2025-02-17

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 6º Domingo do Tempo Comum, 16 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". 



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Evangelho (Lc 6, 17 - 20) 

Jesus desceu com eles e parou num lugar plano. Estavam ali muitos dos seus discípulos e uma imensa multidão procedente de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom, que vieram para ouvi-lo e serem curados de suas doenças. Os que eram perturbados por espíritos imundos ficaram curados, e todos procuravam tocar nele, porque dele saía poder que curava todos.

Olhando para os seus discípulos, ele disse:
"Bem-aventurados vocês
os pobres,
pois a vocês pertence
o Reino de Deus.

Bem-aventurados vocês
que agora têm fome,
pois serão satisfeitos.
Bem-aventurados vocês
que agora choram,
pois haverão de rir.

Bem-aventurados serão vocês
quando os odiarem,
expulsarem e insultarem,
e eliminarem o nome de vocês, como sendo mau,
por causa do Filho do homem.

"Regozijem-se nesse dia e saltem de alegria, porque grande é a sua recompensa no céu. Pois assim os antepassados deles trataram os profetas."

 

DIÁLOGO

Ao ouvirmos este texto, pode parecer que Jesus está a valorizar situações de sofrimento, tais como: a pobreza, a fome, as aflições e as perseguições.

Como é que um Deus que nos é apresentado por Jesus como Amor e um Pai, Abba, Paizinho (Mc 14, 36), poderia aprovar este plano de sofrimento para as suas filhas e os seus filhos?

Mas, se lermos com mais atenção e se meditarmos sobre esta passagem, tendo sempre diante de nós e dentro de nós que Deus é Amor e só Amor, começa a vir ao de cima que situações de sofrimento e de maldade não podem fazer parte do plano de Deus para os homens, não podem fazer parte da Sua vontade para as suas filhas e os seus filhos.

Não devemos, como acontece tantas vezes, acusar Deus de ser a causa do mal e do sofrimento e de o sofrimento ser querido a Deus. Deus não nos pode ter criado para sofrermos.

A vontade de Deus para nós são a alegria, a felicidade, a paz, o amor.  Isto é parte integrante da Boa Nova que Jesus vem anunciar. É uma notícia boa, exatamente porque é vivificante e traz felicidade.

Logo, as bem-aventuranças de que Jesus fala nesta passagem que ouvimos hoje, devem ser entendidas como futuro, como consequência e promessa para uma vida futura.

Vamos voltar de novo ao texto e reparar nas formas verbais que Jesus emprega:

- Bem-aventurados vocês
que agora têm fome,
pois serão satisfeitos.
- Bem-aventurados vocês
que agora choram,
pois haverão de rir.

- Bem-aventurados serão vocês
quando os odiarem,
expulsarem e insultarem,
e eliminarem o nome de vocês, como sendo mau,
por causa do Filho do homem.

Os verbos estão no futuro: serão, haverão.

O que numa primeira leitura podia parecer uma consequência evidente, levou-nos agora a um plano diferente. As bem-aventuranças, estas promessas de Jesus, são para serem vividas numa vida futura em Deus, na plenitude das nossas vidas. Iremos usufruir delas um dia no Reino eterno de Deus, onde não haverá dor nem sofrimento.

Deus nem quer o sofrimento nem o valoriza.

A maior parte do mal que é descrito tem origem nos próprios homens, no que nós próprios impomos uns aos outros e a nós próprios.

O nosso papel é esforçarmo-nos por evitarmos e minimizarmos o sofrimento dos outros e o nosso próprio.

Deus não interfere diretamente na vontade e nas atitudes dos homens, mas promete que no seu Reino e na vida plena Nele, não haverá mal, nem sofrimento, é o Reino das Bem-aventuranças. As pessoas viverão nas Bem-aventuranças, no Amor e na Felicidade. Será a passagem do reino finito dos homens ao Reino eterno de Deus.

Esta não é, de todo, uma passagem do Evangelho fácil de entender e, por isso, devemos pedir ao Espírito Santo que nos inspire no entendimento da mesma e que aumente a nossa fé no Deus do Amor e da Misericórdia.

