2024-12-14

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 3º Domingo do Advento, 15 de Dezembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 

 

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Evangelho (Lucas 3, 10-18) 

Naquele tempo, as multidões perguntavam a João Batista: «Que devemos fazer?».
Ele respondia-lhes: «Quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma; e quem tiver mantimentos faça o mesmo».
Vieram também alguns publicanos para serem batizados e disseram: «Mestre, que devemos fazer?».
João respondeu-lhes: «Não exijais nada além do que vos foi prescrito».
Perguntavam-lhe também os soldados: «E nós, que devemos fazer?». Ele respondeu-lhes: «Não pratiqueis violência com ninguém nem denuncieis injustamente; e contentai-vos com o vosso soldo».
Como o povo estava na expectativa e todos pensavam em seus corações se João não seria o Messias, João tomou a palavra e disse-lhes: «Eu batizo-vos com água, mas está a chegar quem é mais forte do que eu, e eu não sou digno de desatar as correias das suas sandálias. Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo.
Tem na mão a pá para limpar a sua eira e recolherá o trigo no seu celeiro; a palha, porém, queimá-la-á num fogo que não se apaga».
Assim, com estas e muitas outras exortações, João anunciava ao povo a boa nova.

 

DIÁLOGO

O evangelista começa por nos dizer quem eram as pessoas que iam ouvir a pregação de João Batista.
A primeira referência são as multidões, constituídas pelas pessoas das classes mais baixas da sociedade. 

Em seguida, indica os publicanos, que eram os cobradores de impostos que trabalhavam para o ocupante romano e que tinham o direito de ficar com uma parte para si próprios. 

Por fim, refere os soldados, que constituíam o exército de ocupação, composto por mercenários romanos ou oriundos de outros povos e que não deviam conviver, com proximidade, com os judeus. 

Todos eles perguntavam a João Batista, com humildade: «E nós que devemos fazer?»  (Lc 3,10.12.14). João Batista responde de modo diferente a cada tipo de pessoas, tendo em conta as suas principais ocupações e modos de vida. 

Às multidões diz-lhes que partilhem com grande generosidade. A partilha que ele propõe é muito exigente. Não é apenas uma partilha do que não lhes faz falta, do que lhes sobrava. O supérfluo deixa a vida intacta. 

Ele propõe que se dê mesmo do que é necessário. É o dom de si mesmo que transforma a vida para sempre.

Aos publicanos propõem-lhes que não se apropriem duma percentagem exagerada dos impostos recebidos e que não exijam aos mais modestos quantias que eles não conseguem pagar.

Por sua vez, com os soldados-mercenários é muito exigente quanto ao que devem mudar, para não oprimirem as populações que controlam. 

Em todas estas propostas de conversão à Vontade de Deus, que João Batista proclama, havia sempre uma referência aos comportamentos para com o próximo. 

Na pregação de João Batista ficava claro que a conversão, isto é, o voltarmo-nos para Deus, passava sempre pela mudança dos gestos e atitudes para com o próximo, «Amai o próximo nas circunstâncias concretas das vossas vidas!». 

E se nós fizéssemos um jogo com um amigo ou num pequeno grupo de amigos ou em família? 

«Que devemos fazer?» perguntaríamos nós e o parceiro ou parceiros do jogo responderiam, no estilo de João Batista, sugerindo-nos ao menos uma proposta concreta de mudança na família ou no trabalho. 

E os «Joões Batistas» iam rodando. 

Se este jogo não vos seduzir ou não vos for possível de realizar, podemos imaginar o que é que João Batista nos iria propor quando lhe perguntássemos «Que devemos fazer?» 

Teríamos assim um bom tema para um tempo de oração. 

João Batista, na sua pregação e nos batismos que realizava, anunciava a chegada d’Aquele-Que-Vem e diz que nem sequer é digno de desatar as correias das suas sandálias. 

Desatar as correias das sandálias, descalçar e lavar os pés de quem chegava a casa era uma tarefa tão humilhante, que nem sequer os escravos israelitas a deviam fazer, mas apenas os escravos pagãos. 

João Batista anuncia que há uma Presença nova entre eles, é a Presença d'Aquele-Que-Vem, trazendo o Espírito que dá a Vida verdadeira e eterna, plena de Amor.

Com essa Presença tão próxima, devemos «Alegrar-nos sempre no Senhor!» como escreve, cheio de entusiasmo, o apóstolo Paulo aos cristãos de Filipos (FL 4,4-7).

A liturgia procura fazer-nos reviver este entusiasmo! 

É por tudo isto, e não é pouco, que este Domingo III do Advento é chamado «Domingo laetare››, o «Domingo da alegria». 

Que esta alegria esteja de verdade nos nossos corações.

frei Eugénio, op (12-12-2021)

2024-12-01

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 1º Domingo do Advento, 1 de Dezembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 

 

 

Evangelho (Lc. 21, 25-36)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na Terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar.
Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas.
Então hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória.
Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima.
Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele atingirá todos os que habitam a face da Terra.
Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer e comparecer diante do Filho do homem».

 

DIÁLOGO

A página do Evangelho deste Primeiro Domingo do Advento lança-nos um desafio: estaremos dispostos a olhar o que se passa à nossa volta, tanto os fenómenos naturais como os acontecimentos, interpretando-os à luz do que Jesus nos veio ensinar?

Mesmo sendo pessoas que se interessam com o que se passa à nossa volta e no mundo, talvez precisemos de ouvir bem esta recomendação de Jesus: "Cuidado! Não deixem que os vossos corações fiquem sonolentos!"

Jesus tinha proclamado uma mensagem, assegurando aos discípulos que o tempo da tribulação poderia ser também o tempo da sua salvação. 

