2022-10-29

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 31º Domingo do Tempo Comum, 30 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 


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 EVANGELHO (Lc 19, 1-10)

Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus entrou em Jericó e começou a atravessar a cidade.
Vivia ali um homem rico chamado Zaqueu,
que era chefe de publicanos.
Procurava ver quem era Jesus,
mas, devido à multidão, não podia vê-l’O,
porque era de pequena estatura.
Então correu mais à frente e subiu a um sicómoro,
para ver Jesus, que havia de passar por ali.
Quando Jesus chegou ao local,
olhou para cima e disse-lhe:
«Zaqueu, desce depressa,
que Eu hoje devo ficar em tua casa».
Ele desceu rapidamente
e recebeu Jesus com alegria.
Ao verem isto, todos murmuravam, dizendo:
«Foi hospedar-Se em casa dum pecador».
Entretanto, Zaqueu apresentou-se ao Senhor, dizendo:
«Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens
e, se causei qualquer prejuízo a alguém,
restituirei quatro vezes mais».
Disse-lhe Jesus:
«Hoje entrou a salvação nesta casa,
porque Zaqueu também é filho de Abraão.
Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar
o que estava perdido».
Palavra da salvação.

DIÁLOGO

 
O Evangelho de hoje fala-nos de Zaqueu, o homem pequeno que é um Grande homem.
Vamos ver como!


Lendo com atenção o relato de Lucas entendemos melhor por que razão Zaqueu, no meio da multidão não conseguia ver quem era Jesus.
Aparentemente era porque ele era de pequena estatura.
Mas a razão principal é que ele, sendo chefe de publicanos (cobradores de impostos) era um traidor ao seu povo judaico, cobrando-lhes impostos que eram exigidos pelos ocupantes romanos.
 

Além disso, muitas vezes era muito mais exigente com os pobres, com grandes dificuldades para pagar o que lhes era exigido.
Mas sabia fazer arranjos negociados para favorecer os mais poderosos.
Zaqueu, como chefe de cobradores de impostos, era bem conhecido em Jericó e era detestado pelos seus concidadãos judeus e por isso não arriscava andar no meio da multidão; se alguém o descobrisse que se o descobrisse podia enche-lo de insultos e até de cuspidelas e de pontapés.
 

É esta a razão mais provável para o fazer correr adiante, onde a multidão que seguia Jesus ainda não tinha chegado, indo esconder-se na densa copa dum sicómoro que ficava no caminho que Jesus ia percorrer, podendo ver e não ser visto, ficando, portanto, protegido.

Notemos que a narrativa não diz que Zaqueu procurava ver Jesus, o que equivaleria a ver o rosto de Jesus, o seu aspeto, a roupa que vestia, o modo de falar… O relato diz que Zaqueu procurava ver quem era Jesus.
Assim, Zaqueu, não procurava ver o aspeto exterior de Jesus, mas a sua identidade, o seu modo de ser e de viver.
 

Para ver quem era Jesus, na sua identidade, era preciso que procurasse ter um encontro com Ele.
É aqui que vai entrar mais alguém que anda à procura, Jesus.
Levantou os olhos e procurou ver Zaqueu, escondido na folhagem do sicómoro e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa» (Luc. 19,5)
 

Jesus procurou-o e viu-o, tinha sede do seu amor e, por isso, queria que ele se deixasse salvar por Deus: «Hoje devo ficar em tua casa...»
E Zaqueu, que pensava estar escondido a ver Jesus,
é ele que é visto por Jesus.
Não há nada, nem ninguém, demasiado pequeno para Jesus.
Assim, as duas procuras cruzaram-se!
Jesus procurava salvar quem estava perdido e Zaqueu procurava ver quem era Jesus.
 
É naquele dia, que é o dia de hoje, que chega a salvação de Deus.
Podemos compreender porque é que Zaqueu se alegra:
«Desceu rapidamente e recebeu Jesus com alegria» (Luc 19,6).
A salvação de Deus ia entrar na casa de Zaqueu, porque dois desejos
se tinham cruzado, expressos através de dois olhares.
 

