2024-03-31

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo de Páscoa, 31 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 20, 1-9)

No primeiro dia da semana,

Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro

e viu a pedra retirada do sepulcro.

Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predilecto de Jesus

e disse-lhes:

«Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram».

Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro.

Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se,

correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro.

Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou.

Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira.

Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão

e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus,

não com as ligaduras, mas enrolado à parte.

Entrou também o outro discípulo  que chegara primeiro ao sepulcro:

viu e acreditou.

 

DIÁLOGO

Acabamos de ler neste relato a descoberta surpreendente que Maria Madalena e, em seguida, Pedro e João fizeram quando se aproximaram do túmulo onde Jesus tinha sido sepultado.

O corpo de Jesus não estava lá!

Apenas estavam as ligaduras e o sudário com que o seu corpo tinha sido envolvido.

O túmulo estava vazio!

A sensação que tiveram foi certamente de uma enorme aflição!

Naturalmente pensaram: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram».

Jesus depois da Última Ceia, tinha sido preso, condenado, torturado, tinha sofrido a pena de morte na cruz. Tinha sido descido da cruz e sepultado naquele túmulo, e agora constatavam que o corpo não estava lá, que tinha sido roubado e escondido!

Como nos diz o evangelista: “Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.”

Por isso, nem sequer puseram essa hipótese de ter ressuscitado, pois não faziam ideia do que fosse Jesus vencer para sempre a morte.

No entanto, estamos a celebrar a ressurreição de Jesus e cantamos: "Deus ressuscitou Jesus dos mortos. Aleluia! Jesus venceu para sempre a morte! Aleluia!"

Estaremos a celebrar um mito ou uma ilusão?

Em que é que eles se puderam basear para proclamar que, de facto, Jesus tinha ressuscitado e vencido para sempre a morte?

A única "prova" que eles tinham, se assim podemos dizer, era o túmulo vazio!

Como podemos nós, com os cristãos de todos os tempos e lugares cantar: “O Senhor ressuscitou! Aleluia!”?

Temos os relatos evangélicos que nos apresentam os testemunhos das aparições de Jesus Ressuscitado: a Maria Madalena e às mulheres que iam ungir o corpo de Jesus, aos apóstolos, aos discípulos de Emaús e a muitas e a muitos outros...

O grupo dos mais próximos de Jesus testemunha esta grande e feliz surpresa: Ele está de novo com eles, mas de uma maneira nova e impensável. O Ressuscitado já estava na Glória de Deus Pai e ao mesmo tempo continuava aqui na Terra connosco.

Cheios de entusiasmo e de alegria, depois dessas aparições testemunharam e proclamaram: "Deus ressuscitou Jesus dos mortos"!

É bom termos em atenção que elas e eles não davam testemunho da Ressurreição de Jesus. Ninguém a testemunhou.

Ninguém viu Jesus ressuscitar!

Muitos artistas, em pinturas e em vitrais, representam Jesus a elevar-se fora do túmulo, rodeado por discípulos e com Maria também. Mas é apenas a imaginação dos artistas.

O que elas e eles testemunharam é que Jesus Ressuscitado veio ao encontro deles, em numerosas ocasiões.

Eles não dão testemunho da Ressurreição, mas do Ressuscitado!

É também muito interessante notar, que todos os encontros do Ressuscitado não têm lugar em ocasiões de celebrações religiosas, mas em momentos da vida quotidiana: quando iam ungir o corpo de Jesus sepultado, numa reunião na casa de alguém, à beira-mar depois da pesca, quando vão a caminho estrada fora, durante uma refeição...

É o Ressuscitado que vem ao encontro deles, em variados momentos das suas vidas e eles reconhecem-nO, cheios de alegria!

No entanto, os seus testemunhos, para quem os ouvia, quer judeus, quer de outras religiões, apareciam como sendo palavras cheias de ilusão.

Atualmente muitas pessoas pensam algo de semelhante:

"A pessoa de Jesus de Nazaré, que viveu há dois mil anos, é um exemplo de amor a Deus e amor ao próximo. Foi um modelo de preocupação pelos mais desprotegidos e acolheu a todos, sem exceção. Para o admirar e seguir o seu exemplo, basta-nos que tenha sido uma pessoa que tenha vivido e ensinado de modo excecional o amor aos outros, para que o mundo seja mais fraterno.