Podemos perguntar, porque é que no início deste tempo do Advento, destinado a preparar-nos para o Natal de Jesus, num clima de alegria e boa disposição, a liturgia nos apresenta estes terríveis fenómenos e as catástrofes que eles provocam.

A resposta é que Lucas não pretende prever os acontecimentos futuros com  uma precisão de cientista.

Ele tem outro objetivo, que é o de estimular as comunidades cristãs a deixarem-se habitar pela presença de Jesus Salvador no local e no momento que estão a viver.

Com estas imagens, Lucas, em primeiro lugar, encoraja os cristãos a estarem bem acordados e a permanecerem atentos ao que se passa na criação.

Os cataclismos anunciados aparecem como uma porta de entrada para um novo mundo, que há de chegar quando Jesus Ressuscitado voltar, como Ele promete. 

O evangelista Lucas quer livrar os discípulos de Jesus da apatia, da indiferença e do cansaço que podem acontecer e desenvolver-se nas comunidades de cristãos.

As imagens tão poderosas convidam-nos a acordar, a estarmos levantados, a vivermos na expectativa do que Jesus Ressuscitado traz ao mundo e que Ele levará a bom termo no seu Regresso em glória.

Era comum entre os primeiros cristãos esperarem ver o regresso do Messias Libertador e Salvador durante a sua vida.

Só mais tarde compreenderam que este Regresso era um mistério que só será revelado no final dos tempos.

Assim sendo, entraram no essencial de toda a vida cristã: viver com Jesus Ressuscitado, no local e no momento que estão a viver.

A nossa expectativa do Regresso de Jesus ressuscitado é vivida na fé. 

Não sabemos nem a hora nem o momento.

Neste tempo de Advento somos convidados a termos presente três vindas de Jesus.

Uma, é o seu nascimento em Belém, a sua vinda à vida no meio de nós, dum modo modesto e discreto, há um pouco mais de 2021 anos.

Outra, será a vinda no fim dos tempos, como o Libertador e Salvador, com grande poder e glória.

E entre estas duas vindas celebramos uma terceira, que é a vinda dentro de cada um de nós, assumindo a nossa responsabilidade em gestos de amor ao próximo e pela nossa oração como Jesus nos pede: “vigiai e orai em todo o tempo”.

E estas três vindas completam-se umas às outras.

 frei Eugénio, op (27-11-2021)

2024-11-17

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXXIII Domingo do Tempo Comum, 17 de novembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em Outubro de 2021)

 

 

Evangelho (Marcos 13, 24-32)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Naqueles dias, depois de uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade;
as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas.
Então, hão-de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória.
Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais, da extremidade da terra à extremidade do céu.
Aprendei a parábola da figueira: quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo.
Assim também, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta.
Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.

DIÁLOGO

Hoje em dia, os jovens, e também os menos jovens gostam de ver vídeos ou filmes que contem histórias cheias de aventuras com efeitos fantásticos. 

Porque é que gostamos de os ver? 

Para sentir grandes emoções, para sair da rotina quotidiana, para experimentar coisas novas ou desconhecidas! 

As imagens que Jesus utiliza são poderosas: «Depois duma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas.» O mundo estará em transformação, será o final do mundo tal como o conhecemos.  

Depois, quando Jesus falou sobre estes sinais temíveis e terríveis, explicou: «quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do Homem está perto, está mesmo à porta.» 

Aquele que renova completamente o mundo fará a sua aparição. O Filho do Homem, Jesus, o Messias, virá «nas nuvens com grande poder e glória». Neste diálogo, Jesus utiliza uma linguagem chamada «apocalíptica», que tem origem na palavra grega apokálupsis que significa 'revelação'.  

Este género literário é utilizado para descrever os segredos divinos que se referem ao final dos tempos e que utilizam imagens fantásticas e cenas cheias de emoções. 

Neste nosso tempo, encontramo-nos numa situação de calamidade climática, com necessidade urgente de se reduzirem as emissões de CO2. 

Os meios de comunicação social dão-nos uma imensidade incontrolável de informações, demasiadas vezes contraditórias, ou sem provas de veracidade, o que dificulta muitíssimo fazer discernimentos convenientes. 

As igrejas sentem a perda da religiosidade tradicional, enquanto novas e variadas espiritualidades e visões da nossa humanidade entram em contradição com as nossas antigas categorias de género, raça, classe, nacionalidade, etc. As palavras que Jesus dirigiu aos seus discípulos não pretendiam criar angústia motivada pela chegada próxima dum «fim do mundo».  

Jesus insistiu com os discípulos para que «vejam bem», «estai atentos» e «prestai atenção». Disse-lhes que deviam ter uma atitude de vigilância: «estai acordados» e «vigiai» 

No entanto, esta grande crise é apresentada no Evangelho como uma Boa Noticia. 

A história a que pertence não é meramente humana, mas uma história divino-humana que nos leva a partilhar na nossa própria vida uma missão que se centra na pessoa do Homem-Deus, Jesus, o Messias. 

De facto, tudo o que Jesus disse sobre a grande crise pode resumir-se na pergunta que os discípulos Lhe tinham posto: «Quando é que tudo se vai cumprir?» 

A grande crise não é o momento da devastação, mas sim a realização plena da missão de Jesus, com a vinda definitiva do Filho do Homem. 

Os discípulos deveriam colocar toda a sua confiança na Palavra de Deus, uma Palavra que nunca deixa de cumprir o que é proclamado, que é sempre vista como criativa e nunca destrutiva. 

É o que Jesus diz: «Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.» 

