2024-08-31

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXII Domingo do Tempo Comum, 1 de setembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em agosto de 2021)

 

 

 

EVANGELHO   Mc 7,1-8, 14-15, 21-23

Naquele tempo, reuniu-se à volta de Jesus um grupo de fariseus e alguns escribas

que tinham vindo de Jerusalém.

Viram que alguns dos discípulos de Jesus comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar.

Na verdade, os fariseus e os judeus em geral

não comem sem ter lavado cuidadosamente as mãos, conforme a tradição dos antigos.

Ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se terem lavado.

E seguem muitos outros costumes a que se prenderam por tradição,

como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre.

Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus:

«Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?»

Jesus respondeu-lhes:

«Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito:

‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim.

É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’.

Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens».

Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão e começou a dizer-lhe:

«Escutai-Me e procurai compreender. Não há nada fora do homem

que ao entrar nele o possa tornar impuro.

O que sai do homem é que o torna impuro; porque do interior do homem é que saem as más intenções:

imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez.

Todos estes vícios saem do interior do homem e são eles que o tornam impuro».


 

DIÁLOGO

A passagem do Evangelho que acabamos de ler, começa com uma discussão de Jesus com as autoridades da época (fariseus e escribas) sobre a lavagem das mãos antes das refeições.

Para os judeus do tempo de Jesus, a lavagem não era uma prática sanitária, uma questão de higiene, mas uma norma religiosa que não podia deixar de ser cumprida

Quando dizemos «pureza», «puro», queremos referir-nos ao que contrasta com «sujo», «infestado», «manchado», «poluído».

Todas estas situações se referem a diversos ambientes do mundo físico.

Fala-se, por exemplo, de um «caminho imundo», de «ar poluído» , de «casa infestada».

Mas a discussão de Jesus, não foi sobre a higiene, mas sobre a noção de pureza ritual. Esta noção é bastante difícil de compreender, pois não tem a ver com a sujidade, nem com a falta de limpeza.

A maioria dos rituais de purificação existiam muito antes que se soubesse que os micróbios causam doenças.

Além disso, mesmo as pessoas que são exigentes com a limpeza pessoal e dos objetos, também elas têm de praticar esses ritos.

A chamada pureza ritual é a condição em que as pessoas devem estar para poderem participar em determinados atos religiosos, especialmente os de adoração duma divindade.

As condições para se considerar que se está apto para pratica do culto variam de religião para religião.

Uma grande parte dessas impurezas podem, no entanto, ser purificadas através dos chamados ritos de purificação sobretudo em relação com a água, mas também com rituais mais elaborados.

Alguns exemplos: Dentro do Budismo japonês, uma bacia chamada de «tsukubai» é fornecida à entrada dos templos para que os crentes façam abluções. Também é usado para a cerimónia do chá.

No Hinduísmo, uma parte importante da purificação ritual é o banho de todo o corpo, especialmente em rios considerados sagrados como o Ganges.

No Judaísmo e no Islão as leis da pureza ritual dizem respeito a alimentos, a líquidos, a roupas e utensílios e a pessoas contactadas pelos crentes.

No Cristianismo, encontramos variados costumes e tradições, segundo as épocas e as zonas do mundo.

Lembro apenas as mães que davam à luz um filho, não podiam participar nos batismos dos filhos.

A não-participação em algumas missas dominicais, impedia os fiéis de participar na comunhão nas Eucaristias seguintes.

As mulheres sem um véu na cabeça não podiam entrar numa igreja e ainda menos participar numa Eucaristia ou cerimónia litúrgica.

Uma das principais barreiras do relacionamento entre judeus e os não-judeus (os chamados «pagãos») eram precisamente as normas sobre o «puro» e o «impuro».

Jesus vai proclamar de modo claro:” Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro.”

Nenhuma sujidade «material» pode tornar o homem impuro no sentido moral, ou seja, interior.

A pureza moral tem a sua fonte exclusiva no interior do homem: provém do «coração».

Já os profetas, os sábios e os salmistas, proclamavam que os rituais de purificação e as cerimónias no Templo não podiam obter a pureza moral.

