2023-03-25

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 5º Domingo da Quaresma, 26 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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EVANGELHO (Jo. 11, 1-45)

Forma breve: Jo 11, 3-7.17.20-27.33b-45


Naquele tempo,

as irmãs de Lázaro mandaram dizer a Jesus:

«Senhor, o teu amigo está doente».

Ouvindo isto, Jesus disse:

«Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus,

para que por ela seja glorificado o Filho do homem».

Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro.

Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente,

ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava.

Depois disse aos discípulos:

«Vamos de novo para a Judeia».

Ao chegar lá,

Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias.

Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar,

Marta saiu ao seu encontro,

enquanto Maria ficou sentada em casa.

Marta disse a Jesus:

«Senhor, se tivesses estado aqui,

meu irmão não teria morrido.

Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus,

Deus To concederá».

Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará».

Marta respondeu:

«Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição, do último dia».

Disse-lhe Jesus:

«Eu sou a ressurreição e a vida.

Quem acredita em Mim,

ainda que tenha morrido, viverá;

e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá.

Acreditas nisto?»

Disse-Lhe Marta:

«Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus,

que havia de vir ao mundo».

Jesus comoveu-Se profundamente e perturbou-Se.

Depois perguntou: «Onde o pusestes?»

Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor».

E Jesus chorou.

Diziam então os judeus:

«Vede como era seu amigo».

Mas alguns deles observaram:

«Então Ele, que abriu os olhos ao cego,

não podia também ter feito que este homem não morresse?»

Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo.

Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada.

Disse Jesus: «Tirai a pedra».

Respondeu Marta, irmã do morto:

«Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias».

Disse Jesus:

«Eu não te disse que, se acreditasses,

verias a glória de Deus?»

Tiraram então a pedra.

Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse:

«Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido.

Eu bem sei que sempre Me ouves,

mas falei assim por causa da multidão que nos cerca,

para acreditarem que Tu Me enviaste».

Dito isto, bradou com voz forte:

«Lázaro, sai para fora».

O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras

e o rosto envolvido num sudário.

Disse-lhes Jesus:

«Desligai-o e deixai-o ir».

Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria,

ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.

Palavra da Salvação

 

DIÁLOGO

 

“E Jesus chorou.” Este momento de grande tristeza que o evangelista João nos apresenta e que acabámos de ler, faz parte do relato da ressurreição de Lázaro.

Comentando este facto, o teólogo Jean-Michel Castaing escreveu um comentário muito feliz:

“este versículo é mais eficaz para persuadir os crentes do que todas as bibliotecas de Teologia Dogmática reunidas.”

 

Jesus estava com os discípulos para além do Jordão. Mesmo sabendo que Lázaro se encontrava muito doente, não vai vê-lo, ficando mais dois dias em pregação.

Depois diz aos discípulos: «Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem», que os discípulos interpretaram mal, tomando à letra as suas palavras.

Seguiram então para a Judeia e quando chegaram a Betânia, Lázaro estava sepultado há já quatro dias.

 

No diálogo que manteve com Marta, esta estava desolada por Jesus não ter estado presente. Sabia que o seu irmão Lázaro ressuscitaria no fim dos tempos, mas isso não a consolava.

Jesus esclareceu-a: “Eu sou a Ressurreição e a Vida;” e estas palavras teriam bastado, mas acrescentou « quem acredita em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e acredita em mim nunca morrerá (….»

 

O encontro de Jesus com Maria, a irmã de Marta, foi diferente.

Esta ajoelhou-se aos pés de Jesus, numa posição tradicional do discípulo em relação ao Mestre e, chorosa, lamentou a morte do irmão e a ausência de Jesus.

 

Então no texto aparecem três verbos significativos da agitação interior de Jesus:  comoveu-Se… perturbou-Se (ficou esmagado)…e  Jesus chorou.

A compaixão de Jesus é capaz de ter presente e de compreender todas as nossas angústias.

Quando já estavam próximos do túmulo de Lázaro, Jesus levantou os olhos ao Céu e deu uma ordem em alta voz (para que a multidão pudesse ouvir): «Lázaro, sai para fora.»

Surgiu então Lázaro todo envolvido em ligaduras, como tinha sido sepultado.

Jesus deu então a seguinte ordem «Desligai-o e deixai-o ir».

 

Este acontecimento preparou a Paixão e a Ressurreição de Jesus.

Dos judeus que viram e ouviram o que se passou junto ao túmulo de Lázaro, um grupo iria acreditar em Jesus; outro, iria informar os príncipes dos sacerdotes do Templo e os fariseus.