Quer o livro dos Atos dos Apóstolos, que as cartas de São Paulo e as outras cartas que estão incluídas no Novo Testamento, estão cheios de testemunhos dos que não tiveram as aparições do Ressuscitado, mas que descobriram a Sua presença e atuação nas mais variadas situações.

O Espírito de Amor de Jesus Ressuscitado, abriu-lhes as portas e propôs discernimentos e soluções, em circunstâncias totalmente adversas e deu-lhes novas capacidades de amar e de ter esperança!

A manhã da Páscoa é o dia mais importante da história da humanidade, porque desde a manhã de Páscoa, a morte nunca mais terá a última palavra.

É o Ressuscitado que nos abre à maior das esperanças que é possível ter:  abrir a nossa vida, a vida de todos os seres humanos e a vida do mundo ao futuro eterno de Deus, à felicidade total, à perspetiva de que o mal, o sofrimento, o pecado (o desamor) e a morte podem ser superados. Só o Amor ficará para sempre

Esta convicção leva-nos a viver as realidades quotidianas com a confiança que haverá sempre uma saída porque Deus a prometeu e a quer, mesmo através de caminhos presentemente bloqueados, por tempos que não sabemos.

Jesus Ressuscitado, desde aquela manhã de Páscoa, continua a enviar gerações e gerações de pessoas, de todos os horizontes, a testemunharem que colocam toda a sua confiança na vitória do Amor, em todas as suas expressões.

Podemos então dizer-Lhe:

"Senhor Jesus Ressuscitado aumenta a nossa fé na Tua presença viva!

Aumenta a nossa confiança no poder do Teu Amor, o único que tudo pode transformar!"

 

Uma Páscoa Feliz!

 

frei Eugénio, op (04.04.2021)

 


2024-03-23

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo de Ramos, 24 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Mc. 11, 1-10)

Naquele tempo,
ao aproximarem-se de Jerusalém,
cerca de Betfagé e de Betânia, junto do monte das Oliveiras,
Jesus enviou dois dos seus discípulos e disse-lhes:
«Ide à povoação que está em frente
e, logo à entrada, vereis um jumentinho preso,
que ninguém montou ainda.
Soltai-o e trazei-o.
E se alguém perguntar porque fazeis isso,
respondei: ‘O Senhor precisa dele,
mas não tardará em mandá-lo de volta’».
Eles partiram e encontraram um jumentinho,
preso a uma porta, cá fora na rua, e soltaram-no.
Alguns dos que ali estavam perguntaram-lhes:
«Porque estais a desprender o jumentinho?»
Responderam-lhes como Jesus tinha dito
e eles deixaram-nos ir.
Levaram o jumentinho a Jesus,
lançaram-lhe por cima as capas
e Jesus montou nele.
Muitos estenderam as suas capas no caminho
e outros, ramos de verdura, que tinham cortado nos campos.
E tanto os que iam à frente como os que vinham atrás clamavam:
«Hossana! Bendito O que vem em nome do Senhor!
Bendito o reino que vem, o reino do nosso pai David!
Hossana nas alturas!»

 

DIÁLOGO

 

A tradição de levar para casa um ramo benzido neste Domingo, continua bem viva entre os portugueses, mesmo naquelas famílias que raramente participam nas missas dominicais.

O ramo benzido que levamos para casa é colocado num crucifixo, bem visível, ou então perto da porta de entrada.
É o símbolo da confiança na proteção de Jesus contra variadas formas de Mal que podem atingir as famílias.

O Evangelho que lemos logo no início da celebração, quando os ramos são benzidos, conta-nos que Jesus entrou em Jerusalém e a multidão o aclamou, cheia de entusiasmo! Estavam mesmo prontos a reconhecê-lo como rei...

