2025-04-20

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo da Páscoa, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em 15-04-2022)

 


Evangelho (Jo 20, 1-9) 

 

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. 

Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predileto de Jesus e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde O puseram». 

Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. 

Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. 

Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. 

Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. 

Entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, viu e acreditou. 

Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

 
DIÁLOGO
 
Esta manhã celebramos a memória da mais bela de todas as manhãs da História humana, a manhã da Ressurreição de Jesus, em Jerusalém.

Aqui na Europa, para muitos cristãos são as "férias da Primavera" para relaxar e desfrutar do bom tempo e o Domingo de Páscoa é um fim-de-semana prolongado. Ainda existem algumas tradições familiares, mas para muitos a Ressurreição de Jesus já não é realmente significativa.

O relato do Evangelho de João pode guiar-nos. 

Em primeiro lugar, apresenta a constatação de Maria Madalena que o túmulo onde tinham depositado o corpo de Jesus, descido da cruz, estava vazio! E daí ela dizer: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram» e aflita e apressadamente vai dizê-lo aos apóstolos Pedro e João.  
Ao receberem esta mensagem, estes dois discípulos correram até ao sepulcro e também eles verificaram que estava vazio, que o corpo de Jesus não estava lá. O evangelista acrescenta que o apóstolo João «viu e acreditou.», mas não nos diz nada sobre a atitude de Pedro.

 

Assim, a manhã mais decisiva de todas as manhãs da História, a manhã da Ressurreição de Jesus em Jerusalém, tem lugar sem testemunhas diretas, sem manifestações de alegria, sem aclamações. Embora estejamos habituados a ver muitas pinturas, vitrais e iluminuras de grandes artistas, representando Jesus saindo do túmulo de uma forma majestosa, rodeado pelos discípulos e por Maria, na realidade ninguém testemunhou a Ressurreição de Jesus.

 

O único facto que os primeiros cristãos apresentavam como um "sinal" da Ressurreição de Jesus foi que o corpo de Jesus tinha desaparecido e que o túmulo estava vazio!

 

Ao lermos neste Domingo de Páscoa o relato de João, pode ser uma boa ocasião para compreendermos melhor a angústia de Maria Madalena, a fé de João e o questionamento de Pedro. 
 
O relato diz-nos também que: «Até então, os discípulos não tinham compreendido que, segundo as Escrituras, Jesus tinha de ressuscitar dos mortos.»Mas este relato permite-nos meditarmos sobre o que poderá significar que Jesus Ressuscitado é o Senhor da Vida.

Nos relatos da Paixão de Jesus, vemos como as forças do Mal e do Pecado parecem ser vitoriosas, conseguindo condenar à morte e executar Jesus no tormento da cruz. 

Neste dia, os cristãos celebram a vitória do Amor de Deus, que eleva Jesus acima da «mansão dos mortos» e que manifesta que é mais forte do que as forças destrutivas da Vida.

Muitos acontecimentos e situações nas nossas vidas e na História da humanidade estão cheias de sofrimentos e de grandes catástrofes, como as que estamos a viver presentemente:  

-a nossa «casa comum» em grande perigo;
-a pandemia de Covid-19 e das suas variantes que tem alterado completamente o nosso modo de estarmos presentes e de trabalharmos e comunicarmos uns com os outros; 
-a guerra que começou há mais de cinquenta dias com a invasão da Ucrânia, e consequentemente destruição, mortes, violência, sofrimento, angústia, medo…

A Páscoa que festejamos este ano de 2022 pode ser uma oportunidade para reforçarmos a nossa confiança no poder do Amor de Deus e a nossa esperança seja mais forte do que todas as forças das inúmeras facetas do Mal. Este seria o maior presente que poderíamos receber nesta festa da Páscoa. 

 
Os discípulos descobrem que o Ressuscitado lhes ofereceu uma nova capacidade de amor e de esperança e dão testemunho disso. 
 
É graças a eles e a todas as gerações de cristãos até aos dias de hoje, que também podemos testemunhar o facto de termos encontrado Jesus Ressuscitado. 
 