Eles irão preparar a sentença de morte de Jesus. (Jo. 11, 45-54).

 

Porque é que Jesus chorou antes da ressurreição de Lázaro, conforme é narrado em João 11, 35?

Quando alguém querido morre, é natural chorarmos porque sentimos saudades dele. Embora gostasse muito de Lázaro, não foi a morte dele em si que levou Jesus a chorar.

Ele chorou por ter compaixão pelos familiares, a começar pelas irmãs, e pelos amigos enlutados, conforme indicado pelo contexto do relato de João. (Jo 11.36).

 

A morte não era o resultado final da doença de Lázaro.

A intenção de Jesus era usar a morte de Lázaro “para a glória de Deus”. E como faria Ele isso?

Jesus estava prestes a realizar um milagre espetacular, trazendo o seu amigo de volta à vida.

Ao conversar com seus discípulos nessa ocasião, Jesus comparou a morte ao sono. É por isso que Ele lhes disse que ‘viajaria para lá e despertaria Lázaro do sono’. (João 11,11)

Quando Jesus encontrou Maria, uma das irmãs de Lázaro, e viu que ela e outros estavam chorando, ele perturbou-Se.

Ver o sofrimento deles faz com que Jesus fique muito pesaroso, a ponto de ficar "perturbado."

 

Foi por isso que ele chorou. Ele ficou profundamente triste ao ver seus queridos amigos sofrendo tanto. (Jo 11, 33 ; 35)

 

Jesus sabia que iria ressuscitar Lázaro. Mesmo assim, Ele chorou por causa de seu grande amor pelos seus amigos.

 

Do mesmo modo, se sentirmos compaixão, isso também nos poderá levar a «chorar com os que choram»’. (Rom. 12,15)

 

Mostrar essa tristeza não indica falta de fé na esperança da ressurreição.

Como é bom sabermos que Jesus, mesmo estando prestes a ressuscitar Lázaro, mostrou compaixão pelos enlutados, chorando de modo sincero e deixando-nos um belo exemplo para nós!

 

                               frei Eugénio, op

 

 

 


2023-03-19

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 4º Domingo da Quaresma, 19 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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EVANGELHO (Jo. 9, 1-41)

Naquele tempo, Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença.
Os discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?».
Jesus respondeu-lhes: «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus.
É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras daquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo».
Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego.
Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé»; «Siloé» quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e ficou a ver.
Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que antes o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?».
Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu».
Perguntaram-lhe então: «Como foi que se abriram os teus olhos?».
Ele respondeu: «Esse homem que se chama Jesus fez um pouco de lodo, ungiu-me os olhos e disse-me: "Vai lavar-te à piscina de Siloé". Eu fui, lavei-me e comecei a ver».
Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?». O homem respondeu: «Não sei».
Levaram aos fariseus o que tinha sido cego.
Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo e lhe tinha aberto os olhos.
Por isso, os fariseus perguntaram ao homem como tinha recuperado a vista. Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos; depois fui lavar-me e agora vejo».
Diziam alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Outros observavam: «Como pode um pecador fazer tais milagres?». E havia desacordo entre eles.
Perguntaram então novamente ao cego: «Tu que dizes daquele que te deu a vista?». O homem respondeu: «É um profeta».
Os judeus não quiseram acreditar que ele tinha sido cego e começara a ver. Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes: «É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego? Como é que ele agora vê?».
Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego;
mas não sabemos como é que ele agora vê, nem sabemos quem lhe abriu os olhos. Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».
Foi por medo que eles deram esta resposta, porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga quem reconhecesse que Jesus era o Messias.
Por isso é que disseram: «Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».
Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é pecador».
Ele respondeu: «Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo».
Perguntaram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?».
O homem replicou: «Já vos disse e não destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo novamente? Também quereis fazer-vos seus discípulos?».
Então insultaram-no e disseram-lhe: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés.
Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas este, nem sabemos de onde é».
O homem respondeu-lhes: «Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é, mas a verdade é que Ele me deu a vista.
Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade.
Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença.
Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer».
Replicaram-lhe então eles: «Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?». E expulsaram-no.
Jesus soube que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: «Tu acreditas no Filho do homem?».
Ele respondeu-Lhe: «Quem é, Senhor, para que eu acredite nele?».
Disse-lhe Jesus: «Já O viste: é quem está a falar contigo».
O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou: «Eu creio, Senhor».
Então Jesus disse: «Eu vim a este mundo para exercer um juízo: os que não veem ficarão a ver; os que veem ficarão cegos».
Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto, perguntaram-Lhe: «Nós também somos cegos?».
Respondeu-lhes Jesus: «Se fôsseis cegos, não teríeis pecado. Mas como agora dizeis: "Nós vemos", o vosso pecado permanece».
 