Mas poucos dias depois, esta mesma multidão que o tinha aclamado estaria a gritar "Crucifica-o! Crucifica-o!”
Neste relato do Evangelho, os principais acontecimentos passam-se entre a multidão dos judeus e Jesus, por um lado, e entre esta mesma multidão e os poderes políticos e religiosos, do outro. Podemos dizer que, os judeus nesta narrativa evangélica, representam a nossa humanidade.

Também nós fazemos parte desta multidão.
Temos em nós mesmos, facetas luminosas, mas também temos aspetos mais escuros, dos quais nem sempre temos consciência. Podemos deixar-nos levar por felizes entusiasmos pelo que é bom e pelo que é belo, mas também podemos permitir que, por vezes, cresçam em nós sentimentos de desprezo, de ódio, de rejeição, ou mesmo de violência, pelo menos a violência das palavras...

Nós somos seres com uma mistura de facetas que formam uma complementaridade nas nossas personalidades e, ao mesmo tempo, estamos divididos interiormente, tendo sentimentos e atitudes contraditórias, que não imaginávamos podermos ter.

Jesus foi vítima da violência da multidão e das autoridades no seu tempo. A nossa humanidade continua, até aos nossos dias, a criar novas formas de violência e de destruição no mundo. Estas violências fazem com que inúmeras pessoas passem por sofrimentos desesperantes.

É esta violência que condena e mata os profetas que denunciam a injustiça e o mal provocado pelos que têm poder e que manipulam as leis e o dinheiro - o Grande Mamon - e denunciam também aqueles que utilizam a religião, para desprezar e esmagar os mais fracos, deixando-se instrumentalizar pelos poderes...

Em Jesus, o próprio Deus deixou-se entregar a esta violência, sem utilizar armas de destruição e de vingança.
Pode acontecer que não estejamos de acordo, nem intelectual, nem religiosamente com certas formas de Violência e de Mal, mas por falta de discernimento, acabamos por colaborar, por passividade ou por indiferença.

Na cruz, Jesus pede ao Pai que perdoe, pois aqueles que o estão a torturar, insultar e condenar, não sabem o que estão a fazer.
Por vezes, também nós não sabemos o que estamos a fazer.

Segundo o evangelista Lucas, ao criminoso condenado ao seu lado, na cruz, Jesus anuncia que Deus perdoa, que a vida eterna lhe é prometida.

Podemos reconhecer-nos na multidão que muda facilmente de opinião e nos discípulos que tiveram tanto medo, a ponto de negarem Jesus, como Pedro fez. Se formos capazes de reconhecer as nossas incoerências e fragilidades, também nos podemos abrir à confiança no poder do Amor de Deus, que se manifestou em Jesus, crucificado e ressuscitado.

A cruz é, assim, para nós e para a nossa humanidade, o sinal de que o Mal no mundo, o Mal em nós, não tem a última palavra: quem quer que sejamos, qualquer que seja a nossa história, em Jesus, Deus tomou sobre si, de uma vez por todas, a violência do nosso mundo, a nossa violência, o nosso mal, para nos oferecer uma esperança de vida.

Durante a paixão, os discípulos abandonaram Jesus. Mas através da Ressurreição, o poder vivificante de Deus fará com que se levantem e se ponham de novo de pé.
São eles também os representantes da nossa própria fragilidade que nos faz levantar, graças à coragem que nos é dada pelo Espírito de Jesus.

Tal como Jesus confiou nos apóstolos, Deus confia em nós hoje, chamando-nos a ser verdadeiros discípulos, animados pela esperança e alegria partilhadas, portadores de luz.

frei Eugénio, op (28.03.2021)


2024-03-16

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do V Domingo da Quaresma, 17 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 12, 20-33)

Naquele tempo, alguns Gregos que tinham vindo a Jerusalém

para adorar nos dias da festa,          

foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia,

e fizeram-lhe este pedido:

«Senhor, nós queríamos ver Jesus».

Filipe foi dizê-lo a André; e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus.

Jesus respondeu-lhes:

«Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado.

Em verdade, em verdade vos digo:

Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só;

mas se morrer, dará muito fruto.

Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna.

Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo.

E se alguém Me servir, meu Pai o honrará.

Agora a minha alma está perturbada.

E que hei-de dizer? Pai, salva-Me desta hora?

Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora.

Pai, glorifica o teu nome».

Veio então do Céu uma voz que dizia:

«Já O glorifiquei e tornarei a glorificá-l’O».

A multidão que estava presente e ouvira dizia ter sido um trovão.

Outros afirmavam: «Foi um Anjo que Lhe falou».

 

Disse Jesus:

«Não foi por minha causa que esta voz se fez ouvir; foi por vossa causa.

Chegou a hora em que este mundo vai ser julgado.

Chegou a hora em que vai ser expulso o príncipe deste mundo.

E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim».

Falava deste modo, para indicar de que morte ia morrer.


 

 

DIÁLOGO

 

“Queremos ver Jesus”, eis uma nostalgia que muitos trazemos dentro de nós.

Para isso, organizamos peregrinações à Terra Santa, para pôr os nossos pés nas marcas dos seus pés.

O que não daríamos para ter um encontro pessoal com Jesus?!

É um desejo legítimo e, além disso, possível, mas a Terra Santa onde hoje devemos procurar e contemplar Jesus é o Evangelho: esta é a sua autêntica «geografia» e «biografia».

Abrir o Evangelho e abrir-se ao Evangelho.

Para isso, é preciso purificar o olhar e também purificar o coração – pois só se vê bem com o coração purificado.

 

Este conhecimento é impossível sem uma vontade inicial de aceder a Jesus: «Vinde e vereis» disse Jesus aos discípulos de João Batista, que foram ter com Ele.(Jo 1,39).

 

Este desejo, manifestado ao Apóstolo Filipe, pelos Gregos, que eram os pagãos que se interessavam pela religião judaica, também nós o podemos assumir: «Nós queremos ver Jesus.»

 

É uma pretensão justa e, além disso, possível.

Mas nos Evangelhos, a pergunta sobre Jesus é também uma pergunta de Jesus: «E vós, quem dizeis que eu sou?»

Há dois mil anos Jesus fez esta pergunta a um número reduzido de amigos; mais de dois mil anos depois continua à procura da nossa resposta pessoal.

 

Podemos continuar a interrogarmo-nos:

Quem é este homem, por quem tantos morreram, a quem tantos amaram intensamente e em cujo nome se praticaram também tantas violências? ...

Quem é este personagem que divide a História da Humanidade a meio  e em cujo Nome, por vezes falsamente, se produziram efeitos tão opostos, quer de Amor, quer de morte e de sangue ?

Quem é Jesus e o que fazemos d'Ele?

 

Conhecê-lo não é uma curiosidade, mas uma necessidade.

As respostas têm sido muito variadas, em parte porque a densidade pessoal de Jesus não pode apresentar-se, e menos ainda esgotar-se, numa única formulação, mesmo que venham de Concílios Ecuménicos.

Mas todas as respostas evidenciam um facto: a necessidade de tornar compreensível e acessível a figura de Jesus.

 

Conhecer Jesus é um direito e um dever.

Quando os responsáveis das nações se reuniram para proclamar os Direitos Humanos, não pensaram que Jesus Cristo e o seu conhecimento, fosse um direito humano fundamental.

E é explicável!

Jesus Cristo é um dom de Deus, e disso não se ocupava a ONU.

 

Os homens têm direito a conhecer Jesus Cristo, porque tem direito a conhecer o amor de Deus e a dignidade de ser suas filhas e seus filhos.

 

O homem tem direito a conhecer Jesus Cristo porque ele é o modelo do homem verdadeiro.

Por isso, podemos dizer que é Património da Humanidade.

Jesus, missionário de Deus Pai, mostra-nos um Deus com rosto humano, com um nome humano, com coração humano, um Deus cuja omnipotência não é só poder-tudo, mas também perdoar-tudo, na Sua Misericórdia.

 

Não valerá a pena o esforço de levarmos a sério um Deus assim?

Isso levará a rever muitas coisas... mas, sobretudo, levar-nos-á a conhecer o Deus verdadeiro.

 

Mas além de revelador de Deus, Jesus é o revelador do homem.

Ele foi plena e integralmente homem sem nenhuma limitação e com todas as suas consequências.