Neste dia de Páscoa, podemos colocar-nos diante de Jesus Crucificado, a fonte da nossa paz, e peçamos-Lhe paz do coração e a paz no mundo, rezando-Lhe: 
«Senhor Jesus Ressuscitado aumenta a nossa fé na Tua presença viva!» 
«Senhor Jesus Ressuscitado aumenta a nossa fé no poder do Teu Amor, o único que pode erradicar o ódio dos nossos corações e transformar as nossas fragilidades e aflições!».

 

  frei Eugénio op (15-04-2022)

2025-03-30

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 4º Domingo da Quaresma, 30 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em 26.03.2022)



www.evangile-et-peinture.org


Evangelho (Lc 15,1-3.11-32)


Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem.

Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles».

Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:


«Um homem tinha dois filhos.

O mais novo disse ao pai: "Pai, dá-me a parte da herança que me toca". O pai repartiu os bens pelos filhos.

Alguns dias depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta.

Tendo gastado tudo, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse: "Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores".
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe, quando o pai o viu: enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho: "Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho".
Mas o pai disse aos servos: "Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado". E começou a festa.
Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe: "O teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo".
Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai: "Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo".
Disse-lhe o pai: "Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado"».


DIÁLOGO

Nesta parábola Jesus dirige-se a um grupo de fariseus e de escribas que discordavam e se opunham às atitudes d’Ele porque acolhia e até ia comer a casa de pecadores.

Habitualmente esta parábola é conhecida com a «parábola do filho pródigo». É utilizada para levar os cristãos a terem atitudes de arrependimento pelo mal feito e a celebrarem o Sacramento do Perdão.

Se seguirmos o texto da parábola, como se fosse um vídeo, vemos que Jesus utilizou muitos detalhes visuais: o filho mais novo a pedir a sua herança; a sua partida para um país distante onde se se fartou de divertir e de gastar dinheiro; o filho na pocilga com os porcos; depois o filho a refletir e a cair em si mesmo; o pai a ir abraçar o filho no seu regresso a casa; o banquete preparado pelo pai; o irmão mais velho zangado não quer entrar na festa; o pai que vai ao encontro do filho mais velho.

Qual é a mensagem de Jesus nesta parábola?

Será o perdão? Mas o pai não disse nenhuma palavra sobre perdão ou absolvição.

Mesmo quando o irmão mais velho resmungou com o pai por ele ter acolhido festivamente o filho mais novo, o pai não disse nada que desculpasse o comportamento desse filho.

No final destas cenas cheias de vida, vem a mensagem que Jesus quer que descubramos: "Este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado".

Esta frase é retomada pelo pai quando vai ter com o filho mais velho, que repreende o seu pai por ter tratado com tanta bondade um filho que o abandonou: «teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado».

O pai lembra ao filho mais velho que ele tem um irmão, que estava dado como morto e que afinal está vivo.

A dádiva que o pai deu a este filho, que o abandonou e que andou numa independência desorientada foi a compaixão.

Podemos chamar a esta parábola «A parábola do Pai cheio de compaixão».

A atitude de compaixão, na língua hebraica «rahamim» tem a ver com as entranhas, com seio materno, para exprimir que a compaixão vem bem de dentro, como o amor de mãe pelo filho que ela trouxe no seu ventre.

A compaixão é uma das atitudes mais consoladoras e renovadoras nas vidas das pessoas.

Na parábola, a compaixão do pai conduz à mudança de atitude e também à mudança de coração do seu filho mais novo. Quando ao filho mais velho, a parábola não o diz, mas podemos esperar que também ele tenha aceitado mudar.

Mas, a história do filho mais novo inclui a do filho mais velho.

Este está ressentido. Nem mesmo o regresso do seu irmão o fará querer participar na celebração familiar.

Mas o pai vai ter com o filho mais velho, tal como tinha ido ao encontro do mais novo. Ele quer que ambos se descubram como irmãos e que se alegrem com o bem um do outro.