Zaqueu começou, desde esse momento, a ver quem era Jesus, que o chamava, o acolhia, o incluía entre os filhos de Abraão.
Em sua casa, Zaqueu pode continuar a ver quem era Jesus, e iria mudar completamente todo o seu modo de viver, dando do que era seu aos pobres e aos muitos a quem tinha extorquido impostos.
Do seu lado, Jesus declarou alegremente a todos:
«Hoje chegou a salvação a esta casa». (Luc 19,9)

Zaqueu, como homem prático, para provar que a sua conversão é séria, age rapidamente e resolve dar metade dos seus bens aos pobres.
Jesus não lhe pedia que desse tanto, mas ficou tocado por esta tão grande esmola arrependida.
A salvação é dada por Deus e a pessoa aceita-a, através da conversão, da sua mudança de modo de viver, realizando-se obras de misericórdia, especialmente para com os mais pobres e desfavorecidos.

Zaqueu encheu-se de alegria com o Filho do Homem, ao deixar-se olhar e ser amado por Ele, que «veio para procurar e salvar o que estava perdido» (Luc 19,10).

Também nos toca a nós, sermos convidados por Jesus Ressuscitado,
entre outras formas, através da oração interior e do serviço aos outros.

Jesus deseja tanto ficar nas nossas casas para partilhar connosco a sua intimidade, que disse: «Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo» (Apoc 3,20).

Permitam-me terminar este diálogo convosco, com uma oração:
 

Senhor Jesus, levanta os Teus olhos
para cada uma das nossas vidas,
como fizeste com Zaqueu.

Chama constantemente por nós,
para que possamos ser tocados pelo Teu amor,
que vê muito para além das aparências e dos preconceitos.

Não Te canses de vir ao nosso encontro,
para que nós Te possamos procurar,
nos nossos caminhos humanos.

Agradecemos-Te, Senhor Jesus,
por passares pelas nossas cidades e nos olhares.
Que a Tua presença nos transforme,
para nos deixarmos tornar mais parecidos conTigo,
que vens salvar quem anda perdido.
        

 frei Eugénio op



2022-10-22

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 30º Domingo do Tempo Comum, 16 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 


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Evangelho (Lc. 18, 9-14) 

Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros:
«Dois homens subiram ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano.
O fariseu, de pé, orava assim: "Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano.
Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos".
O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: "Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador".
Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».

DIÁLOGO

O Evangelho deste Domingo é a parábola do fariseu e do publicano (o cobrador de impostos).

A frase inicial introduz as duas personagens do relato: «Dois homens subiram ao Templo para rezar. Um era um fariseu e o outro um publicano.»

A frase final da parábola apresenta o resultado do drama: «este (o publicano) desceu justificado para sua casa e o outro não.»

 

Os fariseus eram geralmente considerados bons homens, muito cumpridores da Lei de Moisés e apenas lhes era apontado o defeito da falta de humildade.

Mas este modo de ver, pode não ser correto.

 

Jesus conta esta parábola «para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros», conta para certos homens que estavam convencidos de que eles próprios eram justos, mas que, de facto, podiam sê-lo ou não.

 

Na parábola, o que é que o fariseu faz?

Os aspetos que ele valoriza, são os comportamentos que ele tem e que os outros não cumprem com a mesma exigência:

jejuar mais vezes do que a Lei prescrevia, pagar impostos para lá do que era legal, além de ser escrupuloso quanto a contas e pagamentos, não ser corrupto e ser fiel à mulher com quem casou.

Na sua oração, o fariseu faz um elogioso retrato de si mesmo.

Desta forma, fica sempre em vantagem na comparação com os outros.

 

Ele não se apercebe, no entanto, que neste quadro que ele traça de si próprio, falta um comportamento muitíssimo importante da Lei de Moisés: o mandamento do amor ao próximo como si-mesmo!

 

Olhemos agora para o publicano, na parábola que Jesus conta.

 

Não se compara com os outros, apenas se refere a si próprio e o que faz contra a Vontade de Deus.

Não se aproxima sequer do altar e não ousa levantar os olhos para o céu, considerando-se indigno de se aproximar de Deus.

E bate no peito, na atitude dum pecador arrependido diante de Deus.

 

Do seu íntimo sai uma oração curta, numa só frase:

«Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador.»

Põe nela todo o seu coração, arrependido e humilhado.

 

Jesus mostra-nos, assim, duas formas radicalmente diferentes de conceber o comportamento correto (isto é «ser justo») diante de Deus.

Numa, o homem considera que, com os seus esforços, consegue por si-mesmo, ter direito a um lugar próximo de Deus.

 

Na outra, é Deus que, na sua misericórdia e por um dom completamente gratuito, oferece um lugar, junto de Si.

 

Procuremos, agora, aplicar esta parábola a nós próprios.

 

Certamente ninguém tem sempre um comportamento como o do fariseu, mas também nenhum de nós tem sempre o modo de viver do cobrador de impostos.