 

Frei Eugénio, o.p. (13.02.2022)

2025-02-08

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 5º Domingo do Tempo Comum, 9 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 

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Evangelho (Lc 5, 1 - 11) 

Naquele tempo, estava a multidão aglomerada em volta de Jesus, para ouvir a palavra de Deus.
Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré e viu dois barcos estacionados no lago. Os pescadores tinham deixado os barcos e estavam a lavar as redes.
Jesus subiu para um barco, que era de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra. Depois sentou-Se e do barco pôs-Se a ensinar a multidão.
Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca».
Respondeu-Lhe Simão: «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, já que o dizes, lançarei as redes».
Eles assim fizeram e apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se.
Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco para os virem ajudar; eles vieram e encheram ambos os barcos de tal modo que quase se afundavam.
Ao ver o sucedido, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador».
Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele e de todos os seus companheiros, por causa da pesca realizada.
Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens».
Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus.

2025-02-01

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 4º Domingo do Tempo Comum, 2 de fevereiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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Evangelho (Lc 4, 21 - 30) 

Naquele tempo, Jesus começou a falar na sinagoga de Nazaré, dizendo: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam das palavras cheias de graça que saíam da sua boca. E perguntavam: «Não é este o filho de José?».
Jesus disse-lhes: «Por certo Me citareis o ditado: "Médico, cura-te a ti mesmo". Faz também aqui na tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum».
E acrescentou: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra.
Em verdade vos digo que havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a Terra; contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia.
Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu; contudo, nenhum deles foi curado, mas apenas o sírio Naamã».
Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga.
Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e levaram-no até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de O precipitarem dali abaixo.
Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho.

 

DIÁLOGO

A passagem do Evangelho de Lucas que acabamos de ler situa-se logo no início da vida pública de Jesus. 

Jesus tinha acabado de fazer a homilia mais curta que conhecemos, apenas isto: 

"Hoje, esta passagem da Escritura que acabaram de ouvir, está cumprida". 

Precisamos de recordar a leitura do profeta Isaías que Jesus tinha lido e sobre a qual fez aquela homilia tão breve: 

"O Espírito do Senhor está sobre mim 

porque o Senhor me ungiu. 

Ele enviou-me para levar a Boa Nova aos pobres, 

para proclamar a libertação aos cativos, 

e aos cegos ele enviou-me para lhes dar visão, 

para libertar os oprimidos, 

para proclamar um bom ano 

e para proclamar um bom ano do Senhor.” 

O texto de Isaías aplicava-se perfeitamente a Jesus. 

Podemos facilmente imaginar a emoção que Ele deve ter sentido quando proferiu estas palavras.  

Jesus estava agora muito consciente da sua missão.

No início vemos que o povo da sinagoga está comovido com as breves palavras de Jesus, que abordavam a tão desejada libertação, prometida por Deus na Aliança com o seu povo.  

Mas, ao mesmo tempo começa a surgir e a aumentar entre os presentes na sinagoga de Nazaré, um movimento de rejeição do anúncio que Jesus tinha feito. 

Jesus é um simples trabalhador, um artesão bem conhecido do povo de Nazaré, o filho de José, o carpinteiro. 

Como pode ele apresentar-se assim, como sendo o Messias esperado? 

Em seguida expressaram a sua oposição, não querendo ter nada a ver com este mensageiro. 

Estas reações do povo de Nazaré podem ser esclarecedoras para nós, hoje em dia. 

O povo de Nazaré recusa-se a dar o passo necessário para aceitar a mensagem, isto é o Evangelho (do grego antigo εαγγέλιον / euaggelion, que se traduz como "boa notícia") que Jesus acabava de proclamar. 

Mas a “Boa Nova” que Jesus proclama, é a Lei do Amor, prodigamente oferecido por Deus a todas as pessoas, tanto judeus como pagãos. 

Porquê essa rejeição de uma tão Boa Notícia?  

Porque teriam de correr o risco da fé, ou seja, confiar no que Jesus proclamava em nome de Deus. 

Era uma Novidade inimaginável! 

Jesus apresenta-se como o que vem realizar o projeto de Deus, que como Pai ama a todas as pessoas e que quer que vivam em harmonia, procurando entender-se umas com as outras. 

Como Messias, Jesus não vinha libertar o povo de Israel da ocupação romana, apoiada nos seus exércitos, como muitos esperavam. 

