2010-04-11

Abalo na Igreja IV

O texto aqui publicado em inglês foi para nós traduzido pelo António Alte da Veiga, com esta epígrafe: "Eles podem falar comigo porque «dormi com eles na cama, sou da mesma condição" (Pedro Homem de Mello/Amália Rodrigues)

Paddy McCafferty é um padre que foi ele próprio vítima de abuso do clero. Ele oferece-se como uma ponte entre os que sofreram como ele e a Igreja.

Comecei a falar publicamente em 1996 porque senti que os bispos não respondiam às vítimas com compaixão e verdadeira vontade de ser justos. Isso não me trouxe amigos e sofri real hostilidade, mas não era o que me preocupava. Eu queria, como padre, mostrar solidariedade às vítimas desses crimes. Foi uma tarefa difícil porque eu tinha as minhas próprias feridas desde criança e seminarista.
A resignação forçada do Cardeal Arcebispo de Boston, Bernard Law, em Dezembro de 2002, foi um catalisador. Nessa altura pedi publicamente a resignação do Cardeal Desmond Connell, então Arcebispo de Dublin, que só foi aceite por João Paulo II em Abril de 2004.
O relatório Murphy sobre abusos na Diocese de Dublin mostrou que o Cardeal Connell tinha tratado “mal” os escândalos dos abusos porque ele foi “lento em reconhecer a gravidade da situação”. As respostas que ele deu sobre o conhecimento dessas actividades sob o seu controlo foram julgadas inadequadas.
Sem fé não teria sobrevivido à depressão que sofri. Graças a Deus, eu tinha uma boa experiência na Igreja e isso ajudou-me a separar o abuso de padres e a minha fé em Deus, mas a minha vida espiritual foi afectada e conduziu-me a uma escuridão terrível. A oração já não me dava conforto e ainda sofro muito com a depressão.
Tenho agora 47 anos e trabalho numa paróquia enquanto preparo o doutoramento no Milltown Institute. A minha tese é em teologia da Cruz como um conforto para os sobreviventes de abuso. Faço algum trabalho pastoral não oficial com vítimas de abuso. A maioria das vítimas que me contactaram não foram abusadas pelo clero, mas algumas foram, e estas sentem que podem falar comigo porque sofri a mesma experiência.
Muito mais deste assunto tem de ser contado e a Igreja tem de continuar a ouvir. Os abusos cometidos pelo clero são diferentes dos outros abusos, porque se alguém foi abusado na família talvez encontre conforto na fé e na Igreja. As vítimas de abuso do clero sentem geralmente que esse conforto lhes está vedado.
É necessário que estes casos sejam totalmente transparentes e que se ponha fim a este lento escape do escândalo. Deixem isto vir à luz numa sessão de verdade para todos os bispos.
Não deve haver qualquer esconderijo para qualquer cardeal, bispo ou qualquer um que ponha crianças em perigo. Mas este lento escape de escândalos e o frenesim público que se lhe segue retraumatiza as vítimas, traz-lhes novamente a angústia e mergulha-as no inferno. É como picar novamente a ferida. Põe em perigo o bem-estar mental das vítimas. Algumas aguentam, outras não.

(Fr. Paddy McCafferty é capelão paroquial em Rathmines, Dublin. Deu uma entrevista a Sarah Mac Donald, jornalista freelance.)


Aqui fica também a carta enviada por Bento XVI aos Irlandeses.

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