A morte de Jesus na Cruz não foi a sua opção de vida, mas a consequência da sua opção de vida, e também da avaliação que sobre essa opção de vida emitiram as autoridades políticas (Pilatos) e as autoridades religiosas (Sinédrio).

 

Jesus morreu por ser homem, e morreu na Cruz por decisão de uns homens que «preferiram as trevas à luz». Jesus não procurou esse final, mas não o recusou.

Encarou-o, não com estoicismo nem com resignação, mas com humanidade profunda e com liberdade pessoal.

A sua morte na Cruz é a expressão da sua radical liberdade e do seu amor à verdade. Por isso, a Cruz é a Sua vitória.

 

Progressivamente, Jesus foi percebendo que o seu objetivo de revelar o Amor de Deus, passando pela Cruz, se tornava cada vez mais insuportável para os responsáveis religiosos. Além disso, também se tornava suspeito para as autoridades políticas.

Jesus morreu com a consciência de missão cumprida.

 

Jesus morre nos braços do Pai e isso é a ressurreição: o grão de trigo que «se morrer, dá muito fruto».

Amigo leitor, que esta partilha possa ser um estímulo para continuarmos a procurar pessoalmente o rosto e o Amor de Deus, e nos deixarmos atrair por Jesus, dizendo com Catarina de Sena:

 

"Cristo na cruz,

tens a cabeça inclinada para nos saudar, 

os braços abertos para nos abraçar

e os pés cravados para connosco ficar". 

 

frei Eugénio, op (21.03.2021)

2024-03-09

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do IV Domingo da Quaresma, 10 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 2, 13-25)

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos:

«Assim como Moisés elevou a serpente no deserto,

também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele

que acredita tenha n’Ele a vida eterna.

Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito,

para que todo o homem que acredita n’Ele

não pereça, mas tenha a vida eterna.

Porque Deus não enviou o Filho ao mundo

para condenar o mundo,

mas para que o mundo seja salvo por Ele.

Quem acredita n’Ele não é condenado,

mas quem não acredita já está condenado,

porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus.

E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo

e os homens amaram mais as trevas do que a luz,

porque eram más as suas obras.

Todo aquele que pratica más ações

odeia a luz e não se aproxima dela,

para que as suas obras não sejam denunciadas.

Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz,

para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus.


 

DIÁLOGO


Caros leitores, acabámos de ler a parte final do diálogo de Jesus com Nicodemos, esse mestre em Israel, que tinha ido ter com Jesus à noite, provavelmente para que ninguém o visse, com o desejo de compreender os seus ensinamentos, cheios de novidade.

 

Uma dessas novidades é que ele, Jesus, bem conhecido como o filho de José o carpinteiro, habitante de Nazaré, se apresentava como o único Filho de Deus, portanto como aquele que tem uma relação imediata e íntima com Deus. A palavra "Filho" exprime um elo único e fundamental entre Jesus e Deus.

 

Centrando-se no papel do Filho, o texto de S. João põe em relevo a revelação que Deus ama de tal modo cada uma e todas as pessoas, que quer que participem na sua própria vida divina.

Esta vida é uma vida de relacionamento, em primeiro lugar com o Filho que "o Pai ama".

 

Através da pessoa de Jesus, a nossa opção é feita a favor ou contra o Pai: "Quem acredita em mim", diz Jesus, "acredita no Pai que me enviou". Através de Jesus, podemos entrar no seu mistério de Deus.

 

A opção que deverá ser tomada, diz respeito a Jesus, um homem determinado que viveu e morreu, mas cuja atitude fundamental era estar voltado para o Pai e fazer a Sua Vontade.

Isto, porque a fé em Jesus não tem qualquer significado a não ser através da sua relação única com Deus.

 

Mas, o evangelista deixa claro que a condição essencial para ter acesso a essa vida eterna é acreditar em Jesus, Filho de Deus.

Optar pelo oposto, significa perder a própria vida.

Uma alternativa radical.

 

Será este radicalismo do evangelista realmente aceitável?