Os cristãos aguardam o regresso de Jesus Ressuscitado na esperança de que o Amor terá a última palavra, porque Jesus o disse. 

  frei Eugénio, op (14.11.2021)

Nota: 

Este Domingo, antes da festa de Cristo Rei, celebra-se o Dia Mundial dos Pobres, este ano com o tema: A oração do pobre eleva-se até Deus (cf. Sir 21, 5)

 

2024-11-10

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXXII Domingo do Tempo Comum, 10 de novembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em Outubro de 2021)

 

 

EVANGELHO   (Mc 12, 38-44)

Naquele tempo, Jesus sentou-Se em frente da arca do Tesouro do Templo a observar como a multidão deitava o dinheiro no cofre das ofertas.
Muitos ricos deitavam quantias avultadas.
Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante.
Jesus chamou os discípulos e disse-lhes: «Em verdade vos digo: esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros.
Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».
 

DIÁLOGO

Na passagem do Evangelho que lemos, Jesus estava no átrio do Templo de Jerusalém, sentado em frente do sítio no qual estava o cofre, onde os peregrinos iam deitar as suas ofertas.

Em dada altura, Jesus viu uma pobre viúva que deitou no cofre duas moedinhas. 

Entre tantos peregrinos, Jesus reparou naquela pobre viúva, porque o seu olhar era cheio de amor e estava sempre atento a cada pessoa, nas situações e nos acontecimentos em que se encontravam.
O que vê Jesus naquela pobre viúva, de quem nem mesmo sabemos o nome? 

Certamente vê uma mulher com uma vida muito difícil, como a das viúvas pobres, completamente dependentes de quem lhes dava guarida e alimentos, mas Jesus vê sobretudo o que é muito mais importante: que a viúva deu como oferta tudo o que tinha. 

Jesus vê a viúva oferecer a Deus tudo o que tinha e declara que ela, aos olhos de Deus, deu mais do que os outros peregrinos, que davam do que lhes sobrava. 

Quando Jesus chamou a atenção dos discípulos para a atitude da viúva no Templo, apresentou o valor da sua oferta, usando uma escala diferente daquela que era a habitual, que se centrava na quantidade de dinheiro entregue em donativos. 

A viúva dará da sua pobreza, e Deus será «tocado» pela humildade daquela pobre mulher, que se confia totalmente ao Amor e à Misericórdia de Deus. 

Jesus chamou a atenção para o gesto dela, para ensinar aos seus discípulos, que no Reino de Deus, há um modo bem diferente de valorizar as ações das pessoas. 

As «balanças» de Deus são diferentes das nossas. Ele «pesa» as pessoas e as suas ações de forma diferente. Deus não «pesa» a quantidade, mas a qualidade, Ele examina o coração, Ele olha para a retidão das intenções. 

A viúva no Templo é uma imagem do próprio Jesus.    
Tal como Ele, ela recebeu pouca atenção das pessoas que eram importantes. 

Tal como Ele, ela era suficientemente livre para dar tudo o que tinha, quer fosse ou não bem apreciado pelos outros.Deus vê a nossa humildade como um Pai misericordioso.   

Tal como Jesus, os discípulos aprendem a dar-se completamente, apesar das dificuldades, hesitações e sofrimentos que esse modo de viver pode acarretar. 

Também a nós, Deus dá generosamente a sua graça e os seus dons.
 Ele salvou-nos gratuitamente. E nós próprios devemos fazer as coisas como uma expressão de gratuidade. 

Quando somos tentados pelo desejo de contabilizar os nossos actos de altruísmo e de solidariedade, quando estamos interessados em que as pessoas valorizem o bem que fazemos aos outros, pensemos nesta viúva. Vai fazer-nos bem!Acreditar que Jesus ressuscitado também nos olha pessoalmente com amor, a cada um de nós, é um grande reconforto e estímulo.   

Com Jesus, podemos aprender a dar e a dar-nos: dar tempo, dar atenção, dar ajudas, dar alegria, dar apoio, dar coragem, e tantos outros modos de dar, valorizando os outros.
Jesus olhou, e viu o melhor daquela pobre viúva! 

Jesus ressuscitado olha-nos e vê o que podemos dar de melhor de nós mesmos, em cada ocasião. 

frei Eugénio, op (07.11.2021)

 

2024-11-03

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXXI Domingo do Tempo Comum, 3 de novembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em Outubro de 2021)

 

 

EVANGELHO   (Mc 12, 28-34)

Naquele tempo, aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?».
Jesus respondeu: «O primeiro é este: "Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor.
Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças".
O segundo é este: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Não há nenhum mandamento maior que estes».
Disse-Lhe o escriba: «Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes: Deus é único e não há outro além dele.
Amá-lo com todo o coração, com toda a inteligência e com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios».
Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente, Jesus disse-lhe: «Não estás longe do reino de Deus». E ninguém mais se atrevia a interrogá-lo.
 

DIÁLOGO

Certamente que teríamos uma grande alegria se ouvíssemos Jesus dizer-nos: «Não estás longe do Reino de Deus».
Foi o que Jesus disse a este escriba que foi ter com Ele, pedindo-lhe uma orientação segura para a sua vida.

Também nós procuramos relacionar-nos com o Deus Verdadeiro e Vivo.
A nossa busca de Deus, tal como a do escriba, deve basear-se em alicerces firmes.

Jesus dá-nos estes alicerces quando diz: “Amarás o Senhor teu Deus e amarás o teu próximo como a ti mesmo”. 
De facto, o chamado "primeiro mandamento" não é propriamente um mandamento, é um apelo, pois diz: «Escuta Israel. Eu sou Iahweh, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da servidão" (Dt 5,6).
E se Deus é Aquele que, no Seu Amor, toma a iniciativa de nos libertar, é normal que Ele nos convide a amá-Lo livremente. 
«Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças.»