Jesus apresenta-nos Deus como Pai que só quer ter uma autoridade a da compaixão. Esta compaixão faz com que todas as formas de desamor e de sofrimento dos seus filhos, causem uma imensa tristeza no seu coração.

É, por isso, que na parábola o pai estende os braços sem se cansar na direção dos seus filhos, esperando que eles vão ter com Ele e queiram participar na alegria da festa do Amor eterno.

Nesta nossa caminhada para a Páscoa deixemos espaço em nós para a compaixão para com as nossas irmãs e irmãos, pois a compaixão pode mudar a história das nossas vidas.

     frei Eugénio, op (2022.03.26)

2025-03-08

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 1º Domingo da Quaresma, 9 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 


www.evangile-et-peinture.org

  

Evangelho (Lc 4, 1 - 13) 

Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão.
Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo. Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome.
O Diabo disse-lhe: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão».
Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’».
O Diabo levou-O a um lugar alto e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.
Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu».
Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’».
Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo,
porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’;
e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’».
Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.

 

DIÁLOGO   

 

As tentações de Jesus no deserto, que acabamos de ler, dão-nos um grande consolo, porque nos aproximam d’Ele. Jesus aparece-nos como mais humano, pois também Ele foi tentado, como nós somos.

Ao mesmo tempo, é reconfortante para nós aprendermos com  Jesus como vencer as tentações.

É curioso que as três tentações do diabo ( também chamado na Bíblia por : sedutor, satanás, maligno, pai da mentira, adversário) estão diretamente relacionadas com a vinda do Reino de Deus.

E porquê?

Porque o centro da missão de Jesus, o objectivo principal da Encarnação do Filho de Deus foi vir inaugurar os novos tempos do Reino de Deus já presente entre nós.

O diabo quer seduzir Jesus a se afastar o mais longe possível da Vontade do Seu Pai.

Na primeira tentação: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão», a sedução não era que Jesus, devido à sua fome, depois de um jejum de 40 dias, fizesse um milagre para saciar a sua fome.

A artimanha do diabo era tentar levar Jesus a realizar um milagre em seu próprio benefício, para satisfazer a sua necessidade de comer.

Ora Jesus, como Filho de Deus, devia usar o seu poder apenas para benefício dos outros, o que fez em muitas ocasiões.

Na segunda tentação: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.

Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu», Jesus  está diante da possibilidade de ter grande sucesso na sua missão de fazer entrar toda a gente no Reino de Deus.

Conseguir que todas as nações do mundo se tornassem cristãs, que todas as pessoas se tornassem praticantes do cristianismo e seguissem os seus ensinamentos seria magnifico.

A missão de Jesus seria totalmente realizada já neste mundo, no nosso tempo, sem ter de esperar  pelo final dos tempos para a completar.

Satanás, o sedutor, coloca uma condição a Jesus: prostrar-se diante dele, em atitude de adoração.

Ou seja, Jesus teria de usar a forma de governar do diabo, com todos os jogos de poder e sem qualquer amor nem respeito pelas pessoas e dividindo para reinar.

Este sucesso seria o oposto ao que Deus Pai lhE tinha dado como missão.

Na terceira tentação, o sedutor diz a Jesus :

«Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito:

‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito,

para que Te guardem’.»

Seria um milagre espetacular: atirar-se de tão alto, do topo do templo, sem morrer, nem sequer mesmo ficar ferido na queda.

Os milagres espetaculares atraem sempre multidões, que estariam dispostas a seguir este homem de tão grande poder.

Mas a missão de Jesus era anunciar o Reino de Deus que já estava presente na normalidade da vida das pessoas.

Um Reino já presente nas rotinas diárias e em todas as situações melhores ou piores, se deixamos habitar em nós Jesus Ressuscitado, sem estarmos à espera de apoiar a nossa fé em acontecimentos extraordinários e espetaculares, que consideramos grandes milagres.

É importante reparar que o diabo, para se tornar mais credível no que propunha a Jesus, se apoiou sempre em citações da Bíblia.

O sedutor apresenta-se como um enviado em nome de Deus.