DIÁLOGO
 
Caros leitores, convido-vos a seguir o caminho que o cego de nascença seguiu até chegar a dizer: "Eu acredito em Ti, Senhor".
 
Neste seu percurso o cego vai passar da cegueira exterior, que o atinge desde o nascimento, para a luz interior do Amor de Deus e do próximo.
Jesus vai-lhe abrir os olhos do coração.
 
Jesus faz-lhe descobrir o Totalmente Outro que é Deus Santo e os outros que são nossas irmãs  e nossos irmãos.
A iluminação interior é a causa da renovação e da mudança que se opera no olhar exterior.
Ele passa a ver de modo diferente, com os critérios de Jesus,
Tanto as pessoas como os acontecimentos,
 
É essa transformação que também somos convidados a fazer:
"Sai das tuas trevas e deixa a luz de Jesus Ressuscitado entre em ti".
Já o fizemos várias vezes, certamente, mas temos de o fazer continuamente de novo.
A Quaresma de cada ano é uma ocasião propícia para isso.
 
Voltemos ao homem cego de nascença.
Como se vão abrir os  seus olhos?
 
Por gestos que Jesus faz e por palavras que Ele diz.
Jesus pega num pouco de lodo, coloca-o sobre os olhos do cego
e diz-lhe: "Vai e lava-te na piscina de Siloé".
O cego deixa que o lodo seja colocado nos seus olhos e ouve as palavras de Jesus e vai pô-las em prática.
Estas palavras são as do Mensageiro de Deus, do Filho de Deus,
que, ao enviá-lo à piscina de Siloé, que recriá-lo e refazê-lo
 
Uma vez restaurada a sua visão, o cego é confrontado com a incredulidade das autoridades religiosas, que o questionam
e não acreditam no seu testemunho.
Bloqueados nas suas leis e regulamentos, recusam-se a ver a acção de Deus neste cego de nascença.
 
Nós sabemos que ver não é apenas uma função física.
Ver é também uma visão espiritual, uma visão que invade o coração e a mente.
É o que acontece no baptismo dos cristãos adultos, que nos primeiros séculos da Igreja foi chamado de "iluminação".
Que bonito acontecimento « ser iluminado» !
 
Tal como aconteceu com o cego, Jesus pergunta-me: "Acreditas no Filho do Homem?
E se eu Lhe disser: «E quem é ele, Senhor, para que eu acredite nele?»
Jesus responde-me: "Tu estás a vê-lO , e é Ele que te fala".
 
Seguindo o exemplo do cego, nós, como batizados, somos convidados a fazer uma nova profissão de fé, dizendo : «Eu creio, em Ti, Senhor»!
 
A fé não é principalmente um conjunto de dogmas e verdades a acreditar, mas é, sobretudo, o encontro e a adesão a uma Pessoa, Jesus Ressuscitado em quem ponho toda a minha confiança.
 
Ele deixa isto claro no início do Evangelho que lemos, quando diz «enquanto eu estiver no mundo, sou a luz do mundo».
 
O que fazemos nós com esta luz, com esta «iluminação»?
 
Somos reenviados à nossa liberdade recebida de Deus na sua criação da humanidade.
É através de uma livre escolha, acessível a todos, que podemos receber a luz, a "iluminação" abrindo os nossos corações Àquele que é a "verdadeira Luz", acreditando n'Ele e confiando n’Ele.
 
Que a nossa Quaresma, iluminada pelas palavras e pelos exemplos de Jesus e que a liturgia nos relembra, nos dê uma fé ainda mais ativa e viva.
 
No nosso dia-a-dia, quer ao volante do nosso carro, ou no autocarro ou no metro, procuremos ter uns brevíssimos momentos de pausa para dizer a Jesus que é Ele quem nos ilumina e que desejamos ver com os olhos dEle as outras pessoas e o que nos vai acontecendo
 
Acendamos em nós próprios o presente que recebemos no baptismo, aquela chamazinha iluminadora, que por vezes corre o risco de ser sufocada.
Vamos alimentá-la com a oração e o amor ao próximo.
          frei Eugénio

 


2023-03-12

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 3º Domingo da Quaresma, 12 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.


