O patriarca latino de Jerusalém lamenta, no entanto, que, dado que a comunidade internacional não os leva em consideração, o número de cristãos esteja diminuindo. Parte do problema, observa, é que o alto muro que cerca os territórios palestinos tornou quase impossível a vida diária de muitos.
Há aproximadamente 50 mil cristãos na Faixa de Gaza, Jerusalém Oriental e Cisjordânia, com mais de 200 mil em Israel.
Nesta entrevista lança um convite aos 3 "P" (em inglês: oração, Projetos,Pressão).
- O senhor poderia nos dizer qual é a situação atual dos cristãos na Terra Santa?
Temos de recordar que o Patriarcado Latino abrange 3 Estados: Jordânia, Palestina e Chipre. Não é fácil falar sobre um Estado, porque a situação muda de um para outro. Como sabemos, no mundo há normalmente um Estado com muitas dioceses; em nosso caso, temos uma diocese dentro de muitos Estados.
O fato de que vivamos em conflito significa que as fronteiras entre os Estados criam problemas; cruzar as fronteiras significa problemas; designar uma paróquia a outra paróquia não é fácil. Precisamos de passes – autorizações – de Israel para nos movermos dentro desses três Estados, que fazem parte de um único patriarcado de Jerusalém.
-Como descreveria os sentimentos das pessoas em Jerusalém, na Terra Santa, especialmente os dos cristãos?
É uma cidade especial, uma cidade belíssima e uma cidade dramática na qual inclusive o Senhor chorou. E ainda estamos chorando. Todos querem que Jerusalém seja sua própria capital; e Jerusalém, para mim, deve ser a mãe de todas as igrejas, a mãe de todos os crentes, e não para um só povo.
É um prazer ver, por um lado, essas pessoas que vêm visitar os Lugares Santos e, por outro, é doloroso ver que a igreja local, os cristãos locais não podem sequer visitar esses lugares santos. Um pároco de Belém não pode trazer seus fiéis em peregrinação a estes lugares santos. A mesma situação ocorre em Ramallah, na Jordânia e em outras paróquias; não podem se mover com facilidade, com tantos pontos de controle e o muro que os separa.
-Esta é a questão-chave. A situação dos cristãos da Terra Santa piorou a partir da construção do muro?
Claro que sim, o muro separou as famílias. Não é somente uma questão dos Lugares Santos, mas também uma questão de famílias, de algumas famílias, alguns jovens que não podem visitar seus avós do outro lado do muro. Não podem ir ao seu sítio, ao seu jardim ou ao seu olivar, do outro lado. O problema é grande e não é uma questão somente dos Lugares Santos, mas de dignidade das famílias, da separação entre jovens e idosos. Não podem sequer visitar alguém que morreu do outro lado.
-O senhor viaja com um passaporte diplomático do Vaticano?
Sim. O problema surge quando temos de transferir algum sacerdote. Na Jordânia – a maior parte do patriarcado e a fonte dos nossos sacerdotes, seminaristas e freiras –, a questão sempre é se poderemos trazê-los à Palestina. Outra questão é a que tem a ver com nossos jovens seminaristas que estão em Beit Jala, perto de Belém: se poderão passar as férias na Jordânia, para ver suas famílias.
-Os cristãos se encontram entre os extremistas muçulmanos e os extremistas sionistas. Como encaixam os cristãos? Há uma sensação de agressão à comunidade cristã de ambas as partes ou o senhor acha que não?
Penso que esta dramática situação deveria fazer que levássemos mais a sério o Evangelho. No Evangelho, o Senhor diz: “Quem quiser me seguir, tome sua cruz e me siga”.
E este é o nosso “pão de cada dia”: carregar a cruz nos mesmos lugares em que Ele a carregou. E como cristãos, como minoria, se esta cruz vem dos judeus, dos muçulmanos, de nós menos, não importa. O fato é que não podemos viver na Terra Santa, não podemos amar a Terra Santa, não podemos trabalhar na Terra Santa sem a cruz, de forma que a situação do muro nos faz levar ao pé da letra o Evangelho. Ao mesmo tempo, no Evangelho, o Senhor diz: “Não tenhais medo, eu estou convosco, nunca vos deixareis sozinhos”.
-Disse que os cristãos árabes são como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente. Qual é o papel deles, neste contexto?
Em primeiro lugar, conservar e respeitar nossa identidade, tanto de árabes como de cristãos; não podemos esquecer esta identidade. Como árabes, temos as mesmas tradições, temos a mesma língua e temos a mesma concepção dos muçulmanos. Podemos falar com eles. Sentimo-nos mais árabes que eles; havia árabes no Oriente Médio vários séculos antes da chegada do Islã e estamos orgulhosos de dizer que somos árabes e viemos do deserto. Eu digo isso com prazer e não tenho nenhum problema com isso.
Ao mesmo tempo, somos cristãos e temos uma cultura, e uma cultura cristã, uma cultura ocidental; e podemos ser e devemos ser um fator de moderação, um fator de reconciliação, um fator ou ponte entre povos em conflito. A questão é se a comunidade internacional nos aceita ou nos considera dessa forma. Este é o ponto.
Costumam se esquecer de nós. Costumam tomar decisões sobre o Oriente Médio sem pensar na pequena minoria cristã desta região. E costumam pagar o preço das suas decisões porque ninguém nos considera nem considera nossa presença entre uma maioria de muçulmanos e uma maioria de judeus.
-Se tivesse que fazer uma petição aos católicos, o que pediria para os cristãos da Terra Santa?
A petição é fácil: é a petição dos três grandes “pês” (em inglês).
Oração: pedimos que a Igreja do mundo inteiro – com suas comunidades, seus sacerdotes e seus fiéis – reze pela paz na Terra Santa, porque ainda acreditamos no poder da oração. O Senhor disse: eu vos darei a minha paz. A paz que o mundo, que os políticos não podem dar, ou que talvez não queiram dar, Ele nos dará. Esta paz significa serenidade, fé, amor e respeito por todos.
O segundo “P” é projeto: adotem, por favor, algum projeto social, religioso ou cultural. Podem adotar escolas, podem adotar seminaristas e podem adotar o patriarcado; podem e devem ajudar.
O último “P” é pressão sobre os governos, para alcançar a paz. Precisamos disso mais que de qualquer outra coisa. Precisamos da paz. Precisamos de um calendário que acabe com os postos de controle, com o muro; e temos de estar em paz com todos.
Queremos garantir a todos que, com as armas, muros e postos de controle, não haverá paz nem segurança. A paz e a segurança serão para todos ou não serão para ninguém. Nenhum povo, nem o israelense nem o palestino, pode ter uma segurança ou uma paz unilateral: ambos devem ter paz e segurança ou, de outra forma, continuarão se matando e nunca acabaremos com esta violência. E não queremos isso.
Queremos paz e segurança para todos: judeus, muçulmanos e cristãos.
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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann, para “Deus chora na Terra”, um programa semanal produzido pela Catholic Radio and Television Network (CRTN), em parceria com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
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