Na realidade das nossas vidas, somos um conjunto dos dois:

uma parte de fariseu e outra parte de publicano.

Sendo assim, não nos podemos convencer que somos mais parecidos com a personagem da parábola que nos é mais simpática.

Os publicanos eram considerados, e de facto eram, homens sem escrúpulos, que colocavam o dinheiro e os seus interesses acima de tudo.

 

Em contraste, os fariseus eram, na vida prática, muito austeros e cumpridores da lei de Moisés.

Assim, somos em parte como o publicano na vida

e em parte como o fariseu no templo.

 

Como o publicano, reconhecemos que em certos aspetos das nossas vidas nos afastamos da vontade de Deus, isto é, que somos pecadores.

E como o fariseu, estamos convencidos que habitualmente somos corretos diante de Deus, que não temos nada de grave a nos ser reprovado e que por isso somos melhores que quase todas as outras pessoas.

 

Se realmente descobrimos que, nas nossas vidas, somos em parte um e em parte outro, então se nos comportássemos, como o cobrador de impostos na vida profissional e como o fariseu na nossa atitude religiosa?

 

Seríamos diferentes do que somos hoje?

 

Tal como o fariseu, se nos esforçamos nas nossas vidas diárias para sermos corretos em tudo o que diz respeito a bens e dinheiro, a sermos respeitadores do marido ou da mulher nas vidas de casados, procurando não prejudicar o próximo nas diversas situações.

E se procurássemos também cumprir os mandamentos de Deus o melhor que pudermos?

 

E, se ao mesmo tempo, tal como o publicano, reconhecêssemos que o que fazemos para seguir a Vontade de Deus é devido a um dom recebido gratuitamente da Sua parte, e se implorássemos a Sua misericórdia para nos deixarmos transformar como Ele quer?

Como seríamos nós?

 

Que esta parábola de Jesus fique bem gravada nos nossos corações, no nosso modo de pensar e de discernir e nas atitudes com aqueles que entram nas nossas vidas.

 

    frei Eugénio op

 

 



2022-10-17

Albert Nolan (1934 - 2022)

 

O conhecido dominicano sul-africano, ativista anti-apartheid e teólogo e autor de renome internacional, Albert Nolan, morreu hoje aos 88 anos.

Nascido na Cidade do Cabo em 1934, Nolan entrou na Ordem dos Pregadores em 1954 e morreu pacificamente durante o seu sono sob os cuidados das Irmãs Dominicanas na Marian House em Boksburg, na madrugada de segunda-feira, 17 de Outubro.
 
Premiado com a 'Ordem de Luthuli em Prata' pelo então Presidente Thabo Mbeki em 2003 pela sua "dedicação vitalícia à luta pela democracia, direitos humanos e justiça e por desafiar o 'dogma' religioso, especialmente a justificação teológica do apartheid", Nolan inspirou uma geração de ativistas cristãos e teólogos.


A sua dedicação à luta anti-apartheid viu-o recusar ser Mestre da Ordem dos Pregadores para que foi eleito em 1983, pois isso teria significado a sua transferência para a sede da Ordem em Roma.

Em vez disso, convenceu os dominicanos a permitir-lhe que permanecesse na África do Sul.

A Ordem Dominicana reconheceu a sua contribuição como teólogo e pregador do Evangelho quando, em 2008, o Mestre da Ordem promoveu Nolan a Mestre de Teologia Sagrada.

Nolan, contudo, preferiu ver-se como um pregador e não como um erudito bíblico. Ele queria que o Evangelho fizesse a diferença na vida das pessoas, e não via o debate de pequenas questões de interpretação textual como o propósito das escrituras.

Na sua opinião, as escrituras estavam lá para inspirar, converter e transformar as pessoas e levá-las a mudar as suas vidas e o mundo em que vivem.


Fora da África do Sul, Nolan tornou-se conhecido pelo seu livro "Jesus antes do Cristianismo", de 1976, o qual foi traduzido em pelo menos nove línguas.

Como padre, activista, autor e teólogo de renome, Nolan ofereceu uma mensagem de esperança forte mas gentil, particularmente de esperança na construção de uma África do Sul e de um mundo não racial, não sexista, pacífico e ambientalmente sustentável.

