2023-10-29

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 30º Domingo do Tempo Comum, 29 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 
Evangelho (Mt. 22, 15-21) 

 

Naquele tempo,

os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus,

reuniram-se em grupo,

e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar:

«Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?»

Jesus respondeu:

«‘Amarás o Senhor teu Deus

com todo o teu coração, com toda a tua alma

e com todo o teu espírito’.

Este é o maior e o primeiro mandamento.

O segundo, porém, é semelhante a este:

‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’.

Nestes dois mandamentos se resumem

toda a Lei e os Profetas».

Palavra da salvação.

 

 

DIÁLOGO


Nos nossos diálogos dos últimos Domingos e neste também, Jesus é interpelado com perguntas preparadas pelos mais doutos e notáveis religiosos do judaísmo, que procuram apanhar Jesus em falha, para o levar à condenação como falso Messias.

 

A todas essas perguntas armadilhadas, Jesus respondeu com uma perspetiva mais ampla. Desta vez o porta-voz é um teólogo moralista que lhe faz a pergunta mais básica de todas para um judeu: " Qual é o maior mandamento da Lei?»

Ele fez a pergunta central de todos os crentes: "O que é que Deus espera da humanidade?"

A resposta de Jesus foi a que esse teólogo e os seus companheiros esperavam.

 

Quando Jesus disse: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito”, estava a dizer uma oração do Deuteronômio 6: 4-5, que todos os judeus piedosos recitam diariamente de manhã e à noite, e que esperam que seja a última prece que dirão na hora da morte.

 

É a chamada SHEMÁ: “Escuta Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor, e amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito”.

É o apelo de Deus que liberta e salva o povo e com quem faz uma aliança. Deus pede uma resposta de fé, com todas as forças humanas, no reconhecimento da sua bondade e grandeza únicas.

 

Em seguida Jesus, vai além da pergunta do doutor da Lei e acrescenta o segundo mandamento da Aliança, “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, mas acrescentando que este mandamento é semelhante ao primeiro.

Se é semelhante, quer dizer que faz corpo com o primeiro, de certo modo deixa de ser segundo. Os dois são inseparáveis para Deus, diz Jesus.

É como se dissesse: o grau do teu amor a Deus verifica-se pela qualidade do teu amor ao próximo.

 

"Amarás o teu próximo como a ti mesmo."

No Sermão da Montanha, que o evangelista Mateus reúne nos capítulos 5 a 7, Jesus faz um apelo ao amor ao próximo, incluindo os inimigos.

 

Ao dizer que o amor ao próximo é semelhante ao amor a Deus,

Jesus declara que eles dois amores estão intimamente ligados num modo de vida como Deus quer.

 

Jesus pede um amor em quatro dimensões: amor a Deus, amor a si mesmo, amor àqueles que estão afetivamente mais próximos de nós, e amor àqueles cujos objetivos e modos de vida são totalmente diferentes, ou mesmo opostos aos nossos.

 

Quando analisamos essas quatro dimensões de uma vida de amor, vemos que somos chamados a amar em duas direções:

Uma direção para o amor aos familiares e aos que nos são semelhantes e a outra direção para o amor aos que não são como nós.

 

Para muitas pessoas o amor a si mesmo e aos mais próximos, o amor por aqueles que pensam e agem de modo semelhante ao nosso, vem de certo modo, naturalmente. Esse amor consolida a nossa personalidade como pessoas-de-relação e dá-nos calor humano.

Mas Jesus convida-nos a ir mais longe e a aprender a amar quem pensa e age de maneira diferente e até oposta à nossa.

Jesus diz-nos que o amor a Deus e ao amor ao próximo são duas dimensões inseparáveis do mesmo Amor que Deus quer e Ele veio manifestar.

 

Santa Catarina de Sena na sua obra-prima “O Diálogo” na qual relata os diálogos de Deus com ela, exprime-o de uma forma simples que partilho convosco.

 

Deus diz-lhe:

“Quem Me ama procura ser útil ao próximo. Nem poderia ser de outra maneira, dado que o amor por Mim e pelo próximo, são uma só coisa. Tanto alguém ama o próximo, quanto Me ama, pois de Mim se origina o amor do outro.”