 

Espontaneamente podemos pôr a questão: o que pensar dos milhares de milhões de mulheres e de homens que nasceram e viveram antes da vinda de Jesus a este mundo? E aquelas e aqueles que não o conhecem desde que viveu na Palestina e aqueles que não o conhecerão no futuro?

 

O evangelista não desconhecia este problema, mesmo que não estivesse tão consciente como nós, no século XXI, das dimensões planetárias da humanidade.

 

O evangelista escreveu, logo no início do seu Evangelho, que os povos a quem a proclamação cristã não tinha ou ainda não tinha chegado, se acolhessem a luz do Logos, da Sabedoria divina, presente no mundo desde o início da criação, e se se abrissem a essa Sabedoria que ensina em todas as ocasiões e os lugares o que é certo e verdadeiro, se tornariam filhos de Deus.

 

A alternativa do evangelista supõe uma opção livre.

Esta alternativa não é evidente para nós, que somos testemunhas não só do valor espiritual das grandes religiões, mas também da elevada qualidade moral de tantas mulheres e homens que não aderem à proclamação de Jesus, mesmo que já a tenham encontrado antes, e por vezes desde a infância.

 

Mas, há outro mal-entendido possível na interpretação do que o evangelista escreveu.

 

A alternativa, colocada tão radicalmente, não diz respeito a uma recompensa ou a um castigo, aquilo a que normalmente chamamos céu ou inferno.

 

A salvação de que João fala é de receber, através do novo nascimento, (como disse na primeira parte da conversa com Nicodemos), uma realização plena do nosso próprio ser, uma realização que já é possível começar e crescer no presente. 

 

Pode-se mesmo dizer que é uma realização que podemos experimentar graças à comunhão, na fé e na oração, com Deus, através do Seu Filho.

 

De facto, o evangelista João apresenta a Salvação do crente em termos de habitação recíproca no interior de cada um.

 

Jesus dirá: "Se alguém me ama, [...] meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada» (Jo 14, 23).

E «Eu estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós». (Jo 14,20)

 

Em princípio, segundo o desejo de Jesus, a comunidade dos seus discípulos, se viverem em unidade e em amor fraterno, deveria manifestar o que é o dom de Amor vindo de Deus e assim levar outros a reconhecerem Aquele que é a origem e fonte de todas as formas de amor fraterno.

 

Não será que a importância dada pelo evangelista João à atitude interior que podemos ter em relação àquilo que nos pode orientar para a luz, que é Jesus, não tem a ver com a nossa abertura ao que não diz respeito somente a nós próprios e ao que está ao nosso alcance?

 

Graças à confiança em Jesus, o Filho de Deus, podemos acreditar que o Amor de Deus é eternamente novo, que é continuamente criador de novos horizontes para o nosso modo de viver, pessoal e em comunidade.

 

frei Eugénio, op (14.03.2021)


2024-03-03

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do III Domingo da Quaresma, 3 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 

Evangelho (Jo. 2, 13-25)

Estava próxima a Páscoa dos judeus
e Jesus subiu a Jerusalém.
Encontrou no [pátio] do Templo
os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas
e os cambistas sentados às bancas.
Fez então um chicote de cordas
e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois;
deitou por terra o dinheiro dos cambistas
e derrubou-lhes as mesas;
e disse aos que vendiam pombas:
«Tirai tudo isto daqui;
não façais da casa de meu Pai casa de comércio».
Os discípulos recordaram-se do que estava escrito:
«Devora-me o zelo pela tua casa».
Então os judeus tomaram a palavra e perguntaram-Lhe:
«Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?»
Jesus respondeu-lhes:
«Destruí este templo e em três dias o levantarei».
Disseram os judeus:
«Foram precisos quarenta e seis anos para se construir este templo
e Tu vais levantá-lo em três dias?»
Jesus, porém, falava do templo do seu corpo.
Por isso, quando Ele ressuscitou dos mortos,
os discípulos lembraram-se do que tinha dito
e acreditaram na Escritura e nas palavras que Jesus dissera.
Enquanto Jesus permaneceu em Jerusalém pela festa da Páscoa,
muitos, ao verem os milagres que fazia,
acreditaram no seu nome.
Mas Jesus não se fiava deles, porque os conhecia a todos
e não precisava de que Lhe dessem informações sobre ninguém:
Ele bem sabia o que há no homem.


