2021-08-14

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo da festa da Assunção de Maria, 15 de Agosto, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.

 

 

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Evangelho (Lc. 1, 39-56)

Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá.
Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio. Isabel ficou cheia do Espírito Santo
e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.
Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos a voz da tua saudação, o menino exultou de alegria no meu seio.
Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor».
Maria disse então:
«A minha alma glorifica o Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
porque pôs os olhos na humildade da sua serva,
de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
todas as gerações.
O Todo-poderoso fez em mim maravilhas,
Santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração
sobre aqueles que O temem.
Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens
e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia,
como tinha prometido a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para sempre
».
Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses e depois, regressou a sua casa.
 
 
DIÁLOGO

Acabámos de ler a oração do “Magnificat” que Maria proclamou quando foi visitar a sua prima Isabel.

É a única oração de Maria, mãe de Jesus, no Novo Testamento.

O conteúdo desta oração é centrado na humildade de Maria. Ora, a humildade nos nossos dias não é considerada uma virtude interessante, mas é vista como uma fraqueza, um rebaixamento, uma limitação da personalidade.

A humildade é encarada como o oposto daquilo que desejamos ser hoje em dia: independentes, seguros de nós próprios, autónomos na medida do possível, livres para fazer as nossas escolhas pessoais e tomar as nossas decisões, sem a interferência dos outros.

Maria, na sua humildade, reconhece que é Deus que faz as maravilhas nela e não ela própria, sozinha.

Fazendo apelo às mestras e aos mestres da oração cristã, porque será que todos eles se referem à humildade como uma base essencial do progresso na vida espiritual e na oração?

Para elas e eles, a humildade [a palavra vem de húmus (terra)] é a característica da boa terra que dá fruto e não da rocha estéril.

Santa Teresinha do Menino Jesus, carmelita que morreu com 24 anos e que é reconhecida como uma mestra da humildade, foi no trabalho de formação junto das noviças que compreendeu a ligação profunda e subtil que une a humildade à força e à grandeza.

Escreveu ela: “Sei que me consideram severa. Elas [as noviças] podem dizer o que quiserem, mas, no fundo, reconhecem que as amo com verdadeiro amor. ...Com a graça de Deus, jamais procurei atrair os seus corações. Compreendi que a minha missão era a de as conduzir a Deus.”

No cristianismo, e isso é uma das suas características, a humildade entra em jogo quando se aspira à grandeza. Ela é a base daqueles que aspiram a grandes coisas.

O terreno preferido pela humildade é o das grandes escaladas e não o dos trilhos que contornam os montes, onde a pessoa não corre nenhum risco.

É a virtude de Maria no Magnificat que diz:” O Senhor fez em mim maravilhas” mas que antes diz: ”Deus, meu Salvador, pôs os olhos na humildade da sua serva”.

É graças a este olhar do Amor de Deus sobre aquela modesta rapariga de Nazaré, que Deus vai fazer em Maria tantas maravilhas.

O teólogo São Tomás de Aquino, no seu ensino sobre as virtudes, escreveu: “a magnanimidade, pela própria natureza do seu nome, (“magnanimidade” quer dizer uma “grande alma”) implica ter-se uma tendência da mente para as grandes coisas.

É a magnanimidade que nos leva a realizar grandes coisas e a pensar sobretudo em grandes coisas. O seu cume é a Esperança cristã, que nos leva a esperar o que há de melhor no Mundo e que Jesus veio revelar e prometer.

No homem há algo de grande que ele recebe de Deus e ao mesmo tempo algo de defeituoso que resulta da fragilidade da sua natureza.

O humilde, é aquele que se vê como criatura dependente do Criador. Não tendo nada por si mesmo, vê que tem aspiração a grandes coisas, em muitas facetas da vida.

Ao mesmo tempo sabe que tudo o que somos e que temos nos é dado por Deus.

As duas qualidades têm de andar de mão dada: a magnanimidade das grandes obras a realizar e a humildade – «o que é que tu tens que não tenhas recebido de Deus?»

Magnanimidade na humildade: este é o estilo de vida do cristão, que quer ser uma testemunha do Evangelho em todos os horizontes.

Os apóstolos saíram de Jerusalém e foram pregar por todo o lado. Mas  Jesus trabalhava com eles.

Jesus Ressuscitado continua a trabalhar com todas aquelas e aqueles que, pelo modo de vida e pela palavra, procuram dar a conhecer a Boa Nova de Jesus.

Esta magnanimidade é própria da vocação cristã: querer sempre que mais pessoas conheçam e queiram viver segundo o Evangelho. Recomeçar sempre a anunciar, sem desanimar, pois as situações e as pessoas, e nós próprios, estamos sempre em mudança e em evolução.

Mas ao mesmo tempo, como nos diz São Pedro (1 Pe 5,5-6): “Queridos amigos, revistam-se todos de humildade nas vossas relações uns com os outros, pois Deus resiste aos soberbos, mas dá a graça aos humildes... Lançai sobre Ele todas as vossas preocupações, porque é Ele que cuida de vós.”

O que foi tão fantástico em Maria, foi ela ser capaz de saber que acolhia em si o Verbo de Deus feito carne e ao mesmo tempo saber que ela não era nada sem o que recebia de Deus.

Mas Maria, na sua oração, não se refere apenas à humilde serva, ela reza também:

A sua misericórdia se estende de geração em geração

sobre aqueles que o temem.

Manifestou o poder do seu braço e

dispersou os soberbos.

Derrubou os poderosos de seus tronos,

e exaltou os humildes.

Aos famintos encheu de bens

e aos ricos despediu de mãos vazias.

 

O que Maria reza parece um sonho, belo e inatingível, dum mundo cheio de justiça e onde todas as pessoas são valorizadas e têm o seu lugar.

Sonho que é certamente irrealizável apenas com as nossas forças humanas.

Uma das belezas e força do “Magnificat” é que Maria deseja e pede por tudo o que se passa no Mundo e por todos.

Ninguém fica de fora, no que Maria pede no “Magnificat”.

O importante é que a oração de Maria, que pode também ser a nossa, todos os dias, pode ter como efeito fazer crescer em nós o desejo de fazer grandes coisas graças ao Amor de Deus, que Ele nos dá constantemente e que promove a Justiça.

É uma oração com uma grande intensidade, que nos pode encher o coração.

O Magnificat completa o Pai Nosso, no qual pedimos, com Jesus «Pai...venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade».

 frei Eugénio


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