Jesus veio libertar todas as pessoas, de todas as formas de Desamor, que dá cabo das vidas e das relações entre as pessoas. 

Perante o violento protesto do povo de Nazaré, Jesus, cheio do Espírito de Deus não ficou parado, temendo a fúria do povo de Nazaré que o queria atirar por uma colina abaixo. 

Jesus seguiu o seu caminho, porque é profundamente livre e nada nem ninguém o podem impedir de continuar a seguir a missão que Deus-Pai lhe deu. 

Vai continuar a pregar noutras regiões e por variados caminhos, mas sempre em direção a Jerusalém, onde a Cruz o espera no Calvário. 

Jesus escolhe sempre em primeiro lugar ouvir e fazer a vontade do seu Pai. 

Esta é uma orientação fundamental também para nós.

Partilhar as nossas convicções apenas com as pessoas que as aceitam e que não as contestam e que nos apoiam e até elogiam o bem que fazemos, é satisfatório para nós? 

A segurança que esta atitude nos dá impede-nos de pensar em seguir caminhos mais arriscados, como Jesus o fez? 

O desinteresse, mesmo por vezes a oposição daquelas e daqueles que nos são os mais próximos, nos meios onde trabalhamos, na família e entre amigos, podem impedir-nos de compartilharmos as nossas convicções de fé e o que acreditamos ser bom para todos? 

O que é que torna difícil, às vezes mesmo impossível, compartilhar abertamente a nossa maneira de nos confrontarmos com a Boa Nova da Salvação proclamada e vivida por Jesus? 

A missão de Jesus é transmitir e pôr em prática este Amor de Deus, cheio de solicitude por todos, especialmente pelos mais fracos e menos protegidos. 

Jesus é apresentado como aquele que dá testemunho exemplar dessa predileção divina por aquelas e aqueles que são desprezados ou ignorados, como se não existissem. 

Ele deveria cumprir a sua vocação como Messias nas suas relações com as pessoas em todas as esferas da vida, curando, pregando, perdoando, ensinando e chamando outros para O seguirem. 

O Deus do Amor pregado por Jesus tem confiança em nós, para que possamos arriscar com fé e confiança no poder do Amor de Deus e contar com Jesus Ressuscitado que estará sempre connosco, como Ele próprio nos prometeu. 

Mesmo quando estamos confusos e indecisos, podemos voltar-nos para Jesus, ver como Ele agiu e confiar n'Ele como nosso Senhor e nosso Mestre. 

Devemos ser céticos em relação às nossas certezas, que se apoiam na lógica do meio em que vivemos, para confiarmos em Alguém que nos ama, um Deus Bom e Misericordioso que, como Jesus nos revelou, está sempre disponível para nós, suas filhas e filhos? 

O Evangelho de hoje convida-nos, antes de mais, a contemplar Jesus no seu próprio discernimento e na aceitação da sua missão. 

Nós, conscientes de que toda a vocação pode variar nas responsabilidades que temos de assumir e também passar por evoluções que não prevíamos, somos convidados a pedir ao Espírito Santo que continue a indicar-nos o caminho que nos permite tornarmo-nos quem podemos ser, no presente, e quem poderemos vir a ser, no futuro. 

Temos de nos deixar transformar pelo Espírito de Jesus, convictos que esse Espírito está sobre nós e nos ungiu para levarmos a boa notícia a todos os homens. 

    frei Eugénio, op (30.01.2022)

2025-01-25

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 3º Domingo do Tempo Comum, 26 de janeiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. [gravação não disponível]

 


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Evangelho (1,1-4.4,14-21) 

Já que muitos empreenderam narrar os factos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram os que, desde o início, foram testemunhas oculares e ministros da palavra, também eu resolvi, depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens, escrevê-las para ti, ilustre Teófilo, para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado.
Naquele tempo, Jesus voltou da Galileia, com a força do Espírito, e a sua fama propagou-se por toda a região.
Ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos.
Foi então a Nazaré, onde Se tinha criado. Segundo o seu costume, entrou na sinagoga a um sábado e levantou-Se para fazer a leitura.
Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías e, ao abrir o livro, encontrou a passagem em que estava escrito:
«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos, a proclamar o ano da graça do Senhor».
Depois, enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se. Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga.
Começou, então, a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

 

DIÁLOGO

Jesus escolheu o contexto de uma liturgia de sábado, na sinagoga, para se apresentar a si próprio e dar a conhecer a sua missão aos habitantes da sua cidade natal, Nazaré. 