Fonte: adaptado de https://www.polity.org.za/article/albert-nolan-priest-activist-author-and-renowned-theologian-2022-10-17

Traduzido com a versão gratuita do tradutor - www.DeepL.com/Translator

2022-10-15

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 29º Domingo do Tempo Comum, 16 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 


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Evangelho (Lc. 18,1-8) 

Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos uma parábola sobre a necessidade de orar sempre sem desanimar:
«Em certa cidade vivia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens.
Havia naquela cidade uma viúva que vinha ter com ele e lhe dizia: "Faz-me justiça contra o meu adversário".
Durante muito tempo ele não quis atendê-la. Mas depois disse consigo: "É certo que eu não temo a Deus nem respeito os homens;
mas, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, para que não venha incomodar-me indefinidamente"».
E o Senhor acrescentou: «Escutai o que diz o juiz iníquo.
E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo?
Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa. Mas quando voltar o Filho do homem, encontrará fé sobre a Terra?»

 

DIÁLOGO 

Esta passagem do Evangelho é utilizada com frequência por pessoas cristãs, para recomendarem que rezemos novenas após novenas para obter da parte de Deus algo de importante para as suas vidas.

 

Também serve para reforçar propostas piedosas dizendo: "Mais alguns terços e a Santíssima Virgem certamente convencerá Jesus a fazer o que pedimos"!

 

Nos Evangelhos, nas passagens que se referem a Maria, Jesus não dá um tratamento ou um poder especial à sua mãe.

 

Além disso, Jesus disse muito claramente:

"Nas vossas orações não useis de vãs repetições, como os gentios, porque imaginam que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos." (Mat. 6,7).

 

A seguir a esta chamada de atenção, Jesus oferece aos discípulos a possibilidade de rezarem a sua própria oração: o Pai-Nosso.

 

A persistência a que Jesus se refere, quando fala da “necessidade de rezar sempre sem desanimar”, não tem a ver, seguramente, com a multiplicação de palavras em numerosas orações.

 

Quando Jesus nos diz para rezarmos sem perder o ânimo, está a convidar-nos para entrarmos no seu próprio caminho espiritual.

Nós dizemos que acreditamos no Deus de Jesus, o Deus que tem um projeto para a História humana, que nos dá a conhecer sobretudo através de Jesus.

 

Esta convicção, implica que a História da Humanidade esteja a caminho de uma realização que irá muito para além daquilo que podemos imaginar.

 

Rezar sem cessar é uma imitação do que Jesus vivia.

Ele estava constantemente atento e aberto a receber e a seguir a Vontade de Deus.

 

Os textos bíblicos que chegaram até nós, neste nosso tempo, dirigem-se em grande parte a pessoas, que sendo responsáveis, se sentem sobrecarregadas de situações pessoais, familiares, profissionais e sociais cheias de inseguranças e provações e que obrigam a discernimentos difíceis.

 

Estas pessoas também estão muito preocupadas com as evoluções climáticas, sociais e políticas do nosso mundo.

 

Os textos bíblicos chamam-nos a atenção para Deus como criador, mas também como um Pai.

Ele interessa-se por cada uma e cada um e quer também que façamos os possíveis por vivermos uns com os outros em bom entendimento.

 

Os textos bíblicos incitam-nos a rezar, porque rezar é a única forma de nos abrirmos para permitir que o Espírito de Deus aja, com poder e criatividade, através de nós e entre nós.

 

Jesus vai contar a parábola da viúva que importuna o juiz com tanta insistência, que até vai conseguir que justiça lhe seja feita.

 

No entanto, ela tem todos os motivos para se sentir desencorajada: a sua causa parece estar perdida de antemão, desde que teve a pouca sorte de se deparar com um juiz que não quer saber nem da Vontade de Deus, nem da prática correta da justiça.

 

Mas ela persiste, porque está convencida que a sua causa é justa.

Ela não põe em dúvida, nem por um momento, que não tenha razão.

O que ela está a pedir é que a Vontade de Deus se faça.

 

Este exemplo da viúva, que Jesus nos apresenta, é antes de mais um exemplo de humildade.

 

Se ela insistia com o juiz, é porque ela estava em necessidade.

A primeira condição para participarmos no Reino de Deus é reconhecermos a nossa pobreza, a nossa dependência do querer doutros.

 

É a primeira bem-aventurança: "Bem-aventurados vós, que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus" (Luc 6, 20).

Na nossa expectativa de entrarmos no Reino de Deus já neste mundo, somos desafiados a sermos tão persistentes como esta viúva cheia de coragem e confiança na bondade e na justiça de Deus.

 

Estará Lucas a dirigir-se a uma comunidade ameaçada pelo desânimo?

