2025-03-30

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 4º Domingo da Quaresma, 30 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em 26.03.2022)



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Evangelho (Lc 15,1-3.11-32)


Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem.

Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles».

Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:


«Um homem tinha dois filhos.

O mais novo disse ao pai: "Pai, dá-me a parte da herança que me toca". O pai repartiu os bens pelos filhos.

Alguns dias depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta.

Tendo gastado tudo, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse: "Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores".
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe, quando o pai o viu: enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho: "Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho".
Mas o pai disse aos servos: "Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado". E começou a festa.
Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe: "O teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo".
Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai: "Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo".
Disse-lhe o pai: "Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado"».


DIÁLOGO

Nesta parábola Jesus dirige-se a um grupo de fariseus e de escribas que discordavam e se opunham às atitudes d’Ele porque acolhia e até ia comer a casa de pecadores.

Habitualmente esta parábola é conhecida com a «parábola do filho pródigo». É utilizada para levar os cristãos a terem atitudes de arrependimento pelo mal feito e a celebrarem o Sacramento do Perdão.

Se seguirmos o texto da parábola, como se fosse um vídeo, vemos que Jesus utilizou muitos detalhes visuais: o filho mais novo a pedir a sua herança; a sua partida para um país distante onde se se fartou de divertir e de gastar dinheiro; o filho na pocilga com os porcos; depois o filho a refletir e a cair em si mesmo; o pai a ir abraçar o filho no seu regresso a casa; o banquete preparado pelo pai; o irmão mais velho zangado não quer entrar na festa; o pai que vai ao encontro do filho mais velho.

Qual é a mensagem de Jesus nesta parábola?

Será o perdão? Mas o pai não disse nenhuma palavra sobre perdão ou absolvição.

Mesmo quando o irmão mais velho resmungou com o pai por ele ter acolhido festivamente o filho mais novo, o pai não disse nada que desculpasse o comportamento desse filho.

No final destas cenas cheias de vida, vem a mensagem que Jesus quer que descubramos: "Este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado".

Esta frase é retomada pelo pai quando vai ter com o filho mais velho, que repreende o seu pai por ter tratado com tanta bondade um filho que o abandonou: «teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado».

O pai lembra ao filho mais velho que ele tem um irmão, que estava dado como morto e que afinal está vivo.

A dádiva que o pai deu a este filho, que o abandonou e que andou numa independência desorientada foi a compaixão.

Podemos chamar a esta parábola «A parábola do Pai cheio de compaixão».

A atitude de compaixão, na língua hebraica «rahamim» tem a ver com as entranhas, com seio materno, para exprimir que a compaixão vem bem de dentro, como o amor de mãe pelo filho que ela trouxe no seu ventre.

A compaixão é uma das atitudes mais consoladoras e renovadoras nas vidas das pessoas.

Na parábola, a compaixão do pai conduz à mudança de atitude e também à mudança de coração do seu filho mais novo. Quando ao filho mais velho, a parábola não o diz, mas podemos esperar que também ele tenha aceitado mudar.

Mas, a história do filho mais novo inclui a do filho mais velho.

Este está ressentido. Nem mesmo o regresso do seu irmão o fará querer participar na celebração familiar.

Mas o pai vai ter com o filho mais velho, tal como tinha ido ao encontro do mais novo. Ele quer que ambos se descubram como irmãos e que se alegrem com o bem um do outro.

Jesus apresenta-nos Deus como Pai que só quer ter uma autoridade a da compaixão. Esta compaixão faz com que todas as formas de desamor e de sofrimento dos seus filhos, causem uma imensa tristeza no seu coração.

É, por isso, que na parábola o pai estende os braços sem se cansar na direção dos seus filhos, esperando que eles vão ter com Ele e queiram participar na alegria da festa do Amor eterno.

Nesta nossa caminhada para a Páscoa deixemos espaço em nós para a compaixão para com as nossas irmãs e irmãos, pois a compaixão pode mudar a história das nossas vidas.

     frei Eugénio, op (2022.03.26)

2025-03-08

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 1º Domingo da Quaresma, 9 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 


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Evangelho (Lc 4, 1 - 13) 

Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão.
Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo. Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome.
O Diabo disse-lhe: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão».
Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’».
O Diabo levou-O a um lugar alto e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.
Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu».
Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’».
Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo,
porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’;
e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’».
Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.

 

DIÁLOGO   

 

As tentações de Jesus no deserto, que acabamos de ler, dão-nos um grande consolo, porque nos aproximam d’Ele. Jesus aparece-nos como mais humano, pois também Ele foi tentado, como nós somos.

