Diálogo com o Evangelho do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.
Evangelho (Mc. 3, 20-35)
Jesus enviou dois discípulos e disse-lhes: «Ide à cidade. Virá ao vosso encontro um homem com uma bilha de água. Segui-o
e, onde ele entrar, dizei ao dono da casa: "O Mestre pergunta: onde está a sala em que hei de comer a Páscoa com os meus discípulos?".
Ele vos mostrará uma grande sala no andar superior, alcatifada e pronta. Preparai-nos lá o que é preciso».
Os discípulos partiram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito e prepararam a Páscoa.
Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção e partiu-o, deu-o aos discípulos e disse: «Tomai: isto é o meu corpo».
Depois, tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos beberam dele.
Disse Jesus: «Este é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado pela multidão dos homens.
Em verdade vos digo, não voltarei a beber do fruto da videira até ao dia em que beberei do vinho novo no Reino de Deus».
Cantaram os salmos e saíram para o monte das Oliveiras.
DIÁLOGO
Porque é que esta festa religiosa se chama “Corpo de Deus”?
Embora o nome oficial, depois do Concílio Vaticano II (1962-1965) seja “Corpo e Sangue de Cristo” tradicionalmente continua a
chamar-se em Portugal e no Brasil “Corpo de Deus” e noutros países “Corpo de Cristo”.
"Corpo de Deus" é uma expressão interessante. Faz-nos lembrar que, em Cristo, Deus tomou corpo neste mundo.
O pedido de introduzir uma festa em honra do Corpo de Cristo foi aceite e a festa foi aprovada para toda a Igreja Católica em 1264, para ser celebrada na quinta-feira após o Pentecostes, embora atualmente em muitos países se celebra no Domingo seguinte, como aconteceu em Portugal, durante a suspensão do seu feriado.
Em 1318 o papa João XXII, acrescentava à festa litúrgica nas igrejas, uma procissão solene, que se caracteriza por levar em triunfo o «Santíssimo Sacramento».
A procissão deu lugar a representações, como se conhece no tempo de D. Manuel (1469-1521), com manifestações teatrais e com jogos de danças, que se juntaram aos cortejos religiosos.
Estas procissões-cortejos, mais tarde, passaram a dar grande importância à apresentação das diferentes corporações de profissionais e determinados ofícios, que assim podiam manifestar a vida do município e procuravam fazer chamadas de atenção sobre o poder económico e social dessas profissões e ofícios.
Mais tarde, o carácter festivo ainda se desenvolveu com os arranjos ao longo das ruas, com flores e materiais muito coloridos e pelo engalanar das janelas com colchas que davam um ar festivo e mostravam a adesão das populações.
Em variados países com populações maioritariamente católicas a festa ganhou tanta importância religiosa e social que passou a ser feriado nacional.
Mas podemos perguntar o que é que esta festa tem a ver com o que se passou na Última Ceia de Jesus com os seus discípulos?
Da Ceia Pascal temos cinco relatos no Novo Testamento, nos quatro Evangelhos e na primeira carta de São Paulo aos Coríntios.
Cada narrativa da Ceia salienta aspetos diferentes e usa palavras diferentes, pelo que não é possível ter uma reportagem do que exatamente se passou, nem quais foram as palavras exatas de Jesus.
Assim, só comparando essas várias versões podemos conhecer o significado mais completo da Última Ceia.
Com Jesus a começar a ceia, lavando ele próprio os pés aos discípulos, completamente surpreendidos, e explicando o seu gesto, manifesta com toda a clareza que se queremos estar em comunhão com Ele, devemos estar disponíveis para estarmos ao serviço dos outros, por mais insignificantes e desprestigiados que sejam esses serviços. O Amor deve estar ao serviço do bem dos outros.
Em 2001, o cardeal Jorge Bergoglio, atualmente o papa Francisco, referiu-se a esta festa dizendo:
«A festa do Corpo de Deus é a festa das mãos: das mãos do Senhor e das nossas mãos.