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EVANGELHO (Jo. 4, 5-42)

Naquele tempo, chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José,onde estava o poço de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço. Era por volta do meio-dia.Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-Me de beber».

Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos.
Respondeu-Lhe a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?». De facto, os judeus não se dão com os samaritanos.
Disse-lhe Jesus: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: "Dá-Me de beber", tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva».
Respondeu-Lhe a mulher: «Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva?
Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus rebanhos?».
Disse-Lhe Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede.
Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna».
«Senhor», suplicou a mulher, «dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la».
Disse-lhe Jesus: «Vai chamar o teu marido e volta aqui».
Respondeu-lhe a mulher: «Não tenho marido». Jesus replicou: «Disseste bem que não tens marido,
pois tiveste cinco, e aquele que tens agora não é teu marido. Neste ponto falaste verdade».
Disse-lhe a mulher: «Senhor, vejo que és profeta.
Os nossos antepassados adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar».
Disse-lhe Jesus: «Mulher, acredita em Mim: Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.
Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos Judeus.
Mas vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja.
Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade».
Disse-Lhe a mulher: «Eu sei que há de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier, há de anunciar-nos todas as coisas».
Respondeu-lhe Jesus: «Sou Eu, que estou a falar contigo».
Nisto, chegaram os discípulos e ficaram admirados por Ele estar a falar com aquela mulher, mas nenhum deles Lhe perguntou: «Que pretendes?», ou então: «Porque falas com ela?».
A mulher deixou a bilha, correu à cidade e falou a todos:
«Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será Ele o Messias?».
Eles saíram da cidade e vieram ter com Jesus.
Entretanto, os discípulos insistiam com Ele, dizendo: «Mestre, come».
Mas Ele respondeu-lhes: «Eu tenho um alimento para comer que vós não conheceis».
Os discípulos perguntavam uns aos outros: «Porventura alguém Lhe trouxe de comer?».
Disse-lhes Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que Me enviou e realizar a sua obra.
Não dizeis vós que dentro de quatro meses chegará o tempo da colheita? Pois bem, Eu digo-vos: Erguei os olhos e vede os campos, que já estão loiros para a ceifa.
Já o ceifeiro recebe o salário e recolhe o fruto para a vida eterna e, deste modo, se alegra o semeador juntamente com o ceifeiro.
Nisto se verifica o ditado: "Um é o que semeia e outro o que ceifa".
Eu mandei-vos ceifar o que não trabalhastes. Outros trabalharam e vós aproveitais-vos do seu trabalho».
Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus, por causa da palavra da mulher, que testemunhava: «Ele disse-me tudo o que eu fiz».
Por isso os samaritanos, quando vieram ao encontro de Jesus, pediram-Lhe que ficasse com eles. E ficou lá dois dias.
Ao ouvi-lo, muitos acreditaram
e diziam à mulher: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».
 
 
DIÁLOGO
 
O Evangelho de hoje apresenta-nos Jesus cansado de andar, com os seus discípulos, de terra em terra em pregação, a anunciar que o Reinado de Deus já estava entre nós.
Senta-se à beira dum conhecido poço, escavado na rocha, chamado o poço de Jacob.
Nessa altura em que Jesus se repousava, na hora do maior calor, chegou uma mulher daquela região, a Samaria, que vinha buscar água.
Jesus pede-lhe: «Dá-me de beber!»
O que poderia ser mais natural do que fazer este pedido?
Jesus é um homem como nós, que experimentou o cansaço, o peso do dia e do calor.
 
Para esta mulher samaritana, o diálogo que começou com Jesus vai ser ocasião de uma transformação surpreendente na sua vida.
Transformação que também nos poderá acontecer a nós, se aprendermos com ela.
 
Jesus depois de lhe pedir água para beber, continua o diálogo com ela e em dado momento diz à samaritana que Ele lhe pode oferecer uma água viva capaz de tirar toda a sede.
Então é ela que, entusiasmada, Lhe pediu: «Senhor, dá-me dessa água.»
 
Quando Jesus lhe falou sobre uma água viva que tira todas as as sedes, ela pensou naturalmente em água potável muito boa para beber.
Ora Jesus queria referir-se a outra realidade.
Mas falando assim, foi causar nela uma grande curiosidade, que por sua vez, a despertou para uma esperança.
Pelo que o Evangelho relata, essa mulher tinha uma vida muito atribulada, quase sem possibilidade de a poder melhorar.
Era uma rejeitada, fruto da vida que levava, vivendo sujeita a sucessivos homens.
Era por essa razão, que ela vinha ao poço tirar água na hora do maior calor, o que nenhuma mulher fazia. Vindo a essa hora, ela podia estar segura que iria estar sozinha, sem sofrer com palavras e atitudes agressivas.
 