Ao mesmo tempo, é reconfortante para nós aprendermos com  Jesus como vencer as tentações.

É curioso que as três tentações do diabo ( também chamado na Bíblia por : sedutor, satanás, maligno, pai da mentira, adversário) estão diretamente relacionadas com a vinda do Reino de Deus.

E porquê?

Porque o centro da missão de Jesus, o objectivo principal da Encarnação do Filho de Deus foi vir inaugurar os novos tempos do Reino de Deus já presente entre nós.

O diabo quer seduzir Jesus a se afastar o mais longe possível da Vontade do Seu Pai.

Na primeira tentação: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão», a sedução não era que Jesus, devido à sua fome, depois de um jejum de 40 dias, fizesse um milagre para saciar a sua fome.

A artimanha do diabo era tentar levar Jesus a realizar um milagre em seu próprio benefício, para satisfazer a sua necessidade de comer.

Ora Jesus, como Filho de Deus, devia usar o seu poder apenas para benefício dos outros, o que fez em muitas ocasiões.

Na segunda tentação: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.

Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu», Jesus  está diante da possibilidade de ter grande sucesso na sua missão de fazer entrar toda a gente no Reino de Deus.

Conseguir que todas as nações do mundo se tornassem cristãs, que todas as pessoas se tornassem praticantes do cristianismo e seguissem os seus ensinamentos seria magnifico.

A missão de Jesus seria totalmente realizada já neste mundo, no nosso tempo, sem ter de esperar  pelo final dos tempos para a completar.

Satanás, o sedutor, coloca uma condição a Jesus: prostrar-se diante dele, em atitude de adoração.

Ou seja, Jesus teria de usar a forma de governar do diabo, com todos os jogos de poder e sem qualquer amor nem respeito pelas pessoas e dividindo para reinar.

Este sucesso seria o oposto ao que Deus Pai lhE tinha dado como missão.

Na terceira tentação, o sedutor diz a Jesus :

«Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito:

‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito,

para que Te guardem’.»

Seria um milagre espetacular: atirar-se de tão alto, do topo do templo, sem morrer, nem sequer mesmo ficar ferido na queda.

Os milagres espetaculares atraem sempre multidões, que estariam dispostas a seguir este homem de tão grande poder.

Mas a missão de Jesus era anunciar o Reino de Deus que já estava presente na normalidade da vida das pessoas.

Um Reino já presente nas rotinas diárias e em todas as situações melhores ou piores, se deixamos habitar em nós Jesus Ressuscitado, sem estarmos à espera de apoiar a nossa fé em acontecimentos extraordinários e espetaculares, que consideramos grandes milagres.

É importante reparar que o diabo, para se tornar mais credível no que propunha a Jesus, se apoiou sempre em citações da Bíblia.

O sedutor apresenta-se como um enviado em nome de Deus.

As tentações quando estão à nossa frente, aparentemente pedem que façamos uma escolha, que tomemos uma decisão, entre um Bem e um Mal.

Vendo como Jesus foi tentado e como reagiu às tentações, podemos descobrir que as táticas do diabo nas tentações, não nos colocam entre um Bem e um Mal.

Colocam-nos entre um Bem e um Bem ainda melhor.

O sedutor mascara o Mal como um Super-Bem.

Quanto mais bela for a máscara, mais eficaz será a sedução e maior será o sucesso da tentação.

A tentação atrai-nos para um Mal disfarçado de Bem, que parece muito melhor do que o bem alternativo.

A arte de tentar e assim afastar as pessoas do Amor de Deus Pai e do próximo, é a arte da sedução do Mal, muito bem mascarado, muito bem disfarçado de Amor.

Jesus vencerá todas estas seduções recorrendo às palavras de Deus, que manifestavam o que Deus, seu Pai, Lhe pedia.

Foi o Espírito que o levou para o deserto e foi o Espírito Santo que deu a Jesus a luz e a força para seguir o Amor de Deus.

Desta forma, podemos aprender com Jesus a vencer as tentações.

Precisamos de pedir a Deus, com perseverança e com humildade, que nos envie o seu Espírito, para nos iluminar quando as seduções estiverem a afastar-nos da Sua  Vontade e também para nos fortalecer, para pormos em prática o que Ele espera de nós.

Oração e vigilância são dois meios que o Senhor Jesus dá aos crentes para não caírem em tentação (Mt 26,41).

     frei Eugénio, op (2022.03.03)