Não é apenas um «mandamento», é uma convicção vivida pessoalmente, com todas as nossas energias: «Estas palavras que vos dou hoje permanecerão no vosso coração».
Jesus, não criou estes mandamentos, pois já estavam presentes no Antigo Testamento, na Lei da Aliança que Deus tinha feito com o povo, por intermédio de Moisés. 
O que Jesus fez foi unir intimamente os dois mandamentos entre si. 
À pergunta: «Qual é o maior mandamento?» 
Jesus responde que não é um só, mas que são dois, inseparáveis entre si. 

Não há amor a Deus sem amor ao próximo e não há amor ao próximo sem amor a Deus. O evangelista João di-lo, duma forma muito clara, numa das suas cartas: «Se alguém diz: 'Eu amo Deus', mas odeia o seu irmão, ele é um mentiroso. 
Pois aquele que não ama o seu irmão, que ele vê, é incapaz de amar a Deus, que ele não vê.» (I João 4, 20)

Num encontro de formação de jovens para o Crisma, queria criar-se um símbolo que representasse a união e a complementaridade destes amores. E, assim surgiu a ESTRELA DO AMOR (com 5 pontas como as estrelas-do-mar).

Numa ponta: o amor A DEUS. 
Noutra, o amor AO PRÓXIMO.
E numa terceira, o amor A SI-MESMO

Mas quais serão os outros dois amores que faltam na estrela? 
Para que estes três amores possam ser vividos por nós, há dois que são os mais fundamentais e quase sempre os mais esquecidos.

Quais serão eles?

É o AMOR DO PRÓXIMO e o AMOR DE DEUS.
No nosso desenvolvimento e crescimento num amor saudável a Nós-Mesmos, para nos podermos tornar Pessoas bem humanas, dependemos de muitas pessoas e de circunstâncias que elas nos proporcionam.

Assim, o AMOR DO PRÓXIMO é essencial nas nossas vidas.
Mas para amar a Deus, que não vemos, nem podemos ver neste mundo e também para termos confiança na sua Bondade, quando conhecemos as histórias de tantas pessoas e dos variados povos da Humanidade, não nos podemos apoiar em argumentações que só convencem quem já está convencido.

Precisamos, sim, de descobrir que Deus tem Amor por mim, por cada um de nós, por todas as pessoas que vêm a este mundo. Precisamos descobrir o AMOR DE DEUS.

É uma graça muito grande experimentarmos que vale a pena por toda a nossa confiança nesse AMOR DE DEUS.
Para nós cristãos, no centro da Estrela do Amor está Jesus de Nazaré, o Filho de Deus e nosso irmão, que é a ponte que unifica estes 5 amores.

Que esta Estrela dos 5 amores: 
Amor De Deus, Amor A Deus, Amor Do Próximo, Amor Ao Próximo e Amor A Nós-mesmos, nos acompanhe sempre. 

    frei Eugénio, op (30.10.2021)

2024-10-27

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXX Domingo do Tempo Comum, 27 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em Outubro de 2021)

 

 

EVANGELHO   (Mc 10, 46-52)

Naquele tempo, quando Jesus ia a sair de Jericó com os discípulos e uma grande multidão, estava um cego, chamado Bartimeu, filho de Timeu, a pedir esmola à beira do caminho.


Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava, começou a gritar: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim».
Muitos repreendiam-no para que se calasse.

Mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem piedade de mim».
Jesus parou e disse: «Chamai-o». 

Chamaram então o cego e disseram-lhe: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te».
 O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus.
 

Jesus perguntou-lhe: «Que queres que Eu te faça?». 

O cego respondeu-Lhe: «Mestre, que eu veja».


Jesus disse-lhe: «Vai: a tua fé te salvou». 

Logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.


