2021-03-13

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho deste Domingo,  14 de março, IV Domingo da Quaresma, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui (só a partir de segunda-feira, por problemas técnicos).

 

 
 
Evangelho (Jo. 2, 13-25)

 

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita tenha nele a vida eterna».
Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita nele não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele».
Quem acredita nele não é condenado, mas quem não acredita nele já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus».
E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras.
Todo aquele que pratica más ações odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas.
Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus».

 

DIÁLOGO COM O EVANGELHO

Caros leitores, acabámos de ler a parte final do diálogo de Jesus com Nicodemos, esse mestre em Israel, que tinha ido ter com Jesus à noite, provavelmente para que ninguém o visse, com o desejo de compreender os seus ensinamentos, cheios de novidade.

Uma dessas novidades é que ele, Jesus, bem conhecido como o filho de José o carpinteiro, habitante de Nazaré, se apresentava como o único Filho de Deus, portanto como aquele que tem uma relação imediata e íntima com Deus. A palavra "Filho" exprime um elo único e fundamental entre Jesus e Deus.

Centrando-se no papel do Filho, o texto de S. João põe em relevo a revelação que Deus ama de tal modo cada uma e todas as pessoas, que quer que participem na sua própria vida divina.

Esta vida é uma vida de relacionamento, em primeiro lugar com o Filho que "o Pai ama".

Através da pessoa de Jesus, a nossa opção é feita a favor ou contra o Pai: "Quem acredita em mim", diz Jesus, "acredita no Pai que me enviou". Através de Jesus, podemos entrar no seu mistério de Deus.

A opção que deverá ser tomada, diz respeito a Jesus, um homem determinado que viveu e morreu, mas cuja atitude fundamental era estar voltado para o Pai e fazer a Sua Vontade.

Isto, porque a fé em Jesus não tem qualquer significado a não ser através da sua relação única com Deus.

Mas, o evangelista deixa claro que a condição essencial para ter acesso a essa vida eterna é acreditar em Jesus, Filho de Deus.

Optar pelo oposto, significa perder a própria vida.

Uma alternativa radical.

Será este radicalismo do evangelista realmente aceitável?

Espontaneamente podemos pôr a questão:  o que pensar dos milhares de milhões de mulheres e de homens que nasceram e viveram antes da vinda de Jesus a este mundo? E aquelas e aqueles que não o conhecem desde que viveu na Palestina e aqueles que não o conhecerão no futuro?

O evangelista não desconhecia este problema, mesmo que não estivesse tão consciente como nós, no século XXI, das dimensões planetárias da humanidade.

O evangelista escreveu, logo no início do seu Evangelho, que os povos a quem a proclamação cristã não tinha ou ainda não tinha chegado, se acolhessem a luz do Logos, da Sabedoria divina, presente no mundo desde o início da criação, e se se abrissem a essa  Sabedoria que ensina em todas as ocasiões e os lugares o que é certo e verdadeiro, se tornariam filhos de Deus.

A alternativa do evangelista supõe uma opção livre.

Esta alternativa não é evidente para nós, que somos testemunhas não só do valor espiritual das grandes religiões, mas também da elevada qualidade moral de tantas mulheres e homens que não aderem à proclamação de Jesus, mesmo que já a tenham encontrado antes, e por vezes desde a infância.

Mas, há outro mal-entendido possível na interpretação do que o evangelista escreveu.

A alternativa, colocada tão radicalmente, não diz respeito a uma recompensa ou a um castigo, aquilo a que normalmente chamamos céu ou inferno.

A salvação de que João fala é de receber, através do novo nascimento, (como disse na primeira parte da conversa com Nicodemos), uma realização plena do nosso próprio ser, uma realização que já é possível começar e crescer no presente. 

Pode-se mesmo dizer que é uma realização que podemos experimentar graças à comunhão, na fé e na oração, com Deus, através do Seu Filho.

De facto, o evangelista João apresenta a Salvação do crente em termos de habitação recíproca no interior de cada um.

Jesus dirá: "Se alguém me ama, [...] meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada» (Jo 14, 23).

E «Eu estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós». (Jo 14,20)

Em princípio, segundo o desejo de Jesus, a comunidade dos seus discípulos, se viverem em unidade e em amor fraterno, deveria manifestar o que é o dom de Amor vindo de Deus e assim levar outros a reconhecerem Aquele que é a origem e fonte de todas as formas de amor fraterno. 

Não será que a importância dada pelo evangelista João à atitude interior que podemos ter em relação àquilo que nos pode orientar para a luz, que é Jesus, não tem a ver com a nossa abertura ao que não diz respeito somente a nós próprios e ao que está ao nosso alcance?

Graças à confiança em Jesus, o Filho de Deus, podemos acreditar que o Amor de Deus é eternamente novo, que é continuamente criador de novos horizontes para o nosso modo de viver, pessoal e em comunidade.

frei Eugénio

1 comentário:

  1. Excelente abertura de caminhos para este encontro de Nicodemos com Jesus que abre para uma floresta densa.
    Sobretudo é notável ter feito ver como a alternativa não é entre recompensa/castigo no além (por acaso acrescento para complicar, algo que facilmente damos por adquirido mas que não é bem assim: a ideia de que no judaísmo a vida para lá da morte é uma questão importante; falo do judaísmo pós talmúdico...)

    Não percebi esta frase:
    Esta alternativa não é evidente para nós, que somos testemunhas não só do valor espiritual das grandes religiões, mas também da elevada qualidade moral de tantas mulheres e homens que não aderem à proclamação de Jesus, mesmo que já a tenham encontrado antes, e por vezes desde a infância.

    De qualquer forma obrigado (cansaço hoje não dá para mais...)

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