 

DIÁLOGO

 

Quando lemos este relato, a que se chama habitualmente a purificação do Templo de Jerusalém, por Jesus, temos a tendência de dar a principal atenção ao que é mais espetacular: Jesus com o chicote de cordas, os vendedores de animais que fogem, todos assustados, o dinheiro dos cambistas espalhado pelo terreiro e Jesus a virar as mesas dos vendedores.

 

Além disso, o que mais surpreende muitos de nós é a violência com que Jesus manifesta o seu zelo pelo Templo.

Como é possível que Aquele que vem manifestar o Amor de Deus, tenha um comportamento tão exaltado?

 

No entanto, devemos reparar que os judeus não lhe perguntaram por que razão estava a ser tão violento, mas que sinal podia dar de que tinha autoridade para proceder daquele modo.

Foi a oportunidade para Jesus lhes dar a principal mensagem, mas que seria muito mal interpretada: "Destruam este Templo e eu voltarei a erguê-lo dentro de três dias".

 

As pessoas viam o Templo como o local da presença de Deus entre os homens.

Expulsar a corrupção do adro do Templo foi apenas a parte mais visível da mensagem de Jesus naquele dia.

O motivo do grande escândalo que Jesus provocou naquele dia, não foi a violência com que expulsou do adro do Templo os vendedores e os cambistas, mas a sua proclamação de que Ele, um ser humano, era o novo Templo.

 

Isto queria dizer que um encontro com a verdadeira humanidade, que era a d'Ele, oferecia uma experiência nova da presença real de Deus. Jesus apresentou-se como o Templo novo, pois se o templo é um espaço para o encontro entre os homens e Deus, é Ele que vem abrir o novo caminho para o Encontro com Deus Pai.

 

Jesus proclamou que a Casa do Pai, um espaço de acolhimento e de intimidade, estava dentro d’Ele próprio. 

Foi esta mensagem tão importante, que provocou o escândalo, que se tornou a principal acusação contra Jesus e que o levou à condenação no supremo tribunal religioso, à sua tortura e pena de morte na cruz.

 

Não é mais o Templo de pedra que é o lugar de encontro, mas é Ele, Jesus.

Ele dirá noutras passagens: «Ninguém vai ao Pai senão por Mim» e «quem Me vê, vê o Pai».

 

Ao longo dos séculos, e nos dias de hoje, podemos juntar-nos a todos aquelas e aqueles que rejeitaram ou ignoraram esta mensagem de Jesus?

Como?

Na medida em que permitimos que a focagem na presença de Jesus Cristo nas nossas igrejas, com os seus sacrários minimize a nossa consciência da Sua presença real e fora das paredes das igrejas e dos santuários.

 

Aquele que está nos sacrários e nos tabernáculos é silencioso, mas a Sua presença também real, nos pobres que clamam por justiça, por dignidade e mesmo por amor, incomoda-nos.

 

Jesus afirmou que a sua missão era cumprir a Lei de Deus, no seu significado mais profundo, como caminho para amar o próximo e amar-nos a nós mesmos, como Deus ama.

 

A passagem do Evangelho de hoje convida-nos a termos algum tempo para pensar: Será que temos o mesmo respeito por cada pessoa e a sua dignidade, que temos com o espaço interior das nossas igrejas?

 

Será que permitimos que as nossas críticas à liderança da Igreja nos libertem do compromisso de viver a radicalidade do Evangelho?

 

Será que nos preocupamos mais com a beleza e a decoração dos nossos espaços religiosos e com o estilo da nossa liturgia, do que com a morada de Deus nos mais desprotegidos e nos mais frágeis?

 

Será que, pertencendo ao grupo dos que não têm práticas religiosas, exigimos que as pessoas que se dizem cristãs satisfaçam as elevadas exigências do Evangelho, mas que desculpabilizamos as pessoas comuns por falharem face às exigências de um mundo mais justo e mais fraterno?

 

Como é que estamos a cuidar dos templos de Deus que são os nossos corações?

 

frei Eugénio, op (07.03.2021)