As tentações quando estão à nossa frente, aparentemente pedem que façamos uma escolha, que tomemos uma decisão, entre um Bem e um Mal.

Vendo como Jesus foi tentado e como reagiu às tentações, podemos descobrir que as táticas do diabo nas tentações, não nos colocam entre um Bem e um Mal.

Colocam-nos entre um Bem e um Bem ainda melhor.

O sedutor mascara o Mal como um Super-Bem.

Quanto mais bela for a máscara, mais eficaz será a sedução e maior será o sucesso da tentação.

A tentação atrai-nos para um Mal disfarçado de Bem, que parece muito melhor do que o bem alternativo.

A arte de tentar e assim afastar as pessoas do Amor de Deus Pai e do próximo, é a arte da sedução do Mal, muito bem mascarado, muito bem disfarçado de Amor.

Jesus vencerá todas estas seduções recorrendo às palavras de Deus, que manifestavam o que Deus, seu Pai, Lhe pedia.

Foi o Espírito que o levou para o deserto e foi o Espírito Santo que deu a Jesus a luz e a força para seguir o Amor de Deus.

Desta forma, podemos aprender com Jesus a vencer as tentações.

Precisamos de pedir a Deus, com perseverança e com humildade, que nos envie o seu Espírito, para nos iluminar quando as seduções estiverem a afastar-nos da Sua  Vontade e também para nos fortalecer, para pormos em prática o que Ele espera de nós.

Oração e vigilância são dois meios que o Senhor Jesus dá aos crentes para não caírem em tentação (Mt 26,41).

     frei Eugénio, op (2022.03.03)

2025-02-22

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 7º Domingo do Tempo Comum, 23 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". [audio não disponível]


www.evangile-et-peinture.org

 

Evangelho (Lc 6, 27 - 38)

"Mas eu digo a vocês que estão me ouvindo: Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam.

Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica.

Dê a todo aquele que pedir, e se alguém tirar o que pertence a você, não lhe exija que o devolva.

Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles.

"Que mérito vocês terão se amarem aos que os amam? Até os pecadores amam aos que os amam.

E que mérito terão se fizerem o bem àqueles que são bons para com vocês? Até os pecadores agem assim.

E que mérito terão se emprestarem a pessoas de quem esperam devolução? Até os pecadores emprestam a pecadores, esperando receber devolução integral.

Amem, porém, os seus inimigos, façam-lhes o bem e emprestem a eles, sem esperar receber nada de volta. Então, a recompensa que terão será grande e vocês serão filhos do Altíssimo, porque ele é bondoso para com os ingratos e maus.

Sejam misericordiosos, assim como o Pai de vocês é misericordioso.

"Não julguem e vocês não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e serão perdoados.

Deem e será dado a vocês: uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante será dada a vocês. Pois a medida que usarem também será usada para medir vocês".

 

DIÁLOGO

Entre os numerosos desafios que o Evangelho de Jesus nos apresenta, seguramente que um dos maiores e mais difíceis é amar os inimigos.

Se amassemos os nossos inimigos, deixaria de haver inimigos. Seria uma verdadeira revolução na vida do mundo. Jesus refere-se a uma situação muito comum, a de amarmos apenas aqueles que nos amam, ou por quem temos estima. Chama a atenção que esta atitude é também praticada pelos mais mafiosos e pelos “senhores da guerra” que tanto mal e sofrimento provocam. Amar apenas os que nos querem e fazem bem não é suficiente para que se possa viver em paz e sem conflitos.

Mas, quem são os nossos inimigos?

A maioria das pessoas não gosta de admitir que tem inimigos. Porquê?

Inimigos são aquelas e aqueles que querem o nosso mal ou que nos causam prejuízos graves. Inimigo é alguém que mata uma pessoa muito próxima de nós. Inimigo é alguém que rouba o marido ou a mulher de outrem, destruindo assim, um casamento. Inimigo é alguém que nos difama e nos faz perder o nosso bom nome. Inimigo é alguém que torna insuportável a vida de pessoas por quem somos responsáveis.

