«Muita coisa já foi dita sobre elas. Que foram tiradas do contexto. Que, no essencial, o que o Papa defendeu foi o diálogo entre religiões e, sobretudo, o diálogo entre religião e razão. Que a reacção da chamada "rua árabe" é, em primeiro lugar, o resultado da manipulação dos extremistas radicais, mais do que outra coisa qualquer. Sabemos tudo isto, como sabemos que as nossas sociedades abertas não podem ficar à mercê da chantagem dos seus mais ferozes inimigos.
Mas sabemos também que o Papa não é um académico, nem um jornalista. Como sabemos que, na era da globalização, as palavras e os acontecimentos tornam-se instantaneamente mundiais e que não há filtros nem distâncias que possam atenuar ou interpretar o seu significado.
São estas as regras do jogo, das quais, aliás, João Paulo II tirou sempre o melhor partido, apresentando ao mundo a sua face aberta para os outros e transformando pequenos gestos simbólicos como a visita a uma mesquita de Damasco em mensagens de alcance global.
Bento XVI não é João Paulo II. Mas não poderia ignorar o destino mais do que provável das suas palavras, fosse qual fosse o contexto em que as pronunciou.
É, pois, legítimo perguntar se este Papa quer redefinir os termos do diálogo com o Islão estabelecidos pelo seu antecessor. E isso é tanto mais importante quanto a relação entre cristianismo e islamismo podem ser para o seu pontificado o que foi o confronto ideológico entre democracia e comunismo para o do seu antecessor. O que já sabemos do cardeal Ratzinger é que se pronunciou várias vezes contra a adesão da Turquia, argumentando que a Turquia pertence a uma esfera cultural diferente.
Do Papa sabemos que, na sua aula da Universidade alemã de Ratisbona, voltou a fazer a defesa veemente do cristianismo como "o criador" da Europa e a sua qualidade racional como o fruto da helenização da Europa. O que sabemos também de Bento XVII é que decidiu visitar a Turquia (no próximo mês de Novembro), num gesto até agora inédito mas ao qual as suas palavras de Ratisbona vieram criar um novo e particular contexto.
A Turquia tem lugar na Europa porque o projecto de integração europeia assenta na comunhão dos mesmos valores políticos da democracia, na mesma crença na universalidade dos direitos humanos, na liberdade e na tolerância. Independentemente da religião, ou da etnia ou da nacionalidade. Que lugar lhe vai atribuir o Papa? »
Vale a pena ler este texto de opinião da Teresa de Sousa, no Público de hoje (sem link).