 

“Como nada podeis fazer de útil para Mim, deveis ser de utilidade ao homem.”

 

”Quem se apaixona por Mim, jamais cessa de trabalhar pelos outros, de modo geral ou particular, com maior ou menor empenho, segundo as disposições do beneficiado e do benfeitor.”

 

“Assim, graças ao amor que o une a Mim, o homem torna-se útil ao próximo; preocupado com a salvação alheia, ama o próximo, presta-lhe serviços em suas necessidades.”

 

In “O Diálogo” n° 2.7 (É no homem que se ama a Deus)

 

frei Eugénio (25.10.2020)

 

 

 

 




2023-10-22

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 29º Domingo do Tempo Comum, 22 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 
Evangelho (Mt. 22, 15-21) 

Naquele tempo, os fariseus reuniram-se para deliberar sobre a maneira de surpreender Jesus no que dissesse.
Enviaram-Lhe alguns dos seus discípulos, juntamente com os herodianos, e disseram-Lhe: «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem Te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes aceção de pessoas.
Diz-nos o teu parecer: É lícito ou não pagar tributo a César?».
Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu: «Porque Me tentais, hipócritas?
Mostrai-Me a moeda do tributo». Eles apresentaram-Lhe um denário,
e Jesus perguntou: «De quem é esta imagem e esta inscrição?».
Eles responderam: «De César». Disse-lhes Jesus: «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».


DIÁLOGO

Todos nós já ouvimos com variadas, e até interpretações opostas, a sentença “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Mas o que é que Jesus quereria dizer com esta sentença?
É o que irei partilhar convosco.

No tempo de Jesus os romanos ocupavam com as suas tropas a terra de Israel e o povo era obrigado a pagar pesados tributos.
O imperador de Roma, o César, era de facto o verdadeiro senhor do povo.

A tradição religiosa de Israel ensinava, ao contrário, que o único que devia ser considerado o Senhor do povo eleito era o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus que tinha libertado o seu povo da escravidão do Egito.

O imposto era um sinal de dominação romana. Os fariseus rejeitavam-na, mas os partidários de Herodes aceitavam-na.

É com esta pergunta “É lícito ou não pagar tributo a César?” que os líderes religiosos do povo judeu esperavam apanhar Jesus numa armadilha.

Onde está essa armadilha?
Se Jesus respondesse “sim” seria tratado como um colaborador dos ocupantes romanos. Aceitar pagar a taxa do tributo significava reconhecer e aceitar a dominação dos romanos, estrangeiros e pagãos. Isto significava para Jesus perderia a confiança do povo.

Se Jesus dissesse "não", os partidários de Herodes poderiam acusá-lo de subversão. Seria denunciado como inimigo do imperador.

Qualquer resposta, pensavam os adversários de Jesus, iria colocá-lo numa situação desfavorável e perigosa.

O denário, moeda romana com que se pagava o imposto, tinha a inscrição “Divino Tibério César”.
Portanto, os imperadores queriam ser adorados como deuses.
De acordo com as interpretações mais rigorosas da Lei, aquela moeda trazia uma imagem de um falso deus, um ídolo, e usá-la seria como dizer que “Israel pertence a César”.

Possuir essa moeda correspondia a admitir que eles não hesitavam em colaborar com os romanos. Apesar da evidente contradição em que estavam aqueles fariseus, com as moedas nas mãos, manifestado a sua hipocrisia, Jesus não fez acusações contra eles.

Só podemos imaginar Jesus apontando para a moeda, com a aversão por qualquer tipo de ídolo, que teria um judeu fiel da sua época, perguntando: “De quem é esta imagem e esta inscrição?”

Simplesmente, depois da resposta, cita-lhes um ditado conhecido de todos: “Então dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Era como se dissesse: “Somos obrigados a pagar impostos a Roma, paguemo-los. Mas César é apenas César, ele não é Deus, os homens não precisam de adorá-lo. Eles não devem obedecer-lhe como alguém obedece a Deus.”