Mas, também nós podemos ser inimigos de outras pessoas, embora estejamos convencidos de que não fazemos mal a ninguém.

Quando nos alegramos interiormente com situações más que acontecem a pessoas de quem não gostamos, tornamo-nos inimigos delas.

Quando se fala de alguém e aproveitamos a ocasião para salientarmos fraquezas suas e dizemos mal dessa pessoa, considerando que dizemos simplesmente verdades.

Quando levantamos suspeitas infundadas ou chegamos mesmo a caluniar alguém, tornamo-nos seu inimigo.

Assim, para amarmos os inimigos como Jesus nos manda, é necessário identificarmos quem são de facto os nossos inimigos e de quem nós somos inimigos. Quem são essas pessoas concretas que nos fizeram ou fazem mal e quem são aquelas a quem nós fazemos ou desejamos que sofram. Jesus dá um exemplo que se tornou muito conhecido de como reagir a quem nos faz mal, referindo o facto de ter sido esbofeteado. Jesus propõe que a quem nos bate numa face lhe demos a outra para também ser esbofeteada. 

Mas, quando tal lhe aconteceu na vida real, Jesus ao receber violentas bofetadas de um soldado romano, quando estava a ser julgado diante do sumo sacerdote Anás, Ele não lhe apresentou a outra face, mas pôs-lhe a seguinte questão (Jo 18,23): “Se falei mal, testemunha sobre o mal. Mas se falei bem, porque me bates?” Com esta questão, Jesus, no seu amor por este soldado romano, pretendeu que ele raciocinasse para ser ele próprio a descobrir que a sua agressão violenta era desapropriada e injusta. 

Como em muitas outras situações, o amor concreto ao inimigo deve ter em conta quem é a pessoas ou quem são as pessoas e as suas circunstâncias.

Assim, Jesus quer ensinar-nos o que é amar à sua maneira: é querer o bem concreto do inimigo. Querer que ela ou ele descubram o que devem mudar no seu comportamento.

É querer o melhor para o seu inimigo, sem fingimento, mesmo que a outra ou o outro comecem por não entender e demorem tempo a aceitar que é para o seu bem.

É tratar o outro de igual para igual, colocando-se ao seu nível, ou seja, ter uma atitude de misericórdia e não se colocar na posição do bom que pretende ajudar de cima para baixo o mau.

Amar à maneira de Jesus é manifestar que se precisa daquele que é considerado como inimigo e, por isso, está do outro lado da fronteira. É passar o inimigo para o seu lado e, assim, ficarem ambos do mesmo lado. Os exemplos destas formas de amar na vida de Jesus são numerosos. 

Também no nosso tempo faz-nos bem recordar o que Nelson Mandela fez, depois de ter passado 27 anos numa prisão em isolamento. No primeiro jantar que deu como presidente da África do Sul, pós apartheid, convidou os guardas prisionais para esse jantar e, para seus guarda-costas, escolheu alguns dos policias que o tinham torturado.

Jesus apresenta o próprio Deus “que é bom para com os ingratos e os maus” (Jo 6,35) como fundamento e exemplo do amor ao inimigo e reforça “sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Jo 6, 36) e o vosso Pai que está nos céus faz nascer o sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45).

A atividade de Deus no meio de nós e a sua presença nos nossos corações através de Jesus, permite-nos sermos capaz de responder ao mal com o bem e ao ódio com amor. Foi o que aconteceu logo com o primeiro mártir cristão, Estevão, (Act 7,54) quando o apedrejavam cheios de raiva e ele “cheio do Espírito Santo fitou os olhos no céu e disse: Senhor Jesus, recebe o meu espírito. Senhor, não lhes leves em conta este pecado”. (Act 7,60) Estevão fez com que a luz do amor de Deus brilhasse no sombrio mundo da violência.

Saulo, um dos que estavam presentes no martírio de Estevão e que, entrando nas casas arrancava homens e mulheres e metia-os na prisão, mais tarde, já convertido a Jesus, escreverá e porá em prática (Rom 12, 20-21) “se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber” e “não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem.”

