A propósito do Evangelho deste Domingo aqui fica o comentário de António Couto, retirado do Mesa de Palavras.
MULHER DE GRANDE FÉ
1. O Evangelho deste Domingo XX do Tempo Comum serve-nos uma página absolutamente desarmante: Mateus 15,21-28. Jesus abandona Genesaré, na costa ocidental do Mar da Galileia, e vai para a região de Tiro e de Sídon, actual Líbano, terra pagã.
2. Uma mulher e mãe «libanesa», carregada com o drama da sua filha doente – situação verdadeira ontem como hoje –, vem implorar de Jesus, num grito que lhe sai do fundo das entranhas, que lhe «faça graça» (eléêsón me, kýrie) (Mateus 15,22), isto é, que olhe para ela com bondade e ternura como uma mãe que dirige o seu olhar embevecido para a criança que embala nos braços.
3. O texto diz que Jesus nem lhe respondeu (Mateus 15,23). Mas a mulher não desiste, mas insiste e vai mais longe, prostrando-se (verbo proskinéô) agora diante de Jesus (Mateus 15,25). O gesto significa orientar a sua vida toda para Jesus, pôr-se totalmente na dependência de Jesus. A reacção de Jesus é de uma dureza extrema: afasta a pobre mulher e mãe duramente, catalogando-a na classe dos cachorros [= pagãos] e não dos filhos [= judeus] (Mateus 15,26). Só para estes é que ele veio.
4. A mulher replica de modo admirável: é verdade, Senhor! Os filhos estão reclinados à mesa, mas os cachorros comem debaixo da mesa as migalhas que caem! (Mateus 15,27). «Mulher da grande fé! (megalê hê pístis)», replicou Jesus, «faça-se como queres!» (Mateus 15,28).
5. Note-se bem que é a única vez que Jesus fala da «grande fé». E atribui-a a uma mulher e mãe «libanesa» cujo amor nunca se vergou perante a dureza e as dificuldades da vida. Em contraponto com esta mulher da «grande fé», note-se bem que Pedro é o homem da «pequena fé» (oligópistos) (Mateus 14,31), do mesmo modo que os discípulos são os homens «da pequena fé» (oligópistoi) (Mateus 6,30; 8,26; 16,8; 17,20). Admirável ainda que Jesus diga a esta mulher que não desiste, mas insiste e persiste: «faça-se como queres» (genêthêtô hôs théleis), um paralelo claro da oração do «Pai Nosso»: «Faça-se a tua vontade» (genêthêtô tò thélêmá sou) (Mt 6,10)!
6. O episódio é de uma crueza e de uma beleza inauditas. Mas há ainda mais: é a insistência desta mulher e mãe «libanesa» que, por assim dizer, obriga Jesus a passar mais uma fronteira: de hebraeos ad gentes!
7. Enquanto tentamos compreender melhor a ousadia desta mulher e mãe «libanesa», que enche claramente este Domingo XX, não deixemos também de contemplar o rumor missionário que se faz ouvir, em perfeita sintonia, nas demais passagens ou paisagens bíblicas de hoje: aí está Isaías a adscrever mais um belo nome a Jerusalém: «Casa de oração para todos os povos» (Isaías 56,7). E Paulo a intitular-se «Apóstolo das nações» (Romanos 11,13). E o Salmo 67(66) a juntar as vozes dos povos de toda a terra no mesmo louvor ao Deus que faz graça e misericórdia.
2. Uma mulher e mãe «libanesa», carregada com o drama da sua filha doente – situação verdadeira ontem como hoje –, vem implorar de Jesus, num grito que lhe sai do fundo das entranhas, que lhe «faça graça» (eléêsón me, kýrie) (Mateus 15,22), isto é, que olhe para ela com bondade e ternura como uma mãe que dirige o seu olhar embevecido para a criança que embala nos braços.
3. O texto diz que Jesus nem lhe respondeu (Mateus 15,23). Mas a mulher não desiste, mas insiste e vai mais longe, prostrando-se (verbo proskinéô) agora diante de Jesus (Mateus 15,25). O gesto significa orientar a sua vida toda para Jesus, pôr-se totalmente na dependência de Jesus. A reacção de Jesus é de uma dureza extrema: afasta a pobre mulher e mãe duramente, catalogando-a na classe dos cachorros [= pagãos] e não dos filhos [= judeus] (Mateus 15,26). Só para estes é que ele veio.
4. A mulher replica de modo admirável: é verdade, Senhor! Os filhos estão reclinados à mesa, mas os cachorros comem debaixo da mesa as migalhas que caem! (Mateus 15,27). «Mulher da grande fé! (megalê hê pístis)», replicou Jesus, «faça-se como queres!» (Mateus 15,28).
5. Note-se bem que é a única vez que Jesus fala da «grande fé». E atribui-a a uma mulher e mãe «libanesa» cujo amor nunca se vergou perante a dureza e as dificuldades da vida. Em contraponto com esta mulher da «grande fé», note-se bem que Pedro é o homem da «pequena fé» (oligópistos) (Mateus 14,31), do mesmo modo que os discípulos são os homens «da pequena fé» (oligópistoi) (Mateus 6,30; 8,26; 16,8; 17,20). Admirável ainda que Jesus diga a esta mulher que não desiste, mas insiste e persiste: «faça-se como queres» (genêthêtô hôs théleis), um paralelo claro da oração do «Pai Nosso»: «Faça-se a tua vontade» (genêthêtô tò thélêmá sou) (Mt 6,10)!
6. O episódio é de uma crueza e de uma beleza inauditas. Mas há ainda mais: é a insistência desta mulher e mãe «libanesa» que, por assim dizer, obriga Jesus a passar mais uma fronteira: de hebraeos ad gentes!
7. Enquanto tentamos compreender melhor a ousadia desta mulher e mãe «libanesa», que enche claramente este Domingo XX, não deixemos também de contemplar o rumor missionário que se faz ouvir, em perfeita sintonia, nas demais passagens ou paisagens bíblicas de hoje: aí está Isaías a adscrever mais um belo nome a Jerusalém: «Casa de oração para todos os povos» (Isaías 56,7). E Paulo a intitular-se «Apóstolo das nações» (Romanos 11,13). E o Salmo 67(66) a juntar as vozes dos povos de toda a terra no mesmo louvor ao Deus que faz graça e misericórdia.
"Mãe «libanesa» que, por assim dizer, obriga Jesus a passar mais uma fronteira: do povo hebraico aos outros povos."
ResponderEliminarMais uma vez "Deus escreve direito por linhas tortas" fazendo que esta pobre mãe aflita leve Jesus a alargar o horizonte da sua missão.
Quem dera que esta "catolicidade" esta universalidade da oferta do Reino de Deus marcasse mais o modo de pensar e de viver dos cristãos, a começar pelos que se dizem católicos.
"é a única vez que Jesus fala da «grande fé». E atribui-a a uma mulher e mãe «libanesa»".
ResponderEliminarAcho importante destacar as palavras de Jesus sobre esta mulher.
Jesus também disse: "Em verdade vos digo que, em Israel, não achei ninguém qu tivesse tal fé" quando em Cafarnaum curou à distancia o criado do "capitão" romano porque este acreditou nEle.
ResponderEliminarA fé não se mede, mas não será que Jesus também quer dizer que o centurião também teve "grande fé"?
De qualquer maneira também ele era um "pagão" um dos de fora.
Quem dera que a "grande fé" imigrasse para os "de dentro"!