 
DIÁLOGO



Quando lemos esta página do Evangelho, conhecida como “a cura do cego de Jericó” com atenção, descobrimos que há nela muito mais do que uma cura.
A situação deste infeliz mendigo cego, chamado Bartimeu é descrita de modo comovente: está sozinho (à beira do caminho), afastado das outras pessoas que circulam nos seus afazeres, sem esperança de  sair da situação de mendigo. Ao ouvir dizer que Jesus de Nazaré estava a passar ali pelo caminho, começa a gritar: "Jesus, Filho de David, tem piedade de mim!”
Esta é a primeira vez que este título aparece no Evangelho de Marcos. Bartimeu, apesar de tão limitado na sua cegueira, é a primeira pessoa a reconhecer Jesus como o Messias (“Filho de David”).
O evangelista salienta que muitos dos que iam com Jesus, começaram a tentar silenciá-lo. É um marginal, desprezado e por isso o lugar que lhe é atribuído é a borda do caminho. As pessoas que querem escutar Jesus não querem ser incomodadas com aquele alarido que ele está a fazer. Que fique onde está e que não queira juntar-se a elas!
Mas nada silenciou os gritos de pedido de socorro de Bartimeu. Ele gritava cada vez mais forte “Filho de David, tem piedade de mim! “
Nos Evangelhos, muitas vezes Jesus ouve aqueles que os discípulos não querem ouvir e vê os que as pessoas não querem ver.
Jesus vê e ouve Bartimeu, pára e manda-o chamar.
A atenção que Jesus lhe dá, faz com que o olhar da multidão começasse a mudar: em vez de o marginalizarem como até ali, começaram a encorajá-lo dizendo:  «Coragem ! Levanta-te, que Ele está a chamar-te».
Bartimeu começou a andar, até mesmo a saltar, na direção de Jesus.
Ao dar um pulo, deitou fora a capa (que os mendigos estendiam no chão para receber as esmolas). Deixou de estar sozinho e ao mesmo tempo deixou de ser mendigo.
Vale a pena ter em atenção o modo tão discreto do evangelista Marcos ao se referir a esta cura - nem um gesto, nem uma palavra de Jesus!
O que está em causa é o milagre da fé de Bartimeu.
O cego não é “curado", mas “salvo”, e salvo pela fé que manifestou em Jesus.
Como é frequente na Bíblia, recuperar a vista é o sinal de acesso à fé.
É a fé que permite a Bartimeu ver o Messias que é Jesus.
“Ver Jesus” significa "acreditar n’Ele", é tornar-se seu discípulo.
Não será Bartimeu um modelo do cristão que “reza sempre sem desanimar” (Luc 18, 1).
Bartimeu não se intimidou com as vozes que queriam que ele continuasse à beira do caminho, mas gritou cada vez mais alto e com mais força, cheio de confiança que o Filho de David, o iria ouvir e que teria misericórdia da situação em que vivia.
Não é verdade que as nossas orações, de mãos estendidas, são como pedidos de esmola que dirigimos a Deus?
Quando éramos adolescentes, ainda não tínhamos feito a experiência dos nossos limites e por isso ainda não tínhamos que os aceitar.
Tornamo-nos adultos à medida que passamos pelas fragilidades e pelos limites e fomos aprendendo a reconhecê-los e a viver com eles.
Deus, na sua “pedagogia”, faz com que a oração nos faça tomar consciência das nossas limitações mais profundas, fazendo crescer em nós o desejo de confiarmos cada vez mais n’Ele.
Bartimeu não grita para que Jesus tenha conhecimento da sua situação desgraçada, mas para manifestar a sua confiança na misericórdia d’Aquele que ele reconhece como Messias e que o pode salvar, como e quando entender.
A nossa oração não se destina a chamar a atenção de Deus para o que se está a passar, quer connosco mesmos e os nossos mais próximos, quer com todos e com tudo o que se passa no nosso mundo, o que é completamente inútil.
Jesus disse claramente: “ o vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de lhO pedirdes “ (Mt 6, 8).
Mas Jesus também nos diz: “Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e ao que bate, se abrirá” (Luc 11, 9-11).
Jesus, em nome do Seu Pai, manifesta a Sua confiança em nós e faz apelo à nossa colaboração com Deus, pela oração.
É o que Jesus faz com Bartimeu perguntando-lhe: «Que queres que Eu te faça?».
Para responder a Jesus, ele irá dizer claramente o que pede: "Mestre, que eu veja!”.
Apesar de não sermos cegos, também devemos pedir na nossa oração: « Jesus, faz com que eu veja à tua maneira »

    frei Eugénio, op (24.10.2021)

 

2024-10-19

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXIX Domingo do Tempo Comum, 20 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em Outubro de 2021)

 

 

EVANGELHO   (Mc 10, 42-45)

Naquele tempo,
Jesus chamou os Doze e disse-lhes:
Sabeis que os que são considerados como chefes das nações
exercem domínio sobre elas
e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder.
Não deve ser assim entre vós:
quem entre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor,
e quem quiser entre vós ser o primeiro, seja o servo de todos;
porque o Filho do Homem não veio para ser servido,
mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».

DIÁLOGO

No Evangelho de hoje, Jesus dirige-se aos doze apóstolos depois de uma discussão que houve entre eles sobre quem eram os mais importantes.
Os apóstolos vêem-se, cada um deles, num lugar muito próximo de Jesus solenemente entronizado na glória de Deus, como se Ele fosse um poderoso rei deste mundo.

Jesus vai esclarecer, não só Tiago e João que Lhe tinham pedido os primeiros lugares junto d’Ele, na glória de Deus, mas também os outros apóstolos que tinham ficado ofendidos com os dois irmãos que tinham pedido lugares especiais do Reino de Jesus Ressuscitado.
Jesus apresenta-lhes a chamada «lei do serviço»:
“quem entre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor,
e quem quiser entre vós ser o primeiro, seja o servo de todos”.

Com este esclarecimento, Jesus coloca no centro da sua missão salvadora, a atitude de serviço.
A “lei do serviço” é um novo espírito, é uma inversão de perspetivas, em relação ao que os apóstolos esperavam.
Eles só irão compreender bem esta “lei”, depois da Ressurreição e do Pentecostes. 

Jesus está diante da incompreensão dos apóstolos quanto ao desejo de terem poder e de serem reconhecidos por o terem, que habitava nos seus corações, mesmo quando se tratava de realizar ações feitas com muita generosidade.
Esta “lei do serviço” não era fácil no tempo de Jesus e não o é no mundo atual, onde a concorrência está tão presente e é tão valorizada, e onde a necessidade de ter sucesso se impõe em tantas das facetas das nossas vidas.

De facto, há um longo caminho a percorrer para desenvolver esse espírito de serviço que Jesus tanto valorizou.
Recordemos que a palavra "ministério" significa "função de serviço”. Isto também se aplica na Igreja, quando falamos de “ministérios” e de “ministros”. 

É uma questão de serviços que a comunidade pede.
Felizmente, depois de tantos séculos em esquecimento, foi de novo restaurada a instituição do “ministério de catequista” a ser recebido por leigas e leigos. Uma valorização dum serviço tão importante e essencial. 

Este ideal de ser “servidor” continua a ser o ideal dos discípulos de Jesus. Mas para nos tornarmos “servidores” dos outros e pormos em prática a “lei do serviço”, das mais variadas formas e nas mais variadas situações, temos de seguir o exemplo do modo de viver de Jesus, o Enviado de Deus-Pai: “porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos”.

Tal como Jesus, somos chamados a dar as nossas vidas, no seu conjunto e não apenas em algumas facetas.
Não é uma questão de nos querermos fazer de heróis ou de santos, mas talvez, mais simplesmente, de aprendermos a dar livremente do nosso tempo e da nossa atenção aos outros. Não esqueçamos que é sempre mais difícil dar um bocadinho do nosso tempo e da nossa atenção, do que comprar presentes, porque quando damos dez minutos a outro, estamos a dar dez minutos da nossa própria vida.  

