Morreu esta manhã (1947 - 5 de Maio de 2011) Frei José Augusto Mourão, OP, da Ordem dos Dominicanos, um nome tão incontornável como pouco reconhecido da Igreja e da Cultura portuguesa.
Aqui fica um texto do Pe. José Tolentino Mendonça como homenagem (fonte).
O VAZIO VERDE
Um dia, quando se fizer a história do catolicismo português que nos é agora contemporâneo, há-de ver-se, em toda a clareza, que um dos seus actores magistrais foi, afinal, um frade e poeta, quase clandestino, que morreu esta manhã em Lisboa. Chamava-se José Augusto Mourão, e pertencia à Ordem dos Dominicanos. Nasceu em Vila Real em 1947, e construiu uma inscrição absolutamente invulgar na universidade e na cultura portuguesas. Foi professor na Universidade Nova de Lisboa, especializando-se no campo da semiótica, e prestando uma contínua atenção a expressões de vanguarda que transformam os próprios dispositivos da criação (por exemplo, as mutações da literatura na época de cibernética ou as diversas formas de hipertextualidade ou de hiperficção que a nossa alta modernidade tem gerado). Aí deixa uma obra que, sob muitos aspectos, se pode considerar seminal e profética.
Mas ele transportou também o mesmo espírito de profecia para aquela que é a opera magna da sua existência: a impressionante ponte (apetece escrever a “impossível ponte”) que ele, quase marginalmente, desenha entre o campo da fé e o da razão, entre a liturgia e a poética, entre a regra e o desejo. Por alguma razão, ele nunca foi um criador confortável, nem para o campo católico, nem para os parâmetros da cultura dominante. Os ouvidos crentes só a custo se abriam, porque ele operava com uma gramática inusual e exigente, buscava metáforas vivas, que é como quem diz, novas metáforas. Do mesmo modo, ele nunca obteve a visibilidade que certamente merece da parte da cultura. A sua poesia é, por exemplo, litúrgica, coisa que, em Portugal, é imediatamente catalogada de género menor. E alguns dos seus textos mais fundamentais são homilias: ora, as últimas homilias que a cultura portuguesa ouviu foram as do Padre António Vieira! Talvez um dia se reconheça a originalidade e a marca deste homem e se possa então valorizar o que ele hoje nos deixa em herança. Para já sentimos o grande vazio que a sua morte representa, que, como aponta o título do seu primeiro livro de poemas, somos desafiados a viver como um “Vazio Verde”.
Completamente de acordo e em sintonia com as palavras exactas do poeta P. José Tolentino de Mendonça sobre José Augusto Mourão, na hora da sua partida em que, como já tinha sentido, ficamos a viver um "Vazio Verde"
ResponderEliminarUmas palavras cheias de apreço e justiça que o frei José Augusto Mourão bem merece.
ResponderEliminarE para completar a sua vida surpreendente, deixou o seu corpo à ciência, sendo assim um dos rarissimos frades sem enterro! Mas ficará connosco a sua poesia orante.
E as letras de tantas músicas, tão poéticas e surpreendentes!
ResponderEliminarFaz ideia onde se podem encontrar online... Ía muitas vezes à missa nas Dominicana no Lumiar, onde muitas vezes ouvi o Frei Mourão. Na altura era criança e todo o seu discurso era incompreensível para as minhas capacidades. Mas as músicas não esquec. Adorava puder ouvir. Obrigada
EliminarSerá difícil, creio porque se chegou a ser gravada (estou em crer que o foi mas não me lembro) já não deve existir rasto dessa gravação.
EliminarEm todo o caso deixo aqui um link para um cântico de um compositor contemporâneo sobre música do Zé Augusto Mourão:
https://youtu.be/hAbo0lEXHSU
As partituras constam da Base de dados da Biblioteca Nacional:
Cânticos para o tempo comum [Música impressa] / J. A. Mourão. - Lisboa : Convento de São Domingos (Fátima Indugráfica, Lda,, 2008). - 87 p. ; 15x21 cm
Link persistente: http://id.bnportugal.gov.pt/bib/bibnacional/1757889
O mais próximo que poderá arranjar, mas em francês, serão as músicas originais do André Gouzes.
Boas descobertas
Do noticiário da Agência Ecclésia de 5 de Maio :Dominicanos: Morreu José Augusto Mourão
ResponderEliminar– O religioso dominicano José Augusto Mourão, professor na Universidade Nova de Lisboa e diretor do Instituto São Tomás de Aquino, morreu na manhã de hoje, anunciou o Provincial dos Dominicanos em Portugal: frei José Nunes.
“Era muito interessado no estudo, com uma capacidade invulgar de investigação”, referiu o superior à Agência ECCLESIA, acrescentando que José Mourão foi uma pessoa “extremamente intelectual e ao mesmo tempo muito sensível, vivendo a fé à flor da pele”.
Além de “grande poeta” – o volume ‘O nome e a forma’ reúne a sua poesia – o religioso nascido a 12 de junho de 1947 em Lordelo, Vila Real, tinha “grande sensibilidade litúrgica”, que expressou em “milhares de letras para cânticos religiosos”, assinalou José Nunes.
A obra de José Augusto Mourão cruza o saber científico, com estudos nos domínios da Semiótica e Linguística, com a pastoral e a espiritualidade – o último dos seus livros de homilias, ‘Quem Olha o Vento não Semeia’, vai ser lançado brevemente pela editora Pedra Angular.
Foi uma “pessoa muito próxima e simples, a quem devemos muito, e deixou um legado impar”, afirmou José Nunes, que destacou também a capacidade revelada por José Augusto Mourão na aproximação aos não católicos.
O superior da província portuguesa da Ordem dos Pregadores revelou que José Augusto Mourão “ofereceu o corpo à medicina”, pelo que a missa de corpo presente já foi celebrada no hospital onde faleceu, com a presença de um número reduzido de pessoas.
Hoje, às 21h00, celebra-se eucaristia no Convento de São Domingos, e para 14 de maio está marcada missa no Convento do Lumiar, ambos em Lisboa.
José Augusto Mourão deixou por escrito a vontade de que o seu corpo seja cremado, o que ocorrerá em data a anunciar.
Outra informação completa esta notícia: que o frei José Augusto deixou o seu corpo para estudo ca ciência, ao qual se seguirá a cremação.
M.V.