Com esta resposta, Jesus conseguiu, não só evitar de cair na armadilha de dar uma resposta de “sim” ou “não”, mas também chamar a atenção para uma estão essencial: “Existe alguma coisa na criação que não pertença a Deus?”
Chamar a Deus de “Senhor da História” quer dizer que nenhuma situação está fora do alcance de Deus.

Na verdade, Jesus vai mais além do que a questão sobre os impostos. Jesus desafiou-os a pensar sobre as imagens.
A imagem de César gravada na moeda e a imagem e semelhança com Deus que Ele nos quis criar.
Estas imagens situam-se a dois níveis completamente diferentes.

Jesus não põe em oposição o poder de Deus e o poder do homem, mas destacou a primazia absoluta de Deus, que na imagem e semelhança que gravou em nós inscreveu o amor e a liberdade.

Devemos guardar no nosso coração a imagem do nosso Deus e não a imagem de quem nos quer dominar.

Ele é o único Senhor da nossa vida que constantemente nos surpreende e vai além do que nós esperamos, oferecendo-nos novas oportunidades de trabalhar para a vinda do Seu Reino.

A confiança prioritária em Deus e a esperança Nele não nos levam a uma fuga da realidade, mas pelo contrário, levam-nos a trabalhar e a dar a Deus o que lhe pertence.

O Evangelho que lemos pode também chamar-nos a atenção que a relação entre a Igreja e o Estado nunca é simples.

Se, por um lado, a secularização enquanto separação da(s) Igreja(s) e do Estado constitui um avanço civilizacional fundamental, em ordem à não discriminação dos cidadãos e à salvaguarda da paz, por outro lado, ela não significa indiferença mútua.

Pelo contrário, a separação pode e deve conviver de modo saudável com o reconhecimento do papel público das religiões, traduzido em múltiplas formas de colaboração entre as Igrejas e o Estado.

Cabe a cada um de nós comprometer-se, em nome da nossa fé em Jesus, para melhorar a convivência de todos, para que a dignidade dos mais pobres e desfavorecidos seja reconhecida e respeitada.

A causa de Deus é, pois, a causa do Homem.

Frei Eugénio, op
(18.10.2020)
 

2023-10-14

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 28º Domingo do Tempo Comum, 15 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 
Evangelho (Mt. 22, 1-14) 

Naquele tempo, Jesus dirigiu-Se de novo aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo e, falando em parábolas, disse-lhes: 

«O reino dos Céus pode comparar-se a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram vir. Mandou ainda outros servos, ordenando-lhes: ‘Dizei aos convidados: Preparei o meu banquete, os bois e os cevados foram abatidos, tudo está pronto. Vinde às bodas’.

Mas eles, sem fazerem caso, foram um para o seu campo e outro para o seu negócio; os outros apoderaram-se dos servos, trataram-nos mal e mataram-nos. O rei ficou muito indignado e enviou os seus exércitos, que acabaram com aqueles assassinos e incendiaram a cidade. Disse então aos servos: ‘O banquete está pronto, mas os convidados não eram dignos. Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas todos os que encontrardes’. Então os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala do banquete encheu-se de convidados.

O rei, quando entrou para ver os convidados, viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial e disse-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’ Mas ele ficou calado. O rei disse então aos servos: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o às trevas exteriores; aí haverá choro e ranger de dentes’. Na verdade, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos».

 

DIÁLOGO

A parábola, que lemos, fala-nos do Reino de Deus, comparando-o a uma festa de casamento.
A figura principal é o filho do rei, o noivo, no qual facilmente se reconhece Jesus.
Na parábola, porém, nunca se fala da noiva, mas de muitos convidados, que são desejados e esperados. São eles que vão receber à entrada da sala do banquete a túnica de festa, como presente do Rei. 

Quem são todos esses convidados? Somos nós, todos nós, porque o Senhor deseja que cada um de nós esteja com ele na «festa de casamento do filho». Deus procura-nos e convida-nos, e não se contenta com o nosso bom cumprimento das leis e dos deveres religiosos, mas quer uma verdadeira comunhão de vida connosco, uma relação feita de diálogo, confiança e perdão.