No sábado passado iniciou-se oficialmente o chamado “Caminho sinodal” para preparar o Sínodo dos bispos da Igreja Católica em Outubro de 2023 com o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”.
O Papa Francisco no lançamento deste caminho pediu a que bispos, padres, religiosos e leigos iniciassem um processo de escuta mútua, sem respostas artificiais, do tipo «pronto-a-vestir», neste caso «pronto a responder». 

Este «caminho sinodal» é destinado a ouvir todas as pessoas. Tanto aquelas que estão mais próximas da Igreja, como as que se afastaram da mesma. Todas as vozes contam, para discernir como ser Igreja ao serviço de todos. 

Se estamos de acordo com o poeta espanhol António Machado que escreveu: «Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar», e decidirmos fazer «caminho sinodal» com outros, será um valioso serviço para ajudar a encontrar uma forma de tomar decisões na Igreja, em que os cristãos estejam envolvidos.

   frei Eugénio, op
(17.10.2021)

2024-10-13

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXVIII Domingo do Tempo Comum, 13 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em Outubro de 2021)

 

 

EVANGELHO   (Mc 10, 17-27)

Naquele tempo, Jesus pôr-Se a caminho,
quando um homem se aproximou correndo,
ajoelhou diante d’Ele e Lhe perguntou:
«Bom Mestre, que hei-de fazer para alcançar a vida eterna?»
Jesus respondeu:
«Porque Me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus.
Tu sabes os mandamentos:
‘Não mates; não cometas adultério;
não roubes; não levantes falso testemunho;
não cometas fraudes; honra pai e mãe’».
O homem disse a Jesus:
«Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude».
Jesus olhou para ele, amou-o e disse:
«Falta-te uma coisa: vai vender o que tens,
dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu.
Depois, vem e segue-Me».
Ele, porém, contristado com essas palavras, foi-se embora  entristecido. Pois ele tinha muitos bens.
Então Jesus, olhando à sua volta, disse aos discípulos:
«Como será difícil para os que têm riquezas entrar no reino de Deus!»
Os discípulos ficaram admirados com estas palavras.
Mas Jesus afirmou-lhes de novo:
«Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus!
É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha
do que um rico entrar no reino de Deus».
Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros:
«Quem pode então salvar-se?»
Fitando neles os olhos, Jesus respondeu:
«Aos homens é impossível, mas não a Deus, porque a Deus tudo é possível».
 

DIÁLOGO

Para apreciarmos bem esta passagem tão conhecida do Evangelho de Marcos é preciso ter em atenção a atitude de Jesus: «Jesus olhou para ele, amou-o».

O evangelista Marcos é o único a referir-se ao olhar de Jesus, utilizando um verbo que salienta bem a qualidade desse olhar: «olhar dentro dele». É o modo de olhar que é próprio de Deus. Deus só tem esse olhar, que vê sempre o coração de cada um e Ele próprio vê com o Seu Coração.
 
Também só Marcos salienta o amor de Jesus por este homem de boa vontade, muito provavelmente por ele ter manifestado o desejo de ir mais além do que o cumprimento dos mandamentos da Lei.
 
Jesus propõe-lhe cinco atitudes: vai, vende, dá, vem e segue-me!
Essas atitudes que Jesus lhe propõe tocaram o coração do homem rico e também podem penetrar em nós.
Se ouvimos o apelo de Jesus para o seguirmos, temos de aceitar as responsabilidades e as opções que esse caminhar nos exige.
 
O mais importante que Jesus lhe propõe é «vem» e «segue-me». É este chamamento que motiva o desprendimento do «vai, vende e dá».
Para seguir o caminho com Jesus é necessário afastar os obstáculos que dificultam ou impedem vivermos uma proximidade pessoal com Jesus e com o seu modo de viver.
 
O Evangelho de Marcos não diz que o homem rico se afastou de Deus, mas quer mostrar-nos que este homem educado e de boa prática religiosa, perdeu uma oportunidade que lhe foi apresentada por Jesus, para se tornar um crente comprometido com a Boa Nova que Jesus trazia.
Tendo ficado preso aos seus bens, ficou entristecido, afastou-se sem horizontes, sem caminho.

Nas nossas vidas, há muitas situações em que, tal como o homem rico, o Senhor nos chama.
Pode ser num momento de separação, declínio físico, de problemas de saúde, ou pelo contrário tendo amizades e alegrias partilhadas ou uma fase da vida como a saída dos filhos de casa ou a transição para a reforma e muitas outras. Estas situações levantam-nos questões sobre o modo como Deus, através delas, nos está a chamar.

Estas situações levam-nos a nos interrogarmos: "O que é que eu devo fazer? », « Que queres que eu faça, Senhor?»
Os apelos de Deus são graças que nos são dadas, pois manifestam a confiança que Deus põe em nós para colaborarmos com Ele.
« Jesus olhou para ele e amou-o.»
O homem rico representa todos e cada um de nós, que desejamos sinceramente seguir o caminho de Jesus.
Jesus olha-nos no coração e o Seu olhar está a chamar-nos: «Vem e segue-me » nas circunstâncias e com os bens que temos.
Recebemos o Seu amor confiante e aceitando seguir caminho com Ele, aprendemos a ir gerindo, com os critérios de Jesus, todos os diferentes bens que possuímos.
 
Para seguirmos Jesus, com empenho e liberdade, devemos fazer uma avaliação do que possuímos, desde os nossos bens materiais até à nossa liberdade e independência pessoais.
Será que o que possuímos nos traz liberdade para viver e dar, ou nos amarra e nos faz andar com medo de perder o que temos ?
 
