O jornal PÚBLICO de domingo passado, dia 15 de Abril, publica um
extenso artigo assinado pelo jornalista António Marujo com o título “Ambiente
de fim de pontificado e um Papa sem mão na Cúria”. O artigo refere-se
aos problemas que de há muito assolam a Igreja e tem gerado o aparecimento de
movimentos de contestação no seio dos católicos. Abre-se, assim, mais um debate
na Igreja Católica e este é, no meu entender, um tema que nos deve merecer
profunda reflexão e um diálogo aberto pois o que está em causa é o futuro do
catolicismo e da Igreja como a conhecemos hoje em dia.
Um dos mais expressivos sinais desta crise que se vem instalando,
desde há muito, no seio da Igreja Católica foi o que deu origem ao Movimento
Internacional Nós Somos Igreja (IMWAC) fundado em 1996, em Roma, na sequência de um
referendo iniciado em 1995 na Áustria, Alemanha e Tirol do Sul e que recolheu
2,5 milhões de assinaturas. Esse referendo apelava a uma renovação da Igreja
Católica Romana em consonância com o Concílio Vaticano II.
Apesar destes sinais de que estava a despertar na Igreja Católica
uma nova e mais esclarecida consciência dos homens e mulheres que procuram
aprofundar a sua fé e participar mais activamente numa Igreja de que sentem
fazer parte activa e não passiva, a abertura prenunciada pelo Concílio Vaticano
II, da qual as posições que tem vindo a ser assumidas por estes grupos de
católicos faz eco, tem sido, em muitos e importantes aspectos, manifestamente
ignorada pelo Vaticano.
No artigo agora publicado, o jornalista dá
notícia do mais recente movimento de contestação à Cúria Romana, o qual tem
origem num manifesto de padres austríacos, publicado no Domingo da Trindade, 19
de Junho de 2011. Nesta iniciativa (Die Pfarrer-Initiative), os referidos párocos afirmam o seguinte:
A recusa de Roma a uma reforma da
Igreja há muito esperada e a inatividade dos nossos bispos não só nos permitem,
mas também nos obrigam a seguir a nossa consciência e a agir de forma
independente.
Nós, padres, queremos estabelecer, no futuro, os
seguintes sinais:
1. Rezaremos, no futuro, em todas as Missas, uma
oração pela reforma da Igreja. Levaremos a sério a palavra da Bíblia: pedi e
receberei. Diante de Deus, existe a liberdade de expressão.
2. Não recusaremos, em princípio, a Eucaristia aos
fiéis de boa vontade. Isso é especialmente verdadeiro aos divorciados de
segunda união, aos membros de outras Igrejas cristãs e, em alguns casos, também
aos católicos que abandonaram a Igreja.
3. Evitaremos celebrar, se possível, nos domingos e
dias de festa, mais de uma Missa ou de encarregar padres em viagem ou não
residentes. É melhor uma liturgia da Palavra organizada localmente do que
tournées litúrgicas.
4. No futuro, vamos considerar uma liturgia da
Palavra com distribuição da comunhão como uma "Eucaristia sem padre",
e assim nós a chamaremos. Dessa forma, cumpriremos a nossa obrigação dominical
em tempos de escassez de padres.
5. Rejeitaremos também a proibição da pregar
estabelecida para leigos competentes e qualificados e para professoras de
religião. Especialmente em tempos difíceis, é necessário anunciar a Palavra de
Deus.
6. Comprometer-nos-emos a que cada paróquia tenha o
seu próprio superior: homem ou mulher, casado ou solteiro, de tempo integral ou
parcial. Isso, no entanto, não por meio das fusões de paróquias, mas sim
mediante um novo modelo de padre.
7. Por isso, vamos aproveitar todas as oportunidades para nos
manifestar publicamente em favor da ordenação de mulheres e de pessoas casadas.
Vemo-los como colegas, e colegas bem-vindos, ao serviço pastoral.
A posição desassombrada assumida neste novo manifesto estava, em
parte, patente na declaração do movimento “Nós Somos Igreja”, sendo a maior
radicalidade deste novo manifesto dos padres austríacos um sinal do agudizar da
crise e da reacção à “surdez” e passividade com que a Cúria Romana e grande
parte da Igreja hierárquica tem encarado estas manifestações de um número cada
vez maior de católicos. Fala-se agora do medo de um novo cisma na Igreja
Católica o qual, em minha opinião, só poderá vir a existir se a Cúria Romana
continuar a ser insensível a este despertar de consciência daqueles que fazem
parte com o mesmo direito da Igreja de Jesus Cristo.
Porque é importante que todos os que seguem Jesus se preocupem na
construção desta Igreja que Ele nos deixou em “herança” penso ser a leitura e
reflexão sobre este documento, como dos anteriores documentos do movimento “Nós
Somos Igreja”, um desafio para quem se quer assumir como um católico consciente
e esclarecido.
Ainda a este propósito valerá a pena reler a primeira leitura do
dia de hoje, quarta-feira, dia 18 de Abril (Livro dos Actos dos Apóstolos 5,17-26), assim como reflectir na última frase
do Evangelho deste mesmo dia (Evangelho segundo S. João 3,16-21) onde se lê “…
quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os
seus actos são feitos segundo Deus”.
Hugo Meireles
É urgente, de facto, que a Igreja se abra à reflexão crítica sobre o seu modo de funcionar e de testemunhar a fé em que acredita. Este movimento austríaco é uma sinal forte de inconformismo que urge ouvir. Porque o problema maior é dos que nem discutem: limitam-se a ir embora...
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