Diálogo com o evangelho deste Domingo, 30 de agosto, 22º do tempo comum, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.
Evangelho segundo São Mateus (16, 21-27)
Pedro, tomando-O à parte, começou a contestá-lo, dizendo: «Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há de acontecer!».
Jesus voltou-Se para Pedro e disse-lhe: «Vai-te daqui, Satanás. Tu és para mim uma ocasião de escândalo, pois não tens em vista as coisas de Deus, mas dos homens».
Jesus disse então aos seus discípulos: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.
Pois quem quiser salvar a sua vida há de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la.
Na verdade, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Que poderá dar o homem em troca da sua vida?
O Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então dará a cada um segundo as suas obras».
DIÁLOGO DO FREI EUGÉNIO
No relato do evangelho do Domingo passado Jesus elogiou Simão pela descoberta que tinha feito de que Jesus era o Salvador e Filho de Deus.
Até lhe mudou o nome para Pedro e manifestou-lhe uma grande confiança, dando-lhe uma missão central entre os apóstolos.
Como é possível que logo na continuação, no relato de hoje, Jesus se dirige a Pedro num tom tão zangado a ponto de lhe chamar “Satanás” e de lhe dizer para se afastar dele? «Vai-te daqui, Satanás. Tu és para mim uma ocasião de escândalo”.
O que é que Pedro terá feito?
O Evangelho até apresenta Pedro a falar com Jesus dum modo amigo, procurando afastá-lo do caminho de oposições e de grande sofrimento e do final trágico de que Jesus começava a falar abertamente.
«Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há-de acontecer!» diz Pedro com uma convicção amiga.
Jesus chama então a Pedro Satanás e ele entende a quem Jesus o está a comparar: é ao Adversário de Deus, desde o começo da humanidade, cheio de astúcias e artimanhas, para afastar os seres humanos de Deus e da Sua Vontade.
Na tradição bíblica também é chamado Demónio ou Diabo, Pai da Mentira. Ele tem a arte de seduzir, apresentando o mal como sendo o Bem, o desamor como sendo o Amor.
E nós?
Alguns dos leitores dirão que o Satanás não existe como criatura e que é apenas o nome dado à origem do Mal.
Mas, sem entrarmos numa discussão filosófica, há uma realidade, com a qual nos deparamos, quer no dia-a-dia, quer em momentos em que temos de tomar importantes decisões: a tentação.
A tentação aparece como a alternativa entre um Bem reconhecido e um Mal que nos atrai, que nos trará maior satisfação. A nossa consciência é posta à prova.
E qual é a arte de Satanás?
É apresentar-nos um Mal como sendo um Bem; é seduzir-nos, mascarando habilmente o Mal, que fica irreconhecível e, como tal, nos atrai como sendo um Bem melhor, um Super-Bem.
Por exemplo: numa família há uma questão de grandes dívidas que é posta em tribunal. Os membros da família que perderam a causa resolvem cortar completamente as relações com a outra parte da família e a situação já se arrasta por três gerações. Esta atitude é tomada em nome dos valores da honra, dignidade e respeito que se merece.
Não reconhecem que é uma vingança.
Alguém tem de testemunhar em tribunal em defesa dum amigo e, para isso, apresenta documentos falsificados. O seu testemunho é decisivo. Foi em nome da grande amizade que fez tudo para salvar o amigo - uma atitude de louvar e o amigo fica muito grato.
Não reconhecem que usar documentação falsa é um crime.
Pedro, o companheiro em quem Jesus pôs a sua confiança, com muita amizade, quer convencer Jesus a tomar decisões que O iriam afastar do que Deus lhe inspirava.
Pedro não “tinha em vista as coisas de Deus, mas as dos homens” .
Jesus que já tinha vencido no deserto as seduções de Satanás, quer agora que Pedro e os seus discípulos estejam atentos às astúcias e artimanhas do Sedutor, para que tenham lucidez para as identificar e força para seguirem o caminho do verdadeiro Bem.