O Evangelho de Lucas apresenta este acontecimento, depois de Jesus ter começado a sua vida pública. 

Afastando-se da sua família, com que tinha vivido até cerca dos 30 anos, tinha sido batizado por João Baptista no rio Jordão, tinha passado algum tempo no deserto em meditação, tinha escolhido alguns discípulos para o acompanharem, e estava a ganhar reputação na Galileia como pregador e poderoso curador de doentes. 

O evangelista Lucas, com este episódio na sinagoga de Nazaré, pretende situar o ministério público de Jesus e anunciar desde o começo qual é a sua missão.

A parte principal do seu Evangelho é apresentada como uma subida simbólica, a partir da Galileia ( onde se situa Nazaré) em direção à cidade santa, Jerusalém, passando pela Samaria. 

Quando Jesus abre o livro na sinagoga, Ele lê uma passagem muito importante, que descreve antecipadamente a sua missão com as palavras do profeta Isaías: 

«O Espírito do Senhor está sobre mim porque o Senhor me ungiu. 

Ele enviou-me para levar a Boa Nova aos pobres, 

para proclamar a libertação aos cativos, 

e aos cegos, que devem ver, 

para libertar os oprimidos, 

para proclamar um ano favorável do Senhor 

O texto de Isaías, aplicava-se perfeitamente a Jesus.

É fácil de imaginar a emoção que Ele deve ter sentido quando proferiu estas palavras. 

Jesus está agora muito consciente da sua missão. Porquê levar a Boa Nova especialmente aos pobres? 

O termo «pobre» na Bíblia refere-se não à situação económica das pessoas, mas à posição social e sobretudo a situação diante de Deus. 

Os «pobres» são as pessoas sem influência social e sem recursos para se poderem defender das injustiças e dos abusos que sofrem da parte dos que têm poder para os explorar como querem. 

Os «pobres» incluem também as viúvas e os órfãos por terem a situação social de serem completamente dependentes dos outros para o seu sustento. 

Também incluem os assalariados e os trabalhadores estrangeiros, que a cada dia, nas praças públicas, esperam ser contratados. 

Assim como os cegos e os estropiados são obrigados a mendigar, para sobreviverem. 

Estas pessoas são as preferidas por Deus, não porque tenham méritos especiais que merecem uma maior atenção da parte de Deus, mas porque Deus se apresenta como o Defensor dos mais fracos e desprotegidos da sociedade. 

A preocupação preferencial pelos pobres passa a ser um atributo de Deus e torna-se um dever para os que têm de governar e orientar os vários níveis da sociedade.

 Essa missão de «levar a Boa Nova aos pobres» da parte de Deus, foi traduzida em grego por «evangelizar». 

A missão de Jesus é a de transmitir e de pôr em prática esse Amor de Deus, cheio de solicitude pelos mais frágeis e mais desprotegidos. 

Jesus apresenta-se como o que dá um testemunho exemplar desta predileção divina pelos que são desprezados ou   ignorados, como se não existissem. 

O anúncio de Jesus, embora muito curto, dá-nos a «chave» para interpretarmos o resto da sua vida. 

A primeira frase: "O Espírito do Senhor está sobre mim", indica que cada uma das ações e decisões de Jesus fluiu do que Ele acreditava que o Espírito Santo O estava a levar a fazer. 

Devemos notar que Jesus não diz simplesmente que foi ungido, mas que foi ungido com o propósito de «levar boas notícias aos pobres». 

Jesus escolheu esta passagem de Isaías para explicar o que para Ele significava ser o Messias. 

Ele iria realizar a sua vocação de Messias nas relações com pessoas de todos os estratos da sociedade, curando, pregando, perdoando, ensinando e chamando outros a segui-lo. 

Ele não exigia que todos os seus seguidores se tornassem pregadores desprendidos de todos os bens, ou com uma vida itinerante. 