É deste amor gratuito de Deus, que nasce e renasce constantemente a vida cristã, conforme Jesus a apresenta aos seus discípulos.
Podemos interrogar-nos se, ao menos uma vez por dia, entre tantas palavras que dizemos, nos lembramos de Lhe dizer: «Senhor eu amo-Te, Senhor eu quero fazer a Tua Vontade, Obrigado, Senhor, por me convidares!» … 

Se reavivarmos a memória de que somos amados, que somos os convidados de Deus para a «festa do casamento», é-nos dada, em cada dia, a oportunidade de respondermos «sim» ao convite. Mas Jesus, na parábola, chama-nos a atenção que o convite pode ser recusado.
Muitos convidados «não fizeram caso», foram um para o seu campo, outro para o seu negócio, diz o texto. 

Uma palavra que reaparece é «seu». É a palavra-chave para entendermos o motivo das recusas.
De facto, os convidados não foram ao casamento, porque simplesmente a festa não lhes interessava, «não fizeram caso»: viviam tão centrados nos seus interesses pessoais, que nem sequer fizeram caso do convite que pedia uma resposta.

Eles se afastam-se daquela festa não por serem más pessoas, mas porque toda a atenção está dirigida para o que é seu.

Quando tudo fica dependente do «Senhor EU» – isto é, daquilo com que eu concordo, do que eu gosto, daquilo que me serve, daquilo que eu quero e a nossa vida gira tão somente à volta deste «Senhor EU» muita coisa nos passa ao lado.

Assim, o Evangelho pergunta-nos de que lado estamos: do lado do meu Eu ou do lado de Deus e do que Ele quer, para nosso bem?
Mas diante das recusas aos convites que se vão repetindo, Deus não se resigna e continua a convidar, não fecha a porta da sala do casamento, mas ainda vai incluir mais convidados.

Deus, ao mesmo tempo que sofre com os nossas recusas, persiste em oferecer o amor, mesmo a quem «não faz caso».
Só o Amor pode fazer sair desta «bolha do Senhor Eu». 

Há um último aspeto que a parábola destaca, que para nós, no nosso tempo, temos muita dificuldade em entender: a importância da roupa de cerimónia dos convidados.

É o próprio rei que, à maneira oriental, em vez de receber presentes, oferece a túnica de cerimónia, indispensável nos rituais do casamento.
Todos os convidados a recebem, pois muitos foram convidados à pressa e outros não teriam posses para comprar o traje exigido. Com efeito, não basta responder uma vez só ao convite, dizer «sim» e… chega!

Precisamos de renovar cada dia a nossa escolha por Deus, praticar a Sua vontade, tomando consciência dos seus convites e aceitando-os.
Deus convida sempre, pede a nossa participação como parceiros ativos na construção do Seu Reino.

Todos nós somos chamados a seguir os caminhos da coragem e da busca da verdade e do bem que o amor exige.

A nossa resposta, em liberdade, é que nos permite aceitar os convites.

    frei Eugénio, OP  (11.10.2020)

 


2023-10-08

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 27º Domingo do Tempo Comum, 8 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mt. 21, 33-43)

Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo:
«Ouvi outra parábola:
Havia um proprietário que plantou uma vinha,
cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre;
depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe.
Quando chegou a época das colheitas,
mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos.
Os vinhateiros, porém, lançando mão dos servos,
espancaram um, mataram outro, e a outro apedrejaram-no.
Tornou ele a mandar outros servos, em maior número que os primeiros.
E eles trataram-nos do mesmo modo.
Por fim, mandou-lhes o seu próprio filho, dizendo:
‘Respeitarão o meu filho’.
Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si:
‘Este é o herdeiro; matemo-lo e ficaremos com a sua herança’.
E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no.
Quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?»
Eles responderam:
«Mandará matar sem piedade esses malvados,
e arrendará a vinha a outros vinhateiros,  que lhe entreguem os frutos a seu tempo».
Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura:
‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular;
tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’?
Por isso vos digo: Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos».



DIÁLOGO

A parábola que acabámos de ler começa por descrever os gestos de amor do proprietário cheio de cuidados pela sua vinha.