Jesus, pelo simples fato de ter despertado nela uma pequena esperança, fez com que ela expressasse o desejo de poder ter muito menos dificuldades para vir buscar água.
Só quem tem alguma possibilidade de vir a melhorar um aspeto da sua vida, por mínimo que seja, é que é capaz de manifestar um desejo, uma abertura a uma esperança.
 
Quando Jesus lhe disse: «a água que Eu te der tornar-se-á em ti uma nascente que jorra para a vida eterna», a samaritana faz-lhe uma súplica: «Senhor, dá-me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá-la.»
 
Seguidamente o diálogo vai abordar a questão do Messias salvador e a samaritana pergunta a Jesus, quando virá esse  salvador.
Jesus diz-lhe que o Messias esperado é Ele próprio.
E a samaritana acredita n‘Ele e assim dá mais um grande passo na sua evolução interior.
Ela irá anunciar esta descoberta aos seus conterrâneos samaritanos.
A rejeitada torna-se missionária.
Que modelo extraordinário!

Em nome do Seu e nosso Pai, Jesus vem ao nosso encontro, das mais variadas maneiras, e leva-nos a saciar a nossa sede de amor, sempre insatisfeita, porque nenhum humano pode saciar completamente essa sede.

Só Deus, que é a fonte do Amor com que nos criou, nos pode saciar essa sede.
A água viva que Jesus promete à mulher samaritana, também Ele nos promete a nós.
Essa água que tira toda a sede de Amor é fruto do Espírito Santo.
 
A vida espiritual do cristão consiste em trazer Deus e a Sua Vontade de Amor para o dia-a-dia das nossas vidas e das dos nossos próximos.
Por isso, podemos apresentar a Deus, todas as situações de sofrimento e de tristeza que esperamos possam ser mudadas e fazemo-lo, com os nossos corações banhados de esperança.
 
Podemos também partilhar com Deus-Pai as nossas incapacidades e as nossas frustrações e fragilidades, para que Ele nos ajude a superá-las.
Também as nossas realizações, de que nos alegramos, podemos colocá-las nas Suas mãos e assim não ficaremos cheios de nós mesmos.

Este tempo da Quaresma pode ser uma boa ocasião para Lhe entregarmos os nossos corações insatisfeitos e Lhe manifestarmos a nossa sede de Amor, pedindo que Ele nos dê a sua ajuda indispensável.

É-nos pedida muita persistência para procurarmos, por todos os meios, preencher as lacunas nos nossos corações e, assim, que a água viva entre neles.

É um encontro onde se trocam duas sedes:
A mulher samaritana está com sede de ser amada e de adorar.
Jesus está com sede de comunicar o Seu Amor, das formas mais simples e pessoais.

O encontro de Jesus com a mulher samaritana, tem um grande significado inspirador para o nosso encontro com Jesus.

         frei Eugénio

2023-03-04

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 2º Domingo da Quaresma, 5 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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EVANGELHO (Mt. 17, 1-9)

Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os, em particular, a um alto monte e transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o Sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. 

E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele. 

Pedro disse a Jesus: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». 

Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra, e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O». 

Ao ouvirem estas palavras, os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito. Então, Jesus aproximou-Se e, tocando-os, disse: «Levantai-vos e não temais». 

Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus. Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem: «Não conteis a ninguém esta visão, até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».

 

DIÁLOGO

Conhecemos espetáculos fabulosos com músicos a tocar e grupos a dançar e com efeitos luminosos-fantásticos. Tanto os artistas principais, como todos os que participam ficam transformados.

E nós, se lá estivermos, também ficamos transformados pelos efeitos musicais e luminosos e o ambiente criado.

Também podemos referir um daqueles programas na televisão em que uma equipa remodela completamente uma casa.

É-nos mostrado o antes e o depois da casa. E todos os presentes exclamam: "É incrível, é maravilhoso".

Algumas pessoas começam a chorar. Não esperavam tanto.

Estes exemplos podem ajudar-nos a compreender as reações dos apóstolos que testemunharam a Transfiguração de Jesus.

Foi um momento extraordinário. Jesus tinha mudado completamente.