Jesus exigia que os seus seguidores colocassem os outros em primeiro lugar, que deixassem de lutar pelo primeiro lugar para si e que servissem as pessoas mais desprotegidas com amor criativo, que gera as mais variadas formas de o fazer. 

O Evangelho de hoje convida-nos, primeiro, a contemplar Jesus no seu próprio discernimento e na aceitação da sua vocação. 

Depois, conscientes de que cada vocação cresce e evolui, somos convidados a pedir ao Espírito Santo que continue a revelar-nos os nossos caminhos para sermos aquelas e aqueles que podemos  ser no presente e o que podemos vir a ser no futuro, se nos deixarmos transformar pelo Espírito de Deus. 

Cada um de nós que quer seguir Jesus, é convidado a viver  de modo realista e verdadeiro que "O Espírito do Senhor está sobre mim e ungiu-me para trazer boas-novas aos pobres". 

Que estas passagens, na Escritura aberta diante de nós, em Isaías e em Lucas, sejam um estímulo para nos deixarmos evangelizar e anunciarmos a Boa Nova de Jesus!

 frei Eugénio, op (22.01.2022)

2025-01-19

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do II Domingo do Tempo Comum, 19 de janeiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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Evangelho (Jo. 2, 1-11) 

Naquele tempo, realizou-se um casamento em Caná da Galileia e estava lá a Mãe de Jesus.
Jesus e os seus discípulos foram também convidados para o casamento.
A certa altura faltou o vinho. Então a Mãe de Jesus disse-Lhe: «Não têm vinho».
Jesus respondeu-Lhe: «Mulher, que temos nós com isso? Ainda não chegou a minha hora».
Sua Mãe disse aos serventes: «Fazei tudo o que Ele vos disser».
Havia ali seis talhas de pedra, destinadas à purificação dos judeus, e cada uma levava duas ou três medidas.
Disse-lhes Jesus: «Enchei essas talhas de água».
Eles encheram-nas até acima. Depois disse-lhes: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa».
E eles levaram. Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho — ele não sabia de onde viera, pois só os serventes, que tinham tirado a água, sabiam —, chamou o noivo e disse-lhe: «Toda a gente serve primeiro o vinho bom e, depois de os convidados terem bebido bem, serve o inferior. Mas tu guardaste o vinho bom até agora».
Foi assim que, em Caná da Galileia, Jesus deu início aos seus milagres. Manifestou a sua glória e os discípulos acreditaram nele.

 

DIÁLOGO

Acabámos de ler o relato do primeiro dos milagres de Jesus, que o evangelista João chama de “sinais”, porque Jesus não os fez para suscitar o espanto e a admiração com as suas maravilhas, mas para revelar o Amor de Deus Pai. 

O “sinal” teve lugar numa boda normal dum casamento. 

Nada nos é dito sobre o ritual da cerimónia, nem sobre o vestido da noiva, nem sobre as roupas dos convidados, nem sobre a música e as danças que alegravam a festa. 

Se o relato fosse publicado num jornal, não seria certamente na secção dos “Eventos sociais”, provavelmente iria na secção "Acredite ou não", sobre a água transformada em vinho. 

As bodas de Caná são muito mais que o simples relato do primeiro milagre de Jesus.   

Imagino que os noivos estariam a desfrutar um dos dias mais marcantes e felizes da sua vida, juntamente com todos os seus familiares e amigos. 

Em dado momento deixa de haver vinho. 

Se a água é necessária para viver, o vinho é central para que haja alegria numa festa. 

Na Palestina, nessa época e ainda hoje, os casamentos duram vários dias. É necessária muita comida e bebida para satisfazer a fome e sede de todos os convidados. 

Por muito que se preveja e se armazene, pode acontecer, infelizmente, como neste caso em Caná, que se acabe a bebida ou a comida. 

Numa festa de bodas na qual falta o vinho, que vergonha para os recém-casados! 

Podemos imaginar-nos, nós-próprios, entre os convidados, juntamente com Jesus com a sua mãe e os seus discípulos. 

Que sentiríamos se tivéssemos de passar uma boa parte da festa, obrigados a beber água ou chá? 

Que vergonha para os noivos! 