Não se deve colocar ao mesmo nível, o que é secundário, neste caso, as tradições humanas, com o que é essencial na vida moral: fazer a Vontade de Deus, pôr em prática o que Ele quer, para o bem de todas as pessoas e da criação inteira.

Em vez de centrarmos as nossas energias para nos deixarmos abrir ao que Deus quer, que podemos conhecer pela sua Palavra, sobretudo graças a Jesus, virámo-nos para nós próprios, procurando fazer determinados gestos e rituais religiosos, ficando satisfeitos por os termos concretizado bem.

Esta auto-satisfação nos rituais bem cumpridos, leva-nos também a olharmos com certa superioridade para os que não os cumprem.

Ora o ensinamento de Jesus, orienta-nos para a purificação do nosso interior, através do nosso modo de amar ou desamar o próximo, como Jesus viveu e ensinou.

Como o apóstolo Tiago dirá mais tarde: "Diante de Deus nosso Pai, a forma pura e irrepreensível de praticar a religião é ajudar os órfãos e as viúvas na sua aflição, e mantermo-nos livres da corrupção no meio do mundo" (Tiago 1, 27).

Jesus propõe-nos que despertemos a nossa consciência, para fazermos discernimentos mais conformes com o Seu Evangelho

Demasiadas vezes, deixámo-lo adormecer.

Agimos, sem nos interrogarmos sobre as nossas intenções, nem sobre as consequências para os outros e para nós mesmos, dos nossos atos.

Jesus mostra-nos que no centro da moralidade evangélica está a consciência, que se deve deixar iluminar e guiar pela sua confiança em Jesus e pelo Evangelho.

Jesus quer que atuemos com liberdade interior, por nós próprios, levando a sério as nossas responsabilidades.

Claro que frequentemente não conseguimos agir como Jesus teria feito no nosso lugar. Há todo um caminho de vida a ser feito, há falhas, há erros, há desamor, mas o que conta é procurarmos sempre que a consciência seja iluminada pela Palavra de Deus e que coloquemos nela o nosso coração.

frei Eugénio, op (2021.08.29)


2024-08-25

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XXI Domingo do Tempo Comum, 25 de agosto, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em agosto de 2021)

 

 

Evangelho (Jo. 6, 60-69)

Naquele tempo, muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:

«Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?»

Jesus, conhecendo interiormente

que os discípulos murmuravam por causa disso, perguntou-lhes: 

«Isto escandaliza-vos?

E se virdes o Filho do homem

subir para onde estava anteriormente?

O espírito é que dá vida, a carne não serve de nada.

As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.

Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».

Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,

quais eram os que não acreditavam

e quem era aquele que O havia de entregar.

E acrescentou:

«Por isso é que vos disse: Ninguém pode vir a Mim, se não lhe for concedido por meu Pai».

A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele.

Jesus disse aos Doze:

«Também vós quereis ir embora?»

Respondeu-Lhe Simão Pedro: «Para quem iremos, Senhor?

Tu tens palavras de vida eterna.

Nós acreditamos e sabemos que Tu és o Santo de Deus».


 

DIÁLOGO

A página do Evangelho de São João que lemos, começa com muitos dos que seguiam Jesus a dizer: «Estas palavras são duras. Quem pode escutá-las?»

A partir de então muitos dos que desejavam ser discípulos de Jesus afastaram-se e não andaram mais com Ele.

Quais seriam essas palavras que Jesus lhes disse que eram tão insuportáveis?

Jesus disse-lhes que Ele era o “pão que desceu do Céu” e que “quem comer a minha carne e beber o seu sangue, permanece em mim e eu nele”.

Estes ensinamentos, se forem entendidos à letra como sendo ‘comer a carne e beber o sangue de uma pessoa humana’ e de ser ‘pão que desceu do Céu são, de facto, incompreensíveis e demasiado difíceis de serem aceites.

Jesus não explica como se tornará carne e sangue, longe disso, e até acrescenta o anúncio da sua ressurreição: "E quando virdes o Filho do Homem subir para onde antes estava?»

João apresenta as reações dizendo simplesmente: “A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se e já não andavam com Ele.”.