Numa colina cheia de sol, cavou a terra, plantou castas selecionadas, protegeu-as com uma sebe e uma torre de vigia e construiu um lagar. Não se poupou a esforços para com a sua vinha.
Entram então em cena os vinhateiros, a quem o proprietário aluga a sua vinha, contando que chegada a vindima venham a recolher belas e saborosas uvas.

A parábola insiste em que o proprietário continua a ser o dono da vinha e somente a alugou a quem cuidasse dela.

Mas os vinhateiros, em vez de se reconhecerem como trabalhadores que colaboram, tratando o melhor possível daquela bela vinha, querem tornar-se eles próprios os donos.

Para conseguirem o seu objetivo, recorrem à violência sobre os enviados do proprietário e chegam mesmo ao assassinato do herdeiro, o filho do proprietário.

Jesus, com esta parábola quer levar os seus ouvintes, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo, pessoas letradas e influentes, a reconhecerem que são eles os atores do drama que se está a passar com Ele, filho e herdeiro de Deus-Pai.

Jesus apresenta-se como um continuador dos profetas de Israel, mas dizendo que é muito mais do que eles, que é o "filho", o herdeiro, que esses dirigentes estão a rejeitar e pior ainda, estão a fazer todos os possíveis para que seja condenado, o que naquela altura significava ser julgado, torturado e crucificado.

Jesus diz-lhes: «A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular.» Jesus foi expulso da cidade de Jerusalém como uma pedra inútil e inadequada que os construtores não queriam.

Mas Deus-Pai fez dele "a pedra angular", a pedra que serve de remate à abóbada do novo Templo de Jerusalém, que significa que não se trata de um edifício de pedras, madeiras e mármores, mas de pessoas humanas, de todas as nações no Mundo, que se juntam ao Filho de Deus, na confiança e no amor, para construírem o Reino.

Também a nós, nos são dadas múltiplas ocasiões de trabalharmos na «vinha do Senhor». Podemos ser bons «vinhateiros» se procurarmos cuidar com responsabilidade e honestidade da «vinha» em que Ele nos pede para trabalharmos.

A «vinha do Senhor» inclui toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral.
Aceitando conscientemente os apelos que Deus nos faz e procurando pôr em prática a Sua Vontade, tornámo-nos seus colaboradores para que o seu Reino de amor, justiça e paz venha entre nós.

Seremos bons «vinhateiros», nos mais variados sectores da atividade humana, se trabalharmos para ajudar resolver as consequências da degradação ambiental na vida dos mais desprotegidos do mundo.

Se quisermos ter uns momentos de paragem, e nos pusermos à procura de colaborações que Deus nos pede, para cuidarmos da Sua «vinha» começamos a vê-las nos mais variados momentos e circunstâncias: em casa, com quem vivemos e acolhemos… , no trabalho virtual ou presencial…, a deslocarmo-nos nos transportes públicos ou a conduzir…, nas idas às compras para alimentar a família e a cozinhar…, nas ocasiões de lazer e distração…, nos momentos de oração...

Que dignidade nos é oferecida por Jesus: sermos bons «vinhateiros», colaboradores de Deus, na construção do seu Reino no meio de nós!

frei Eugénio, op (04.10.2020)

 

2023-10-01

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 26º Domingo do Tempo Comum, 1 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mt. 21, 28-32)

Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes
e aos anciãos do povo:
«Que vos parece?
Um homem tinha dois filhos.
Foi ter com o primeiro e disse-lhe: ‘Filho, vai hoje trabalhar na vinha’.
Mas ele respondeu-lhe: ‘Não quero’.
Depois, porém, arrependeu-se e foi.
O homem dirigiu-se ao segundo filho e falou-lhe do mesmo modo.
Ele respondeu: ‘Eu vou, Senhor’.
Mas de facto não foi.
Qual dos dois fez a vontade ao pai?»
Eles responderam-Lhe: «O primeiro».
Jesus disse-lhes: «Em verdade vos digo: Os publicanos e as mulheres de má vida irão diante de vós para o reino de Deus.
João Baptista veio até vós, ensinando-vos o caminho da justiça,
e não acreditastes nele;
mas os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram.
E vós, que bem o vistes, não vos arrependestes, acreditando nele».