Mas Maria não se limitou a estar sentada a assistir à festa, no meio da alegria geral, ela estava atenta ao que se estava a passar e, por isso, reparou que o vinho estava a faltar e teve a iniciativa de comunicar a sua preocupação ao seu filho: "Eles não têm vinho". 

A resposta ríspida de Jesus, pode causar-nos grande espanto: «Mulher, que temos nós com isso? A minha hora ainda não chegou". 

Apesar desta resposta de Jesus, nesse tom distante, Maria tem grande confiança no seu Filho e espera que Ele ouça o seu pedido. 

Dirigiu-se aos serventes e disse-lhes: “Façam o que Ele vos disser”. 

Estas palavras de Maria, segundo os quatro Evangelhos, são as últimas palavras que ela pronunciou e que ficaram registadas. 

Podem ser consideradas como uma herança, que Maria, a Mãe de Jesus nos entrega a nós. 

A partir de Caná, também hoje Nossa Senhora diz a todos nós: “Façam o que Ele vos disser”. 

Ela sabe que quando isso acontece, tudo estará bem. 

Em Caná, as palavras que Ela disse aos serventes “fazei o que Ele vos disser” torna-se um modelo da oração para os cristãos. 

O relato de João não diz como é que a água foi transformada em vinho, nem um gesto, nem uma palavra de Jesus. 

Não diz sequer que é um milagre, por mais surpreendente que isso possa parecer. 

Em Caná, os serventes obedeceram, seguindo o conselho de Maria.  

Jesus disse-lhes: “Enchei essas talhas de água”. 

Eles encheram-nas até à borda. 

Em vez dos jarros de barro onde o vinho era guardado, e que estavam vazios, Jesus usou os recipientes de pedra, que levavam cerca de 40 litros de água e que eram usados à entrada da sala da refeição, para as purificações, segundo o ritual judaico, com lavagem de pés, mãos e objetos. 

Depois Jesus disse-lhes que pegassem nas talhas e que as levassem ao mestre de cerimónias, que dirigia o banquete. 

E eles levaram. 

Imaginem que estavam numa boda, e que alguém próximo dos noivos lhes pedia para fazerem o grande favor de pegarem nuns baldes com água destinada às lavagens da casa e os levassem até ao meio das mesas onde estavam os principais convidados! 

Quem teria coragem de o fazer? 

Foi algo de semelhante que Jesus disse aos serventes. 

O Evangelho de João, não tem relatos de ensinos de Jesus sobre a oração, como têm os Evangelhos de Mateus, de Marcos e de Lucas. 

Aqui em Caná, podemos ver em Maria, como sendo uma imagem da viúva persistente de Lucas, e também do amigo que vem à noite bater à porta, ou da mulher sirofenícia dos Evangelhos de Marcos e Mateus.

Também ela é como que um eco dos salmistas que apelam: "Por amor do Teu nome, ouve o meu grito"! 

É neste terreno de fé que somos convidados a caminhar, a partir deste primeiro “sinal” que Jesus fez em Caná. 

Uma fé em constante progressão, aberta ao imprevisto e ao questionamento. 

Pois, como escreveu São Tomás de Aquino na sua Suma Teológica (II-II, q.2 a.1), a fé é uma adesão que não exclui o questionamento. É a famosa expressão "Assensus cum cogitatione"! 

A recomendação simples, mas essencial, da Mãe de Jesus “Fazei tudo o que Ele vos disser” é um programa de vida para os cristãos. 

Para cada um de nós, encher as talhas de água, equivale a confiarmo-nos à Palavra de Deus para experimentarmos a sua eficácia na vida

      frei Eugénio, op (15.01.2022)

2025-01-12

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Batismo do Senhor, 12 de janeiro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 


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Evangelho (Lc. 15, 21-22)

Naquele tempo, o povo estava na expectativa e todos pensavam em seus corações se João não seria o Messias.
João tomou a palavra e disse-lhes: «Eu batizo-vos com água, mas está a chegar quem é mais forte do que eu, e eu não sou digno de desatar as correias das suas sandálias. Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo».
Quando todo o povo recebeu o batismo, Jesus também foi batizado; e, enquanto rezava, o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corporal, como uma pomba. E do céu fez-se ouvir uma voz: «Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus todo o meu agrado».