O texto grego, à letra, diz: “voltaram para trás”, preferindo voltar ao que conheciam e praticavam antes de ouvirem a pregação de Jesus.

Jesus faz então aos discípulos uma pergunta muito direta: «Também vós quereis ir embora?»

É uma pergunta clara, um pouco como a de um marido que pergunta à sua mulher, ou uma mulher que pergunta ao seu marido: «Amas-me como eu sou, confias em mim?»

Não esperam por explicações, mas pedem apenas um «sim» ou um «não», quer seja expresso por uma palavra, um gesto ou um olhar.

O que importa é ter uma resposta clara. Se a resposta é "sim" é a confiança do outro que é manifestada claramente.

João não indica qual foi o sentimento de Jesus ao ver a debandada dos que o seguiam. O evangelista apenas nos diz que Jesus sabia que alguns discípulos tinham falta de fé e que alguém o iria trair.

É verdade, que Jesus disse aos discípulos, que eles só poderiam vir ter com Ele com a ajuda da graça de Deus.

Mas, podemos pensar: será que Jesus contava que tantos o iriam abandonar e que a multidão iria ficar reduzida apenas a doze?

 Talvez consigamos imaginar a expressão do seu rosto e o seu tom de voz quando perguntou aos apóstolos: «Também vós quereis ir embora?»

 Em todo o Evangelho de João, este é, provavelmente, um dos momentos em que Jesus esteve mais fragilizado.

Assim, São Pedro e os apóstolos quiseram ficar com Jesus, porque tinham total confiança n’Ele.

Os 12 apóstolos, mesmo não tendo compreendido muitos dos ensinamentos e das atitudes de Jesus, confiaram. Abriram-se ao invisível, ao que não compreendiam.

Eles não olhavam para si próprios.

Os seus olhares eram inspirados pelas palavras, ações e atitudes de Jesus, que manifestavam a Vontade de Deus: "Tu tens palavras da vida eterna".

Os apóstolos, pela fé, veem Jesus, homem como eles, a quem podem tocar e com quem comem, como sendo “o Santo de Deus", o Messias Salvador.

O que significa permanecer com Jesus?

Significa que queremos ficar com ele, mesmo quando temos surpresas com que não contávamos, ou temos de seguir caminhos desconhecidos.

São riscos a correr por quem decide ficar com Jesus.

Não se confia em alguém da mesma maneira quando se tem 15, 40 ou 60 anos. Ao longo da vida, temos de ir fazendo novas escolhas.

É como nos casais, onde os dois têm de renovar cada dia os seus «sins », se querem continuar juntos.

Temos de recomeçar cada dia os nossos compromissos.

O que se passou com Jesus e os discípulos naquele tempo do relato do Evangelho, antecipa e anuncia todas as situações de crise, de grandes mudanças, quer na vida pessoal, quer nas comunidades cristãs, quer na Igreja, que são dolorosas, mas que nos põem diante de escolhas a fazer, para permanecermos fiéis a opções tomadas.

Estejamos nós prontos a responder, com uma escolha livre e meditada, à pergunta que Jesus Ressuscitado nos continua a fazer:

«Também vós quereis ir embora?»

Que a nossa resposta possa ser «Para quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.”

E assim, vamos renovando o nosso compromisso pessoal e público com Jesus e o Reinado de Deus, tendo os nossos corações cheios de rostos fraternos.

        frei Eugénio, op (22.08.2021)


2024-08-11

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XIX Domingo do Tempo Comum, 11 de agosto, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em agosto de 2021)

 

 

 Evangelho (Jo. 6, 41-51)

Naquele tempo, os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito: «Eu sou o pão que desceu do Céu».
E diziam: «Não é Ele Jesus, o filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: "Eu desci do Céu"?».
Jesus respondeu-lhes: «Não murmureis entre vós.
Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
Está escrito no livro dos Profetas: "Serão todos instruídos por Deus". Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino vem a Mim.
Não porque alguém tenha visto o Pai; só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita tem a vida eterna.
Eu sou o pão da vida.
No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
Mas este pão é o que desce do Céu, para que não morra quem dele comer.
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo».
 