 

DIÁLOGO

Caros leitores,

Jesus contou esta parábola aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo, pessoas muito bem situadas na Palestina, tanto na religião como na vida pública. A pergunta que lhes fez no final era muito simples: «qual dos dois filhos fez a vontade ao pai?». Foi o que disse que ia e não foi, ou foi o que o acabou por ir? 

A questão é, pois, entre o dizer e o fazer.
Jesus contou esta parábola durante o seu ensino sobre o Reino de Deus presente no meio de nós.
Dizer que se adere ao ensino de Jesus, ou que se adere aos valores da religião cristã que nos transmitiram e aprendemos, não traz grande dificuldade, nem compromete muito.
Mas pôr em prática atitudes como as que Jesus tinha e que Ele nos propõe para entrarmos no Reino, torna-se mais exigente.
 

Será necessário passar das ideias e dos princípios, à procura concreta do que Deus quer de cada um de nós.
Como lemos, depois de ter recebido a resposta que lhe deram, Jesus fez uma comparação que iria chocar os seus ouvintes. Comparou as pessoas importantes e respeitadas com dois tipos de pessoas completamente desconsideradas: os publicanos e as mulheres de má vida.
Quem eram essas pessoas, para serem tão desprezadas?

Os publicanos eram os cobradores dos impostos ao serviço do Império Romano. Tinham práticas corruptas para enriquecer, pressionando  de todos os modos a população a pagar impostos aos ocupantes romanos. Eram desprezados e detestados pelo povo e considerados pecadores públicos pelos intérpretes da Lei de Moisés.

As mulheres de má vida eram as que praticavam a prostituição, de modo público, prática condenada pela Lei e pela sociedade.
Jesus chocou muito os seus ouvintes, como nos chocaria a nós, pois disse-lhes que esses «pecadores públicos», no Reino de Deus, passariam à frente deles. 

Como é possível que Deus possa dar prioridade no Seu Reino a pessoas com práticas tão condenadas pela moral e pela religião?
Jesus já o tinha dito com toda a clareza no final do Sermão da Montanha: «Nem todo aquele que diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai». 

O próprio evangelista Mateus era publicano de profissão, assim como o bem conhecido Zaqueu, entre outros. Graças a Jesus descobriram a vontade de Deus e mudaram profundamente as suas práticas
Os Evangelhos também nos apresentam mulheres de má vida - a que ia ser condenada à morte por apedrejamento, a mulher que ungiu Jesus em Betânia  e Madalena, a pecadora arrependida, que mudaram de vida por terem sido perdoadas por Jesus.

A prioridade que elas e eles têm no Reino de Deus, deve-se ao facto de terem decidido procurar conhecer e pôr em prática a vontade de Deus, na vida concreta, em qualquer sítio onde estivessem e no momento presente, (« aqui e agora » como se dizia).
E se falharem e não conseguirem, o que irá acontecer certamente, pedem a Jesus ajuda para recomeçar.

Pelo contrário, se ficarem satisfeitos em conhecer os princípios e as regras religiosas e morais, não veem a necessidade de mudar o seu modo de viver. Ao mesmo tempo andam preocupados com os outros, que esses sim, é importante que mudem de comportamento – corruptos, imorais, egoístas, materialistas…  

Jesus contou esta parábola aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo, e a outros notáveis da religião e da vida pública, porque eram eles que mais se opunham aos ensinamentos e ao modo de viver de Jesus, que o fazia em nome de Deus.
No seu amor por estas pessoas que resistiam aos seus ensinamentos, Jesus fez todo o possível por os alertar para o caminho que estavam a seguir e a ensinar aos outros, como sendo o caminho oposto à vontade de Deus.  

Desses notáveis, conhecemos dois, Paulo de Tarso e Nicodemos que, graças a Jesus, «deram uma grande volta» às prioridades das suas vidas.
Afinal podemos dizer que Jesus, em nome de Deus Pai, veio pôr a religião «de pernas para o ar». 

E, a meu ver, ainda bem!

Que me dizem os meus caros leitores?

        frei Eugénio, op

        (27.09.2020)