto não vale a pena contestar Saramago.
    Já agora, a propósito das cruzadas, não seria de lhe recordar os goulags e milhares de mortes às mãos de Staline e seus seguidores?

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  2. Pois isso é verdade Saramago parece ter descoberto no seu ateísmo militante um ponto de vista e uma posição face à história isenta de mácula. Mas claro, sabemos que não é assim...
    Mas o que eu acho mais importante é que ele diz coisas que grande parte de nós que somos crentes pensa e com as quais concorda sem crítica alguma. É o caso do que ele diz sobre a criação. É um Deus distante, teísta que apenas pôs o mundo em movimento e zarpou...

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