 

Podemos pensar assim, dada a última frase: «Quando o Filho do Homem vier, irá encontrar fé na terra?»

Reparemos que é uma frase curiosa.

 

A primeira parte diz: «O Filho do Homem, quando ele vier» é uma afirmação cheia de certeza.

 

Mas a segunda parte da frase: «irá encontrar fé na terra?», à primeira vista, parece pessimista, mas de facto não é uma dúvida, mas um alerta, um forte apelo à vigilância.

 

Os primeiros cristãos, confrontados com incompreensões e perseguições, começaram a achar que o Reinado de Deus demorava muito a chegar. E foram tentados pelo desânimo.

 

Também eles deviam lembrar-se que Deus queria a sua salvação, e Lucas recorda-lhes, com esta parábola, que Jesus punha em valor a sua perseverança.

 

Os cristãos, quer os do tempo em que Lucas escreveu o seu Evangelho, quer os de hoje, são convidados a não desistir.

Acreditar é, assim, uma recusa a desanimar.

 

A última frase de Jesus: "Quando o Filho do Homem vier, irá encontrar fé sobre a terra?" é uma forte chamada de atenção, válida para todos os cristãos em todos os tempos e todos os lugares, é como se Ele nos dissesse: «Tenham cuidado, pois se não estiverem vigilantes, acabarão por deixar de acreditar.»

 

Esta parábola é uma lição importante sobre a fé.

A última frase faz a pergunta sobre a fé e a primeira frase diz precisamente em que consiste a fé: «Devemos sempre rezar sem nos desencorajarmos», entre as duas partes, o exemplo que nos é proposto por Jesus é o da viúva que é tratada injustamente, mas que não desiste.

 

Jesus sabe bem que, desde a manhã da sua ressurreição até à Sua vinda definitiva no final dos tempos, a fé será sempre um combate contra o desânimo.

 

Não faltarão as «aves de mau agoiro» para semear a dúvida e não faltarão os falsos mestres a alimentar as suspeitas e a criar grandes medos.

Esta espera pelo Reino de Deus presente entre nós, continua a parecer uma interminável expectativa.

 

Estará Deus realmente presente e atuante no meio de nós, com o Seu Amor?

O exemplo desta pobre viúva injustiçada chega-nos em momentos decisivos nas nossas vidas, quando somos tão indigentes e pedintes como ela.

Procuremos ser tão persistentes e corajosos como ela.

 

A viúva teve sempre esperança que iria ser atendida.

Ela teve a certeza, na fé, duma resposta de Deus e duma eficácia escondida, que não seria automática, que muitas vezes demoraria e que podia mesmo demorar muito.

 

Se Deus demora a dar uma resposta, consegue ao mesmo tempo ter-nos mais tempo perto d’Ele.

 

A oração constante é um combate contra o desencorajamento.

 

A perseverança na oração é um grande dom, que devemos pedir a Deus, com insistência e confiança.

 

   frei Eugénio op

 

2022-10-08

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 28º Domingo do Tempo Comum, 9 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 


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Evangelho (Lc. 17,11-19)

Naquele tempo, indo Jesus a caminho de Jerusalém, passava entre a Samaria e a Galileia.
Ao entrar numa povoação, vieram ao seu encontro dez leprosos. Conservando-se a distância,
disseram em alta voz: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!».
Ao vê-los, Jesus disse-lhes: «Ide mostrar-vos aos sacerdotes». E sucedeu que no caminho ficaram limpos da lepra.
Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz,
e prostrou-se de rosto por terra aos pés de Jesus para Lhe agradecer. Era um samaritano.
Jesus, tomando a palavra, disse: «Não foram dez os que ficaram curados? Onde estão os outros nove?
Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?».
E disse ao homem: «Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou».
 
 
DIÁLOGO
 

Esta passagem do Evangelho que acabámos de ler é bem conhecida.

Jesus curou 10 leprosos. Apenas um deles, que era um samaritano, voltou atrás, para lhe agradecer.

Jesus ia a caminho de Jerusalém, onde a sua Paixão estava a aproximar-se e nesta narrativa estava a atravessar a Samaria.

 

Tudo se passou como se Jesus quisesse pôr à prova a fé daqueles 10 homens, que no caminho, dum modo muito discreto, iriam ficar limpos da lepra.

Quem sofria da lepra, que na altura se pensava ser contagiosa pelo simples toque, estava também atingido de impureza religiosa, que impedia o doente de se aproximar doutras pessoas.

