2023-02-25

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho de 26 de fevereiro, 1º Domingo da Quaresma, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.


 https://www.evangile-et-peinture.org


EVANGELHO (Mt. 4, 1-11)

Naquele tempo,

Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo.

Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome.

O tentador aproximou-se e disse-lhe:

«Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães».

Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem,

mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’».

Então o Diabo conduziu-O à cidade santa, levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe:

«Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito:

‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos,

para que não tropeces em alguma pedra’».

Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».

De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto,

mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-Lhe:

«Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares».

Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’».

Então o Diabo deixou-O e aproximaram-se os Anjos e serviram-n'O.

 

DIÁLOGO

Na Liturgia católica, nos primeiros Domingos da Quaresma, os Evangelhos referem-se sempre às tentações de Jesus no deserto, logo no começo da sua atividade de anunciador da Boa Nova de Deus.

Como sabemos, o que era mais central na missão de Jesus, era anunciar que, com Ele, tinham chegado os novos tempos do Reinado de Deus no meio de nós.

Para tentar Jesus, aparece nos Evangelhos um personagem chamado Diabo (=caluniador), também chamado na Bíblia: Demónio, ou Satanás (=adversário), ou Sedutor, ou Maligno, ou Pai da mentira.

Nas tentações deste personagem a Jesus, o seu objetivo é conseguir que Jesus se afaste o mais possível da Vontade de Seu Pai, no modo de concretizar a sua missão.

As tentativas de Satanás para afastar Jesus da Vontade do Pai estão todas relacionadas com o modo de Jesus realizar o Reinado de Deus entre nós.

Assim, o Sedutor propõe a Jesus vários modos de ter um sucesso garantido, para que as pessoas adiram a Ele e o reconheçam como aquele que tem o poder de Filho de Deus.

São propostas verdadeiramente sedutoras, mesmo para Jesus, pois com elas, Ele poderia ter muito sucesso na proclamação do Reino.

Para convencer Jesus, o Diabo até cita passagens da Escritura.

Para vencer estas seduções, Jesus vai-se também apoiar em palavras da Escritura, que Lhe indicam o verdadeiro Querer de Deus, Seu Pai.

Em alternativa ao sucesso que seduz, Jesus vai discernir qual é a Vontade de Deus, que lhe vai indicar um caminho que o vai levar à condenação, à tortura e à morte na cruz, que é humanamente absurdo e irracional.

Além disso, vai levar também ao abandono e à fuga de quase todos os seus seguidores.

De facto, é um insucesso completo.

Mas por que é que as tentações fizeram parte deste tempo de preparação de Jesus?

Na linguagem bíblica, a tentação é apresentada como uma sedução e não simplesmente como uma escolha, por vezes com certa dificuldade, entre um Bem e um Mal.

Na sedução, estamos numa situação em que a escolha aparece entre uma atitude considerada boa e outra que nos é apresentada como muito boa e a melhor.

É uma escolha difícil, pois é entre dois Bens.

Só que um Bem é verdadeiramente bom e o outro é falsamente bom.

Quando somos tentados, somos seduzidos pelo Mal que se mascara de Bem, para nos enganar.

Quanto melhor for a máscara, mais eficaz será a sedução e maior será o sucesso da tentação.

É o Mal mascarado de Bem, que aparece como sendo muito melhor do que o Bem real.

Possivelmente conhecemos situações, quer no espaço familiar, quer no mundo do trabalho, quer em instituições em que se dá grande relevo à prática de certos valores.

Esses valores podem seduzir-nos a tal ponto, que deixamos de ver as consequências muito negativas que vão ter, quer nas relações com Deus, quer com os outros, quer connosco mesmos.

Como podemos nós aprender com Jesus a superar as tentações mais frequentes, aquelas atitudes que nos seduzem e nos aparecem como muito boas, mas que, de facto, nos afastam da Vontade de Deus?

Em primeiro lugar, é importante pedirmos ao Espírito de Jesus que nos ilumine, que nos ajude a discernir o verdadeiro Bem à maneira de Jesus, para não sermos seduzidos pelo Mal mascarado de Bem.

Ao mesmo tempo devemos pedir a Jesus que nos dê a verdadeira humildade, para não estarmos convencidos que sabemos perfeitamente o que é Bem e o que é Mal na situação

que temos diante de nós, sem precisarmos de ter um encontro a sós com Deus, na oração, e sem pedirmos conselho a quem tem sabedoria espiritual para nos ajudar.

Esta questão das tentações, que são seduções que nos afastam da Vontade de Deus, é tão importante, que faz parte da oração que Jesus rezava ao Pai e que Ele nos deixou: o Pai-Nosso.

Seguidamente, tendo nós descoberto a sedução que nos está a encaminhar para o Mal, pois nos aparece como um super-Bem, devemos pedir a Jesus que nos dê força e coragem para pormos em prática o discernimento que fizemos.

Podemos dizer que vencer as tentações é um combate que faz parte do nosso dia-a-dia, precisamos de ser persistentes a pedir a Jesus, para que não nos deixe desanimar desse combate.

Como Jesus no «deserto», para «não cairmos em tentação», como pedimos no Pai-Nosso, peçamos a Deus que nos envie o seu Espírito para permanecermos vigilantes face às seduções do Maligno e sejamos fortalecidos para recomeçar cada dia a praticar a Vontade de Deus.

      frei Eugénio, dominicano


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