Diálogo com o Evangelho deste Domingo, 1 de Novembro, dia de Todos os Santos, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.
EVANGELHO (Mt 5, 1-12a)
Naquele tempo, ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se. Rodearam-no os discípulos,
e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
«Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os humildes, porque possuirão a Terra.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.
Bem-aventurados sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa».
DIÁLOGO
Este ano, a dupla festa do Dia de Todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis Defuntos está a chegar no meio da pandemia de Covid-19.
O número diário de novas infecções Covid-19, de internamentos hospitalares, de doentes nos cuidados intensivos e mortes continuam a aumentar.
Esta situação particularmente perigosa é muito preocupante para a nossa sociedade durante um período de tempo imprevisível, mesmo para os cientistas.
Ninguém é imune ao vírus.
Ao mesmo tempo, em alguns países, como em certas zonas de Portugal, existem medidas sanitárias que impedem que a popular festa de Todos-os-Santos seja celebrada com a beleza litúrgica dos outros anos e sobretudo tornam muito difícil, ou mesmo impossível, fazer visitas aos cemitérios, para florir as campas dos familiares que já partiram desta vida.
Em tais circunstâncias tão adversas, como é que a festa de Todos-os-Santos deste ano, em vez de ser uma triste frustração, se pode tornar num aprofundamento da nossa fé?
Comecemos por reparar que as santas e santos que hoje celebramos na liturgia são cristãos que descobriram que nas suas vidas precisavam da Luz vinda de Deus, e se deixaram transformar por ela com muita confiança.
Eram pessoas que viviam com os pés na terra: experimentaram o cansaço diário da vida, com o que corria bem e com fracassos, com alegrias e aflições, encontrando em Deus a força para se erguerem sempre de novo e continuarem no caminho.
A santidade é fruto do Amor gratuito de Deus e também da nossa resposta livre e responsável a este Amor.
A santidade é assim um dom e um apelo.
A santidade é algo que não podemos comprar, nem ganhar, mas sim aceitar de mãos abertas, participando na própria vida de Deus, como Jesus nos veio anunciar e praticar.
Nesta festa de Todos-os-Santos, podemos encontrar uns minutos para pararmos e pensarmos que todos somos chamados a "ser santos", ou seja, a viver a nossa vida normal, mas querendo vivê-la em plena comunhão com Deus, procurando fazer a Sua Vontade de forma prática e concreta e não apenas com piedosos desejos.
Se aceitamos este apelo a «sermos santos», é importante assumir um compromisso diário de santificação nas situações, nos deveres e nas circunstâncias das nossas vidas, procurando viver cada situação com amor.
Esta santidade a que a Deus nos chama, irá crescer em pequenos gestos e pormenores.
Por exemplo: uma pessoa vai ao mercado para fazer algumas compras, encontra um amigo e começam a falar, e a conversa gira à, volta de crítica a conhecidos. Se essa pessoa diz para si mesma: "Não, não vou falar mal de ninguém!". Este foi um passo em santidade!
Uma mãe ou um pai, chegam a casa vindos do trabalho, e um dos filhos precisa de falar sobre o dia passado na escola, e embora esteja bastante cansada(o), senta-se com ele e ouve-o com paciência e interesse. Esta é outra atitude que santifica!
É muito inspirador ver como Jesus, de acordo com os relatos evangélicos, convidou os seus discípulos a prestar atenção a pequenos pormenores, que mudam completamente as situações:
O pequeno pormenor do vinho que faltava num casamento.
O pequeno pormenor de uma ovelha que faltava nas cem ovelhas do rebanho.
O pequeno pormenor da viúva que no Templo, ofereceu apenas duas moedinhas.
O pequeno pormenor de ter óleo em reserva para as lâmpadas, no caso de o noivo se atrasar.
O pequeno pormenor de pedir aos seus discípulos, em frente da multidão faminta, para verificarem quantos pães tinham.
O pequeno pormenor de ter acendido uma fogueira de brasas com peixe em cima, enquanto esperava pelos discípulos ao amanhecer.
Olhando para algumas vidas de santas e santos que conhecemos um pouco melhor, somos encorajados a imitá-los.
Tiveram os mesmos obstáculos e as mesmas lutas que nós. No seu interior, tiveram sensibilidades com contradições como nós, tentações semelhantes e até revoltas como por vezes temos.
Tiveram maus hábitos a destruir, recaídas a ultrapassar, ilusões a temer, atenção aos amigos que com boas intenções dão muito maus conselhos. Também tiveram pessoas que detestavam e até inimigos a procurar amar à maneira de Jesus. Mas há também muitas outras pessoas que são testemunhas de uma "santidade da porta ao lado", como diz o Papa Francisco na sua Exortação Apostólica "Gaudete et exsultate" sobre a santidade.
Pessoas que vivem perto de nós ou que encontramos em variadas circunstâncias e que, de forma discreta, são um reflexo da presença do Amor de Deus.
Se estivermos atentos, podemos descobrir as mais variadas formas desta "santidade da porta ao lado":
- naqueles pais que educam os seus filhos com tanto esforço e amor;
- naquelas mulheres e homens que trabalham arduamente para trazer o indispensável às suas famílias e estão disponíveis para ajudar quem está na aflição;
- naqueles estudantes que utilizam uma boa parte do seu tempo a ensinar colegas que não sabem estudar ou aqueles profissionais que apoiam colegas que não tiveram quem os iniciasse em novas técnicas de trabalho,
- naquelas e aqueles que têm atenções e cuidados com os mais esquecidos.
Podemos assim ter a alegria de reconhecer santos de todas as idades, de todos os temperamentos, de todas as condições sociais e culturais, no meio de complicadas situações familiares.
Neste tempo em que muitos estamos mais afastados das celebrações das Eucaristias e dos sacramentos e das idas a igrejas, esta «santidade da porta ao lado» pode ser inspiradora para nós.
A santidade pode torna-se assim uma (pro)vocação para amarmos o próximo como a nós mesmos, à maneira de Jesus.
frei Eugénio