O homem que foi chamado, não satisfez o seu desejo, que o tinha levado a dirigir-se com entusiasmo a Jesus. O apego aos seus bens pode alterar a verdade do homem apoderando-se do seu coração.
Esta passagem  do Evangelho relaciona « tristeza » com « riqueza ». Se a miséria e a pobreza extremas nos entristecem, também os bens nos podem trazer tristeza. Se nos deixamos vencer pelo medo que nos pode levar a preferir a segurança dos bens à incerteza da relação com Jesus e com o seu modo de viver.
Jesus ensina claramente que as tentações, sobretudo as das seguranças e do êxito, fazem parte integrante do caminhar com Ele, que também foi tentado até aos últimos momentos da sua vida, já pregado na cruz.
 
Por isso o nosso seguimento de Jesus deve ser renovado e escolhido de novo em cada dia.
 
  frei Eugénio, op
(10.10.2021)
 

2024-10-06

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXVII Domingo do Tempo Comum, 6 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em Outubro de 2021)

 

 

EVANGELHO   (Mc 10, 2-16)

Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus uns fariseus, que, para O porem à prova, perguntaram-Lhe: «Pode um homem repudiar a sua mulher?».
Jesus disse-lhes: «Que vos ordenou Moisés?».
Eles responderam: «Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio para se repudiar a mulher».
Jesus disse-lhes: «Foi por causa da dureza do vosso coração que ele vos deixou essa lei.
Mas, no princípio da criação, "Deus fê-los homem e mulher.
Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne". Deste modo, já não são dois, mas uma só carne.
Portanto, não separe o homem o que Deus uniu».
Em casa, os discípulos interrogaram-no de novo sobre este assunto.
Jesus disse-lhes então: «Quem repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira.
E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério».
Apresentaram a Jesus umas crianças para que Ele lhes tocasse, mas os discípulos afastavam-nas.
Jesus, ao ver isto, indignou-Se e disse-lhes: «Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis: dos que são como elas é o reino de Deus.
Em verdade vos digo: Quem não acolher o reino de Deus como uma criança não entrará nele».
E, abraçando-as, começou a abençoá-las, impondo as mãos sobre elas.
 
DIÁLOGO

Acontece por vezes que uma catequista, quando tem de preparar uma celebração ou uma catequese sobre uma passagem do Evangelho, faz a observação: "Que Evangelho difícil!"

Também me acontece que na preparação de uma homilia dominical, eu diga: "Que Evangelho tão difícil de pregar!"

Um dia, quando pedi ajuda para preparar a homilia, fui dizendo que o Evangelho era muito difícil. Como resposta recebi uma interpelação: "Achas que há Evangelhos fáceis?"

Nunca mais esqueci essa observação tão pertinente.

Se o Evangelho é uma boa notícia sobre o modo de vida de Jesus, na construção do Reino de Deus no tempo presente, é um desafio tão grande, que exige decisões que nunca são fáceis.

Podemos também fazer a mesma pergunta sobre o amor.

"Haverá um amor fácil?”

Viver o amor é um caminho tão cheio de desafios, que nunca é fácil.

Já lá vão cinco anos, quando o Papa Francisco escreveu uma Exortação Apostólica datada de 19 de Março de 2016, a que chamou "A Alegria do Amor” e cujo subtítulo era "O Amor na Família".

Em várias passagens, o Papa chama a atenção para  três pontos sobre o amor, que nos podem ajudar a vê-lo de uma forma muito mais profunda.

1-Cada história de amor é única.

Não existe uma linha de produção para o amor.

É um artesanato que demora a ser feito, que requer um saber-fazer e precisa de ser tratado com cuidado, porque é frágil.

2-Alegrar-mo-nos com as histórias de amor vividas por outros e partilhar com eles a nossa alegria, encorajando-os a continuar.

Não sermos juízes das experiências menos felizes vividas por outros.

3-Reconhecer ao longo da vida que o amor, em todas as suas facetas, é um dom de Deus.

Reconhecer que as pessoas que nos amam e as que nós amamos são também um  dom de Deus.

Mas no Evangelho que acabamos de ler, Jesus não foi questionado sobre o amor na família, mas foi confrontado com a legalidade  dos  maridos poderem repudiar as suas esposas, dando-lhe um certificado de divórcio.

Na Lei de Moisés, as esposas eram consideradas propriedade dos seus maridos e podiam ser enviadas embora, tal como se faz com uma peça de mobiliário doméstico, da qual o marido se quer ver livre.

Havia debates muito acesos entre as escolas de doutores da Lei sobre as condições legais para o repúdio de uma esposa.

Jesus quis basear a sua resposta, não na lei de Moisés, mas no Livro dos Génesis.

Estava, assim, a levar quem o estava a ouvir, a considerar não só a Lei do  povo de Israel, mas o propósito de Deus na criação da mulher e do homem.

Segundo este primeiro livro da Bíblia, Deus Criador fez do homem e da mulher participantes na obra da sua criação e, ao mesmo tempo, fez deles instrumentos do seu amor, confiando-lhes a responsabilidade pelo futuro da humanidade através da transmissão da vida humana.

Segundo a ordem da criação, o amor conjugal entre um homem e uma mulher e a transmissão da vida estão ordenados um ao outro (ver Gen. 1,27-28).

Jesus chamou a atenção para as palavras do Génesis: “não separe o homem o que Deus uniu". Isto é o que tem sido chamado, com um termo jurídico, a indissolubilidade do casamento, que os primeiros cristãos adotaram desde o início.

Esta herança, baseia-se numa visão do ser humano como ser sexuado, mulher e homem, na complementaridade entre eles para se completarem e com igual dignidade.