DIÁLOGO

O evangelista Lucas não conta nada sobre os cerca de trinta anos que Jesus passou com Maria e José em Nazaré. 

O tempo ia passando, mas Jesus não decidia nada por si-mesmo. Ele esperava um sinal de Deus, Seu Pai. 

Um dia, enfim, chegou um sinal. Chegou a Nazaré um rumor de que tinha aparecido um profeta de nome João, que exortava à conversão e batizava no rio Jordão, já perto do Mar Morto. 

Jesus pôs-Se a caminho e a sua vida vai mudar completamente.

 "O povo estava em grande expectativa".  

Foi assim que o evangelista Lucas descreveu a excitação que se tinha gerado em torno de João Batista. 

Quando é que nós experimentamos esse tipo de emoção religiosa ou espiritual e a manifestamos em público e não apenas em privado?

 Habitualmente é mais fácil unirmo-nos em torno de acontecimentos negativos, do que de situações positivas! 

A condenação de acontecimentos maus e escandalosos não nos pede o compromisso e o empenho que são exigidos pela aprovação, ou aclamação, de atitudes boas e louváveis. 

É por isso, que muitas vezes evitamos mostrar entusiasmo em público por acontecimentos e por pessoas que merecem a nossa admiração e apoio. 

À exceção do desporto, onde manifestamos facilmente e, até com exuberância, o nosso entusiasmo. 

O que é que a celebração do Baptismo de Jesus no Jordão nos pode trazer de importante 

Em primeiro lugar, podemos celebrar, na fé, a realidade de que o nosso batismo nos une intimamente a Jesus e a todos que nos precederam na fé n’Ele. 

Numa época que é a nossa, em que os documentos legais se tornaram tão importantes para indicar o nosso estatuto, podemos considerar a nossa certidão de batismo como um cartão de identidade muito importante. Porquê? 

Porque a certidão de batismo indica a quem pertencemos - a Jesus - e ao que somos chamados a viver – o modo de viver de Jesus. 

Além disso, quando lemos o Evangelho de hoje, temos uma imagem de Jesus descobrindo a sua vocação de Filho e servidor de Deus, Seu Pai. 

A descida do Espírito Santo sobre Ele e a mensagem de Deus Pai juntaram-se para dizer a Jesus que Ele foi chamado para uma missão, muito mais importante que aquela que João Batista tinha. 

O facto de os quatro Evangelhos registarem esta revelação que vem de Deus e do Espírito-Santo, significa que Jesus, como qualquer outro ser humano, teve de procurar a Vontade de Deus na sua vida.

 A identidade e a missão de Jesus brotam da sua relação com Deus que O chamou de «Filho muito amado». 

Jesus dedicou-se a fazer a Vontade do Pai em todos os momentos e situações. 

Observando com atenção o que se passou com Jesus quando foi batizado por João no Jordão, podemos descobrir que o batismo que recebemos, em criança, jovem ou adulto, não nos dá um estatuto cristão, mas sim uma missão: seguir em tudo o modo de viver de Jesus.

 Para discernir essa missão que é a nossa, também nós temos de ler as Escrituras e rezar em todas as circunstâncias, como Jesus o fez. 

Como seus seguidores, somos convidados a viver seguindo o seu exemplo. 

Ritualizar o nosso compromisso com o batismo é apenas um pequeno passo. 

Mas viver como batizado, é entrar numa vida de oração e de ação, uma vida de descoberta e aprofundamento do grande amor de Deus Pai por toda a humanidade, em todos os tempos e lugares e ter o empenho de o comunicar de todas as formas possíveis. 

Que queiramos viver com empenho e alegria essa vocação.  

    frei Eugénio, OP (09.01.2022)


2024-12-14

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 3º Domingo do Advento, 15 de Dezembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 

 

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Evangelho (Lucas 3, 10-18) 