Este acontecimento da transfiguração deve ser relacionado com o que acontecera seis dias antes, quando Jesus tinha revelado aos seus discípulos que em Jerusalém deveria sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, após três dias, ressuscitar.

Este anúncio deixou Pedro em pânico e todo o grupo dos discípulos, visto que no seu modo de pensar não podia entrar a ideia de que Jesus fosse rejeitado pelos chefes do povo e depois torturado a condenado à morte numa cruz.

Como seguir um Mestre e Messias cuja vida terrena terminaria daquele modo?

E a resposta a essa interrogação vai chegar-lhes justamente através da transfiguração?

A transfiguração ajudou os discípulos a entender, e a nós também, que a paixão de Cristo foi um mistério de sofrimento, mas que foi sobretudo um dom de amor, de amor infinito da parte de Jesus.

Para entendermos o mistério da Cruz é necessário sabermos que Aquele que sofre e que é glorificado não é somente um homem, mas é o Filho de Deus, que, com o seu amor fiel até a passar pela morte, nos salvou.

Quando Mateus nos diz que Jesus foi "transfigurado", ele usa a palavra «metamorfos». que em português, quer dizer metamorfose.

Na mitologia grega, a metamorfose foi o que aconteceu quando os deuses assumiram a forma humana.

Em contraste com isso, Jesus, o totalmente humano, sofreu uma metamorfose, sendo transformado pelo esplendor divino.

Isto espantou completamente os próprios discípulos que tinham tão facilmente proclamado que Jesus era o Cristo, o filho ungido de Deus.

Uma coisa é fazermos uma grande afirmação sobre aquilo em que acreditamos, outra coisa é começarmos a perceber, um bocadinho só do que poderia estar incluído em títulos como Cristo ou Filho de Deus.

Os três discípulos perceberam que tinham visto muito mais do que podiam compreender.

Jesus disse-lhes para não falarem do que se tinha passado. Quaisquer palavras que tentassem usar, seriam sempre inadequadas.

Mas há algo mais em Jesus do que uma remodelação da sua pessoa.

Devemos recordar que se os apóstolos guardaram a memória desta Transfiguração de Jesus tão viva, foi porque não só a testemunharam, mas também foram transformados.

Através desta cena da Transfiguração, São Mateus quer que compreendamos que os apóstolos experimentaram pessoalmente o rosto divino do Mestre, com quem tanto andaram pela Palestina e com quem tinham convivido em tantas situações.

Eles sentiram que havia mais n’Ele do que aquilo que viam todos os dias: uma luz divina, uma fonte, uma beleza como nenhuma outra, algo que nenhum outro homem tinha.

E isto eles experimentaram, Jesus até lhes tocou. Não podiam esquecer uma tão extraordinária vivência.

Para Pedro, Tiago e João, que representam todos os outros apóstolos e discípulos de Jesus que se seguiram no decorrer dos tempos,

Jesus não é apenas um homem, mas é também divino, cheio da luz divina, da beleza divina que nEle brilha.

Esta revelação de Deus, esta luz de Deus, esta beleza de Deus que habita nele, Jesus não a quer guardar para si próprio. Ele quer comunicá-la partilhá-la.

Jesus, a Luz do mundo, quer que esta luz se espalhe àqueles que o acolhem, que o reconhecem na fé como Aquele que foi enviado pelo Pai.

A luz de Jesus está em nós, está lá e espalha-se à nossa volta. "Vós também sois a luz do mundo", diz-nos Jesus no Sermão da Montanha no Evangelho de Mateus (Mateus 5,14).

Como podemos nós "ser a luz do mundo"?

Deixando a luz de Deus em nós passar através das nossas ações, das nossas preocupações, dos nossos compromissos.

Se a reconhecermos em nós mesmos através da fé, ela por sua vez transfigurar-nos-á, mesmo sem o nosso conhecimento.

Ficaremos surpreendidos ao ouvir as pessoas dizer: "Há algo de especial nele ou nela. Quando me aproximo dele ou dela, sinto-me bem, sinto-me melhor".

Sim! A luz de Deus passa de muitas maneiras.

Pode brilhar como um sol que tudo transforma, como na Transfiguração de Jesus, mas também pode brilhar em raios mais finos e intermitentes.

É sempre a mesma fonte de luz que está em ação, o próprio Deus através do seu Espírito e dos seus dons.

Queiramos «escutá-lo» para nos deixarmos transfigurar.

 

    frei Eugénio, op