A Igreja nos finais do século XX, através de numerosos apelos que os bispos de todo o mundo iam fazendo, a partir do que a base dos fiéis  lhes ia manifestando, compreendeu que não podia contentar-se em repetir apenas a proibição do divórcio.

O trabalho foi longo: dois anos de investigações e de discussões em todos os países, 2 Sínodos em Roma e finalmente em 2016, a publicação pelo Papa Francisco da  Exortação Apostólica “A alegria do Amor”, também conhecida pelo nome “Amoris laetitia”, do original latino.

A Exortação, que vale muito a pena ser lida, aborda muitos aspetos: as características do amor do casal e da família na vida quotidiana, a transmissão da vida e a educação dos filhos, a educação sexual nas etapas do crescimento, o papel dos avós, o desafio das crises, etc.

Mas o capítulo da Exortação que imediatamente recebeu mais comentários e suscitou maiores debates foi o 8º: "Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade".

Três verbos que indicam as três  atitudes essenciais que a Igreja  deve ter para com as pessoas em situações de fragilidade ou de imperfeição, marcadas por um amor ferido e mal guiado, restabelecendo nelas a confiança e a esperança. (ver § 291)

A Igreja deve ter bem presente que se as ruturas da união matrimonial vão contra a Vontade de Deus, mas elas são a consequência das fragilidades dos seus filhos, perante a dificuldade de viverem o amor em casal e em família.

As pessoas divorciadas e casadas de novo, num casamento civil, ou que simplesmente vivem juntas, continuam  a ser membros da Igreja que lhes deve manifestar a pedagogia da misericórdia de Deus nas suas vidas  e ajudá-las a aproximarem-se do projeto de Deus para elas. (ver §297)

Duas lógicas percorrem  toda a história da Igreja: marginalizar e reintegrar.

Mas o caminho da Igreja deve ser sempre  o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração.

Esta é a lógica do Evangelho, que Jesus viveu e anunciou.

frei Eugénio, op
(03.10.2021)


2024-09-29

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXVI Domingo do Tempo Comum, 29 de setembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravação não disponível)

 

 

EVANGELHO   (Mc 9, 38-48)

Naquele tempo, João disse a Jesus:
«Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome
e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco».
Jesus respondeu:
«Não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome
e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós.
Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo,
em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa.
Se alguém escandalizar algum destes pequeninos
que crêem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço
uma dessas mós movidas pró um jumento
e o lançassem ao mar.
Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a;
porque é melhor entrar mutilado na vida
do que ter as duas mãos e ir para a Geena,
para esse fogo que não se apaga.
E se o teu pé é para ti ocasião de escândalo, corta-o;
porque é melhor entrar coxo na vida
do que ter os dois pés e ser lançado na Geena.
E se um dos teus olhos é para ti ocasião de escândalo, deita-o fora;
porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos olhos
do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena,
onde o verme não morre e o fogo não se apaga».

 

DIÁLOGO

O Evangelista Marcos continua a relatar-nos a etapa fundamental da vida de Jesus a caminho de Jerusalém, onde irá sofrer a Paixão e Crucifixão, às quais se seguirá a Ressurreição Pascal. Nesta etapa decisiva os discípulos continuam a manifestar uma grande incompreensão acerca das prioridades de Jesus na sua pregação.

No relato de hoje, o apóstolo João vai queixar-se a Jesus do sucesso de um homem que expulsava demónios em Seu nome, mas sem pertencer ao grupo. João fala em nome dos discípulos. Porque é que eles estão descontentes com o trabalho desse homem?

Esse homem estava a combater o mal, expulsando demónios, mas eles queriam impedi-lo.

Já no tempo de Moisés, Deus tinha partilhado o poder de profetizar de Moisés com 70 anciãos que se puseram a profetizar, mas isso não durou muito. Ora, dois homens que tinham ficado no acampamento, sem terem ido com os 70 anciãos também receberam o espírito e começaram a profetizar. Josué auxiliar de Moisés há muitos anos insiste em que ele os faça calar, o que Moisés recusa.

Também Jesus perante o apelo de João, diz aos discípulos: “Quem não é contra nós é por nós.” Se o homem tinha esse poder, é porque Deus lho tinha dado. Jesus quer que os seus discípulos tenham presente que o poder e a autoridade que tinham recebido vinha de Deus para fazerem a Sua Vontade.

Jesus deu-lhes poder para servirem o Reino de Deus. Não deviam desviar esse poder para os seus próprios interesses. A Igreja não é proprietária da força de salvação de Jesus. A Igreja deve estar atenta ao Espírito de Deus (Espírito Santo) que felizmente sopra onde quer, ultrapassando todas as fronteiras que lhe queiram impor.

O que é pedido aos discípulos é que reconheçam a obra de Deus, mesmo onde menos se espera. O Espírito que lhes é dado, inspira liberdade, imaginação e criatividade, que desconcerta e surpreende. Por isso, a graça de Deus não está confinada aos instrumentos que a Igreja utiliza, como os sacramentos, nem é monopólio daqueles nela têm funções hierárquicas.

Jesus diz a João e aos seus companheiros que aquele homem não deve ser impedido de expulsar demónios em Seu nome. Se esse homem pode expulsar o mal em Seu nome, é porque Deus lhe deu esse poder. Ou seja, Jesus quer que os discípulos compreendam que o Espírito não conhece fronteiras e não faz aceção de pessoas.

Jesus chama a atenção para a largueza do Reino de Deus, no qual todos podem participar na luta contra o mal e a exclusão.

Quem cria união e comunhão, sob todas as formas, está assim a colaborar com a construção do Reino.

Jesus quis que os seus discípulos formassem uma assembleia “católica”, que quer dizer, universal, onde cada um pode ter um lugar ativo.

Frei Eugénio, op (26.09.2021)