O grito “leproso, leproso” que tinham de berrar, marcava de forma dramática a distância que os separava das outras pessoas.

Neste relato de Lucas, os leprosos em vez do grito que a Lei de Moisés impunha, vão gritar chamando Jesus pelo Seu nome que quer dizer “Deus Salvador”.

E pedem-Lhe: “tem compaixão de nós”.

 

Da parte de Jesus, podiam esperar um gesto, como Ele fez noutras ocasiões com leprosos, ou então que dissesse uma palavra que falasse de cura.

Mas Jesus apenas lhes dá a ordem de se irem mostrar aos sacerdotes, como prescrevia a Lei de Moisés, o que significava apenas uma promessa de cura.

 

Numa primeira etapa, a confiança numa simples palavra que ouviram a Jesus foi suficiente para que os 10 homens se pusessem a caminho e viessem a recuperar a saúde.

Também nas nossas vidas, é uma questão de cultivar esta capacidade de confiança com que nascemos...

Só se nos tornarmos como as crianças pequenas, poderemos entender a dinâmica do Reinado de Deus.

 

Ora um deles, ao ver-se curado, em vez de continuar o caminho para ir ao encontro dos sacerdotes que iriam atestar a cura, como Jesus lhes tinha dado ordem, resolveu voltar atrás, glorificando a Deus em alta voz.

A fé que “salva” este homem, vai além da confiança em Jesus que o cura, como aconteceu com os outros nove; manifesta a descoberta que ele faz do segredo pessoal de Jesus, a Sua intimidade com Deus-Pai.

A etapa decisiva da fé, é-nos mostrada por um Samaritano!

E qual é essa etapa?

Não só antecipa, pela confiança, a cura, mas também remova a distância entre ele próprio, o beneficiário da cura, e Jesus, o autor desta cura.

O samaritano passa do benefício recebido para o reconhecimento da pessoa através da qual este benefício é oferecido: Jesus que é O Salvador.

Aquele homem da Samaria torna-se como que o representante dos pagãos (isto é, dos não-judeus), como a maioria de nós-próprios, que ao longo dos tempos virão ao encontro de Jesus.

Nas últimas palavras que Jesus dirige ao samaritano: “levanta-te” aparece em grego no original, com uma palavra que também quer dizer “ressuscita”.

 

Para os outros nove leprosos deste grupo, Jesus é apenas o instrumento da cura, enquanto para ele, o samaritano, Jesus é aquele em quem ele pode acreditar totalmente, ele é o termo da sua fé.

Assim, ele deixa o mundo da cura, com as suas leis, para entrar no mundo livre da relação com o Salvador.

 

O samaritano 'glorifica Deus' ao mesmo tempo que 'dá graças a Jesus'. Para ele, Deus e Jesus estão fundidos:

eles estão unidos, numa mesma ação de graças.

É por isso que, nas palavras gregas de Lucas, se todos os dez estão "curados", apenas um está "salvo".

 

Este samaritano vai colocar-se "aos pés de Jesus".

Todas as distâncias são abolidas.

Apenas aquele que estava mais afastado (o estrangeiro) saberá fazer-se verdadeiramente próximo.

Como na parábola do Bom Samaritano!

É ele que vai além da proibição da Lei, uma vez que chega a Jesus antes mesmo de os sacerdotes terem confirmado a sua cura.

E Jesus vai "levantar" este homem que está prostrado diante dele.

 

Através da sua fé, o samaritano não só recuperou a sua saúde, mas também a verdadeira vida, a salvação de Deus reconhecida na pessoa do homem-Jesus que o pôs de novo de pé.

 

É tão humano simplesmente gritar a nossa angústia a Deus, mesmo que nem Deus nem Jesus sejam referidos.

Em cada ser humano surge um protesto contra o mal.

Deus ouve este grito, é como se fosse a primeira etapa da fé.

 

O escritor jesuíta Tony de Mello disse muitas vezes que não se pode estar muito agradecido e infeliz ao mesmo tempo.

Há tanto para agradecermos, e tantas graças para recordarmos!

Precisamos de tornar vivas em nós, de tempos a tempos, as bênçãos recebidas e de renovarmos a nossa gratidão por as termos recebido.

 

Jesus diz-nos o quanto quer que o ser humano seja um "ser humano de pé".

 

Seguindo este samaritano, deixemos que a palavra de Deus trabalhe em nós e através de nós,

para nos tornarmos mulheres e homens verdadeiramente livres, quaisquer que sejam as circunstâncias ou provações da vida.

 

 frei Eugénio, op