Frei Eugénio, o.p. (19.02.2022)

2025-02-17

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 6º Domingo do Tempo Comum, 16 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". 



www.evangile-et-peinture.org

Evangelho (Lc 6, 17 - 20) 

Jesus desceu com eles e parou num lugar plano. Estavam ali muitos dos seus discípulos e uma imensa multidão procedente de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom, que vieram para ouvi-lo e serem curados de suas doenças. Os que eram perturbados por espíritos imundos ficaram curados, e todos procuravam tocar nele, porque dele saía poder que curava todos.

Olhando para os seus discípulos, ele disse:
"Bem-aventurados vocês
os pobres,
pois a vocês pertence
o Reino de Deus.

Bem-aventurados vocês
que agora têm fome,
pois serão satisfeitos.
Bem-aventurados vocês
que agora choram,
pois haverão de rir.

Bem-aventurados serão vocês
quando os odiarem,
expulsarem e insultarem,
e eliminarem o nome de vocês, como sendo mau,
por causa do Filho do homem.

"Regozijem-se nesse dia e saltem de alegria, porque grande é a sua recompensa no céu. Pois assim os antepassados deles trataram os profetas."

 

DIÁLOGO

Ao ouvirmos este texto, pode parecer que Jesus está a valorizar situações de sofrimento, tais como: a pobreza, a fome, as aflições e as perseguições.

Como é que um Deus que nos é apresentado por Jesus como Amor e um Pai, Abba, Paizinho (Mc 14, 36), poderia aprovar este plano de sofrimento para as suas filhas e os seus filhos?

Mas, se lermos com mais atenção e se meditarmos sobre esta passagem, tendo sempre diante de nós e dentro de nós que Deus é Amor e só Amor, começa a vir ao de cima que situações de sofrimento e de maldade não podem fazer parte do plano de Deus para os homens, não podem fazer parte da Sua vontade para as suas filhas e os seus filhos.

Não devemos, como acontece tantas vezes, acusar Deus de ser a causa do mal e do sofrimento e de o sofrimento ser querido a Deus. Deus não nos pode ter criado para sofrermos.

A vontade de Deus para nós são a alegria, a felicidade, a paz, o amor.  Isto é parte integrante da Boa Nova que Jesus vem anunciar. É uma notícia boa, exatamente porque é vivificante e traz felicidade.

Logo, as bem-aventuranças de que Jesus fala nesta passagem que ouvimos hoje, devem ser entendidas como futuro, como consequência e promessa para uma vida futura.

Vamos voltar de novo ao texto e reparar nas formas verbais que Jesus emprega:

- Bem-aventurados vocês
que agora têm fome,
pois serão satisfeitos.
- Bem-aventurados vocês
que agora choram,
pois haverão de rir.

- Bem-aventurados serão vocês
quando os odiarem,
expulsarem e insultarem,
e eliminarem o nome de vocês, como sendo mau,
por causa do Filho do homem.

Os verbos estão no futuro: serão, haverão.

O que numa primeira leitura podia parecer uma consequência evidente, levou-nos agora a um plano diferente. As bem-aventuranças, estas promessas de Jesus, são para serem vividas numa vida futura em Deus, na plenitude das nossas vidas. Iremos usufruir delas um dia no Reino eterno de Deus, onde não haverá dor nem sofrimento.

Deus nem quer o sofrimento nem o valoriza.

A maior parte do mal que é descrito tem origem nos próprios homens, no que nós próprios impomos uns aos outros e a nós próprios.

O nosso papel é esforçarmo-nos por evitarmos e minimizarmos o sofrimento dos outros e o nosso próprio.

Deus não interfere diretamente na vontade e nas atitudes dos homens, mas promete que no seu Reino e na vida plena Nele, não haverá mal, nem sofrimento, é o Reino das Bem-aventuranças. As pessoas viverão nas Bem-aventuranças, no Amor e na Felicidade. Será a passagem do reino finito dos homens ao Reino eterno de Deus.