DIÁLOGO

Quando Jesus disse: "Eu sou o pão que desceu do céu", os seus ouvintes compreenderam o suficiente para não o rotularem de louco, por afirmar ser "pão da vida", mas vão distanciar-se e mesmo opor-se, por causa da afirmação «que desceu do Céu», o que queria dizer que Ele se considerava o Enviado de Deus.

 

Ser “pão da vida” quer dizer que é a Pessoa mesmo de Jesus que nos pode fazer viver para sempre, porque Ele é a Palavra de Deus tornada humana.

 

Jesus é Aquele que recebe tudo de Seu Pai: a sua missão, as suas obras, as suas palavras, até mesmo os seus discípulos.

 

Se Jesus é o único que revela completamente Deus, é porque é o único que conhece perfeitamente Deus-Pai.

 

Na ocasião da sua vida, em que Jesus fez esta pregação, estava a encontrar um ambiente de cada vez maior hostilidade e agressividade da parte das autoridades religiosas e políticas, a que o evangelista João chama “judeus”. Não se refere a todo o povo hebreu, mas somente às autoridades de Jerusalém que tinham tomado posição contra Jesus, até conseguirem que Ele fosse condenado à morte por crucifixão.

 

De modo mais amplo, o evangelista quer referir-se a todos os que recusaram acolher e escutar Jesus.

Os “judeus” falavam do pai de Jesus, José. Mas Jesus falava do seu verdadeiro Pai. Por sua vez, é o Pai que leva as pessoas até Jesus, para que elas reconheçam que Ele é o alimento que desceu do Céu.

 

As autoridades estavam firmemente convencidas que ninguém que eles conhecessem com origens tão humildes como as de Jesus, pudesse ser o Messias de Deus. Recusavam-se a acreditar que Jesus, um homem demasiado conhecido em Nazaré, pudesse ser o Enviado de Deus.

Ao mesmo tempo, nessa recusa, também negavam que Deus se pudesse preocupar com eles e que tivesse a iniciativa de revelar algo de novo sobre Ele e o Seu Projeto para o mundo.

 

Lamentavelmente, as pessoas a quem Jesus se dirigiu em Cafarnaum, contentaram-se com “murmurações”, isto é, falar mal de alguém, sem falar diretamente a essa pessoa, num EU-TU, que permita respeito mútuo, mesmo na discordância.

Jesus vai interpelá-los, para que eles deixem a «murmuração» e se decidam a dialogar com Ele acerca dos argumentos em que baseiam a sua oposição. Se o fizessem, poderiam pôr-se em questão e abrir-se ao Enviado de Deus.

 

E a nós, leitores do Evangelho neste tempo em que vivemos, a que é que Jesus nos convida?

Parece-me que antes de mais, Jesus está a desafiar-nos a reconhecermos quanto as nossas «murmurações», com queixas e críticas frequentes sobre o que se passa de mal, podem tornar-se num obstáculo para ouvirmos e acolhermos os convites que Deus nos vai dirigindo, através de pessoas e de acontecimentos.

Murmurar é mais fácil do que acreditar e rezar.

 

Se acreditamos que o Pai de Jesus é também nosso Pai, «Abba», Pai querido, e se acreditamos que Jesus é o Seu Enviado, que veio de junto do Pai, e que nos deixou o Seu Espírito, é a Ele que diretamente que nos podemos dirigir.

Quer nas nossas lágrimas e provações, quer nas situações que nos chegam de mais perto ou de mais longe, com tantos dramas humanos, é a Jesus que nos podemos dirigir, num EU-TU, interpelando-O e questionando-O sobre o que se passa e nos indigna e faz sofrer tantas pessoas, quer fazendo os possíveis por O escutar, com confiança, para acolhermos os seus apelos à nossa colaboração com Ele.

 

A última frase desta passagem do Evangelho é surpreendente:

“E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo”.

A “carne” de que Jesus fala aqui não é o seu organismo biológico, é toda a sua Pessoa que vive e age através dos seus atos e palavras.

E “comer”, deve ser entendido no seu significado simbólico:

Jesus quer permanecer em nós e nós com Ele (Jo 6,56).