Dessas ‘santas e veneráveis mãos’ de Jesus, mãos chagadas, que continuam a abençoar e a repartir o pão da Eucaristia.
E é a festa das nossas mãos, necessitadas e pecadoras, que se estendem, humildes e abertas, para receber, com fé, o Corpo de Cristo.
Que a ternura da comunhão de Jesus connosco, que se põe sem reservas nas nossas mãos, nos abra os olhos do coração à esperança, para sentirmos presente o Deus que está todos os dias connosco e nos acompanha no caminho».
Quanto às palavras de Jesus que acompanham o gesto: “Tomai, isto é o meu corpo” convém ter presente que na língua original, o aramaico, o «corpo» não quer dizer o organismo humano a ser completado pela alma, mas refere-se à pessoa no seu conjunto. Estas palavras de Jesus querem dizer: « isto, sou Eu (que me dou)», significando que Jesus entrega toda a sua vida pelos discípulos, os quais, comendo esse pão, se tornam participantes da sua vida, que se entrega por amor.
Depois, Jesus também toma o cálice em suas mãos, dá graças a Deus e diz: “Isto é o meu sangue, o sangue da aliança, derramado pela multidão dos homens”.
Assim, Jesus também dá seu sangue, símbolo da vida, estendendo aos discípulos o cálice com vinho para eles beberem; ou seja, Jesus dá a sua vida, significada na cultura semítica pelo sangue.
O evangelista sublinha que “todos beberam” desse cálice, porque o dom de Jesus é para todos, sem excluir ninguém.
Até a Judas, o traidor, o cálice é oferecido.
Ainda nos nossos dias, mais de 50 anos depois do Concilio Vaticano II, apesar da grande reforma do ritual da Missa e dos valiosos estudos teológicos e litúrgicos sobre a Eucaristia, ela ainda aparece mais como uma acção de poder religioso do que de celebração do Amor de Jesus Ressuscitado e que quer que entremos em comunhão com Ele.
Muitas regras litúrgicas, sobre quem pode fazer isto e aquilo e quem não pode; muitas rubricas a cumprir e textos a serem seguidos.
Mas, sobretudo ainda são impostas muitas restrições para que os fiéis possam participar no rito da comunhão.
Será que essas regras todas, expressas através do Direito Canónico, correspondem bem às intenções de Jesus e apresentam uma imagem de Deus Amor?
Por variadas razões e sobretudo por terem recebido uma catequese pouco esclarecida, esses cristãos não entendem como o dom da Eucaristia não é um prémio, um privilégio para os que se julgam justos e santos, mas um remédio para os doentes, e os pecadores.
Será que Jesus teria excluído do pão da Ceia à samaritana que encontrou junto ao poço de Jacob ou a Zaqueu, o corrupto cobrador de impostos que o recebeu em sua casa ou à mulher adúltera que ia ser apedrejada e tantas outras e outros?
A todos, sem excluir ninguém, Jesus oferece a sua vida e o seu amor gratuito.
É bom ter presente que o convite: «Felizes os convidados para a Ceia do Senhor» no momento que antecede a comunhão se refere à Ceia da Vida Eterna, no Reino que vem e no qual a morte estará vencida para sempre.
Por isso, Jesus diz: “Em verdade vos digo, não beberei mais do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”.
Podemos terminar esta partilha, rezando:
«Ó Deus, Pai de Amor,
sempre que celebramos a Ceia do Teu Filho Jesus,
olha para mim
e olha para as tuas comunidades cristãs espalhadas pelo mundo,
dá-nos a graça de a celebrarmos
unindo tudo o que nos é dado viver
com o dom da Tua comunhão connosco.
Dá-nos a graça de vivermos na doação aos outros, na partilha
do que somos e do que temos e em Acão de graças. Ámen
frei Eugénio
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