Naquele tempo, as multidões perguntavam a João Batista: «Que devemos fazer?».
Ele respondia-lhes: «Quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma; e quem tiver mantimentos faça o mesmo».
Vieram também alguns publicanos para serem batizados e disseram: «Mestre, que devemos fazer?».
João respondeu-lhes: «Não exijais nada além do que vos foi prescrito».
Perguntavam-lhe também os soldados: «E nós, que devemos fazer?». Ele respondeu-lhes: «Não pratiqueis violência com ninguém nem denuncieis injustamente; e contentai-vos com o vosso soldo».
Como o povo estava na expectativa e todos pensavam em seus corações se João não seria o Messias, João tomou a palavra e disse-lhes: «Eu batizo-vos com água, mas está a chegar quem é mais forte do que eu, e eu não sou digno de desatar as correias das suas sandálias. Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo.
Tem na mão a pá para limpar a sua eira e recolherá o trigo no seu celeiro; a palha, porém, queimá-la-á num fogo que não se apaga».
Assim, com estas e muitas outras exortações, João anunciava ao povo a boa nova.

 

DIÁLOGO

O evangelista começa por nos dizer quem eram as pessoas que iam ouvir a pregação de João Batista.
A primeira referência são as multidões, constituídas pelas pessoas das classes mais baixas da sociedade. 

Em seguida, indica os publicanos, que eram os cobradores de impostos que trabalhavam para o ocupante romano e que tinham o direito de ficar com uma parte para si próprios. 

Por fim, refere os soldados, que constituíam o exército de ocupação, composto por mercenários romanos ou oriundos de outros povos e que não deviam conviver, com proximidade, com os judeus. 

Todos eles perguntavam a João Batista, com humildade: «E nós que devemos fazer?»  (Lc 3,10.12.14). João Batista responde de modo diferente a cada tipo de pessoas, tendo em conta as suas principais ocupações e modos de vida. 

Às multidões diz-lhes que partilhem com grande generosidade. A partilha que ele propõe é muito exigente. Não é apenas uma partilha do que não lhes faz falta, do que lhes sobrava. O supérfluo deixa a vida intacta. 

Ele propõe que se dê mesmo do que é necessário. É o dom de si mesmo que transforma a vida para sempre.

Aos publicanos propõem-lhes que não se apropriem duma percentagem exagerada dos impostos recebidos e que não exijam aos mais modestos quantias que eles não conseguem pagar.

Por sua vez, com os soldados-mercenários é muito exigente quanto ao que devem mudar, para não oprimirem as populações que controlam. 

Em todas estas propostas de conversão à Vontade de Deus, que João Batista proclama, havia sempre uma referência aos comportamentos para com o próximo. 

Na pregação de João Batista ficava claro que a conversão, isto é, o voltarmo-nos para Deus, passava sempre pela mudança dos gestos e atitudes para com o próximo, «Amai o próximo nas circunstâncias concretas das vossas vidas!». 

E se nós fizéssemos um jogo com um amigo ou num pequeno grupo de amigos ou em família? 

«Que devemos fazer?» perguntaríamos nós e o parceiro ou parceiros do jogo responderiam, no estilo de João Batista, sugerindo-nos ao menos uma proposta concreta de mudança na família ou no trabalho. 

E os «Joões Batistas» iam rodando. 

Se este jogo não vos seduzir ou não vos for possível de realizar, podemos imaginar o que é que João Batista nos iria propor quando lhe perguntássemos «Que devemos fazer?» 

Teríamos assim um bom tema para um tempo de oração. 

João Batista, na sua pregação e nos batismos que realizava, anunciava a chegada d’Aquele-Que-Vem e diz que nem sequer é digno de desatar as correias das suas sandálias. 

Desatar as correias das sandálias, descalçar e lavar os pés de quem chegava a casa era uma tarefa tão humilhante, que nem sequer os escravos israelitas a deviam fazer, mas apenas os escravos pagãos. 

João Batista anuncia que há uma Presença nova entre eles, é a Presença d'Aquele-Que-Vem, trazendo o Espírito que dá a Vida verdadeira e eterna, plena de Amor.

Com essa Presença tão próxima, devemos «Alegrar-nos sempre no Senhor!» como escreve, cheio de entusiasmo, o apóstolo Paulo aos cristãos de Filipos (FL 4,4-7).

A liturgia procura fazer-nos reviver este entusiasmo! 

É por tudo isto, e não é pouco, que este Domingo III do Advento é chamado «Domingo laetare››, o «Domingo da alegria». 

Que esta alegria esteja de verdade nos nossos corações.

frei Eugénio, op (12-12-2021)