Esta não é, de todo, uma passagem do Evangelho fácil de entender e, por isso, devemos pedir ao Espírito Santo que nos inspire no entendimento da mesma e que aumente a nossa fé no Deus do Amor e da Misericórdia.

 

Frei Eugénio, o.p. (13.02.2022)

2025-02-08

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 5º Domingo do Tempo Comum, 9 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 

www.evangile-et-peinture.org

 

Evangelho (Lc 5, 1 - 11) 

Naquele tempo, estava a multidão aglomerada em volta de Jesus, para ouvir a palavra de Deus.
Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré e viu dois barcos estacionados no lago. Os pescadores tinham deixado os barcos e estavam a lavar as redes.
Jesus subiu para um barco, que era de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra. Depois sentou-Se e do barco pôs-Se a ensinar a multidão.
Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca».
Respondeu-Lhe Simão: «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, já que o dizes, lançarei as redes».
Eles assim fizeram e apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se.
Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco para os virem ajudar; eles vieram e encheram ambos os barcos de tal modo que quase se afundavam.
Ao ver o sucedido, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador».
Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele e de todos os seus companheiros, por causa da pesca realizada.
Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens».
Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus.

2025-02-01

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 4º Domingo do Tempo Comum, 2 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


www.evangile-et-peinture.org

Evangelho (Lc 4, 21 - 30) 

Naquele tempo, Jesus começou a falar na sinagoga de Nazaré, dizendo: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam das palavras cheias de graça que saíam da sua boca. E perguntavam: «Não é este o filho de José?».
Jesus disse-lhes: «Por certo Me citareis o ditado: "Médico, cura-te a ti mesmo". Faz também aqui na tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum».
E acrescentou: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra.
Em verdade vos digo que havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a Terra; contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia.
Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu; contudo, nenhum deles foi curado, mas apenas o sírio Naamã».
Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga.
Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e levaram-no até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de O precipitarem dali abaixo.
Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho.

 

DIÁLOGO

A passagem do Evangelho de Lucas que acabamos de ler situa-se logo no início da vida pública de Jesus. 

Jesus tinha acabado de fazer a homilia mais curta que conhecemos, apenas isto: 

"Hoje, esta passagem da Escritura que acabaram de ouvir, está cumprida". 

Precisamos de recordar a leitura do profeta Isaías que Jesus tinha lido e sobre a qual fez aquela homilia tão breve: 

"O Espírito do Senhor está sobre mim 

porque o Senhor me ungiu. 

Ele enviou-me para levar a Boa Nova aos pobres, 

para proclamar a libertação aos cativos, 

e aos cegos ele enviou-me para lhes dar visão, 

para libertar os oprimidos, 

para proclamar um bom ano 

e para proclamar um bom ano do Senhor.” 

O texto de Isaías aplicava-se perfeitamente a Jesus. 

Podemos facilmente imaginar a emoção que Ele deve ter sentido quando proferiu estas palavras.  

Jesus estava agora muito consciente da sua missão.

No início vemos que o povo da sinagoga está comovido com as breves palavras de Jesus, que abordavam a tão desejada libertação, prometida por Deus na Aliança com o seu povo.  

Mas, ao mesmo tempo começa a surgir e a aumentar entre os presentes na sinagoga de Nazaré, um movimento de rejeição do anúncio que Jesus tinha feito. 

Jesus é um simples trabalhador, um artesão bem conhecido do povo de Nazaré, o filho de José, o carpinteiro. 

Como pode ele apresentar-se assim, como sendo o Messias esperado? 

Em seguida expressaram a sua oposição, não querendo ter nada a ver com este mensageiro. 

Estas reações do povo de Nazaré podem ser esclarecedoras para nós, hoje em dia. 

O povo de Nazaré recusa-se a dar o passo necessário para aceitar a mensagem, isto é o Evangelho (do grego antigo εαγγέλιον / euaggelion, que se traduz como "boa notícia") que Jesus acabava de proclamar. 

Mas a “Boa Nova” que Jesus proclama, é a Lei do Amor, prodigamente oferecido por Deus a todas as pessoas, tanto judeus como pagãos. 

Porquê essa rejeição de uma tão Boa Notícia?  

Porque teriam de correr o risco da fé, ou seja, confiar no que Jesus proclamava em nome de Deus. 

Era uma Novidade inimaginável! 

Jesus apresenta-se como o que vem realizar o projeto de Deus, que como Pai ama a todas as pessoas e que quer que vivam em harmonia, procurando entender-se umas com as outras. 

Como Messias, Jesus não vinha libertar o povo de Israel da ocupação romana, apoiada nos seus exércitos, como muitos esperavam. 

Jesus veio libertar todas as pessoas, de todas as formas de Desamor, que dá cabo das vidas e das relações entre as pessoas. 

Perante o violento protesto do povo de Nazaré, Jesus, cheio do Espírito de Deus não ficou parado, temendo a fúria do povo de Nazaré que o queria atirar por uma colina abaixo. 

Jesus seguiu o seu caminho, porque é profundamente livre e nada nem ninguém o podem impedir de continuar a seguir a missão que Deus-Pai lhe deu. 

Vai continuar a pregar noutras regiões e por variados caminhos, mas sempre em direção a Jerusalém, onde a Cruz o espera no Calvário. 

Jesus escolhe sempre em primeiro lugar ouvir e fazer a vontade do seu Pai. 

Esta é uma orientação fundamental também para nós.

Partilhar as nossas convicções apenas com as pessoas que as aceitam e que não as contestam e que nos apoiam e até elogiam o bem que fazemos, é satisfatório para nós? 

A segurança que esta atitude nos dá impede-nos de pensar em seguir caminhos mais arriscados, como Jesus o fez? 

O desinteresse, mesmo por vezes a oposição daquelas e daqueles que nos são os mais próximos, nos meios onde trabalhamos, na família e entre amigos, podem impedir-nos de compartilharmos as nossas convicções de fé e o que acreditamos ser bom para todos? 

O que é que torna difícil, às vezes mesmo impossível, compartilhar abertamente a nossa maneira de nos confrontarmos com a Boa Nova da Salvação proclamada e vivida por Jesus? 

A missão de Jesus é transmitir e pôr em prática este Amor de Deus, cheio de solicitude por todos, especialmente pelos mais fracos e menos protegidos. 

Jesus é apresentado como aquele que dá testemunho exemplar dessa predileção divina por aquelas e aqueles que são desprezados ou ignorados, como se não existissem. 

Ele deveria cumprir a sua vocação como Messias nas suas relações com as pessoas em todas as esferas da vida, curando, pregando, perdoando, ensinando e chamando outros para O seguirem. 

O Deus do Amor pregado por Jesus tem confiança em nós, para que possamos arriscar com fé e confiança no poder do Amor de Deus e contar com Jesus Ressuscitado que estará sempre connosco, como Ele próprio nos prometeu. 

Mesmo quando estamos confusos e indecisos, podemos voltar-nos para Jesus, ver como Ele agiu e confiar n'Ele como nosso Senhor e nosso Mestre. 

Devemos ser céticos em relação às nossas certezas, que se apoiam na lógica do meio em que vivemos, para confiarmos em Alguém que nos ama, um Deus Bom e Misericordioso que, como Jesus nos revelou, está sempre disponível para nós, suas filhas e filhos? 

O Evangelho de hoje convida-nos, antes de mais, a contemplar Jesus no seu próprio discernimento e na aceitação da sua missão. 

Nós, conscientes de que toda a vocação pode variar nas responsabilidades que temos de assumir e também passar por evoluções que não prevíamos, somos convidados a pedir ao Espírito Santo que continue a indicar-nos o caminho que nos permite tornarmo-nos quem podemos ser, no presente, e quem poderemos vir a ser, no futuro. 

Temos de nos deixar transformar pelo Espírito de Jesus, convictos que esse Espírito está sobre nós e nos ungiu para levarmos a boa notícia a todos os homens. 

    frei Eugénio, op (30.01.2022)