É esta inimaginável intimidade que nos é oferecida, na fé.

 

Deus, no Seu Amor por nós, não desiste de nós. Podemos mesmo dizer, que Deus já não pode viver sem nós!

 

 frei Eugénio, op (07.08.2021)

2024-08-04

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XVIII Domingo do Tempo Comum, 4 de agosto, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em julho de 2021)

 

 

EVANGELHO  (Jo. 6, 24-35)  

Naquele tempo,
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes sinais,
mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
mas pelo alimento que dura até à vida eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?».
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que sinal realizas,
para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
Que obra fazes?
No deserto os nossos pais comeram o maná,
conforme está escrito:
‘Deu-lhes a comer um pão que veio do Céu’».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá sede».
Palavra da salvação
 
DIÁLOGO


No diálogo, que acabámos de ler entre Jesus e o povo que o seguia, há a referência ao que aconteceu ao povo judeu na travessia do deserto do Sinai, no êxodo a partir do Egipto, onde os judeus eram escravos, para a Palestina, a terra prometida por Deus.


Durante esse êxodo, o povo, com frequência, fazia reclamações a Deus, através de Moisés. Deus, para minimizar essas queixas, respondia com a oferta diária do “maná”.
O que é o “maná”? 

O “maná” é uma segregação granulosa e aguada, do tamanho de sementes de coentros, de cor branca e com sabor a mel. É produzido   por uma planta quando é picada por um inseto, que naquela época existia desde o Irão até ao Norte de África, incluindo a península do Sinai.
O maná é uma substância muito nutritiva, que permitiu àquele povo alimentar-se e sobreviver durante os longos anos da travessia do deserto.
Muitas vezes este alimento não era reconhecido como uma manifestação do cuidado de Deus pelo Seu povo e um gesto concreto da Sua Providência. 

No Evangelho que lemos, as pessoas que procuravam Jesus e que iam ter com Ele, estavam motivadas pelas necessidades básicas da vida, sobretudo alimentação e saúde.
Como eles, também nós, preferimos o pão, que nos faz viver, sentimo-lo na boca, saboreamo-lo, é concreto e imediato.
Ao passo que Deus e a vida eterna, são frequentemente ideias, que podem vir ou partir, mas que pouca influência têm na vida do dia-a-dia.
Jesus tinha clara consciência que esta ânsia das pessoas em irem ao encontro d’Ele era motivada pela oferta tão generosa e gratuita de pão e de peixe, do dia anterior.

Diante dessas pessoas, Jesus anuncia a sua pretensão fundamental: assim como Eu saciei num só dia a vossa fome do corpo, também posso preencher as profundidades da vossa vida.
Estabelece-se então um diálogo em dois planos diferentes. Perguntam; qual é a obra de Deus?
Mas que coisa, especificamente, dá o Deus de Jesus?
Nada entre as coisas ou os bens de consumo: «Ele não pode dar menos do que dar-se a Si Mesmo.

Mas, dando-se a Si Mesmo, dá-nos tudo» disse Catarina de Sena, na sua sabedoria inspirada.
O dom de Deus é o próprio Deus que se dá.
Jesus responde, apresentando-se Ele próprio como sendo o rosto amigo de Deus.
Jesus declara que é Ele o “Pão da Vida” e que quem for ao seu encontro nunca mais terá fome.


É Ele, só Ele, que dará "o alimento que permanece na vida eterna".
O «Pão da Vida» vem dar vida não só aos hebreus, como aconteceu no deserto, mas às pessoas do mundo inteiro, ou seja, a toda a humanidade. Uma promessa de proporções prodigiosas!
Jesus tinha partilhado os pães com a multidão entusiasmada, que só queria  a repetição do milagre. 

Agora, Jesus revela que o autêntico dom de Deus é o próprio Doador, o enviado de Deus ao mundo, a quem devemos responder, estando onde Ele está, partilhando com Ele a nossa própria vida, «onde quer que Ele vá».
Devemos procurá-lo por Si Próprio, irmos ter com Ele e pormos toda a nossa confiança n’Ele. 

A obra de Deus é uma corrente de amor que entra em cada um de nós e faz florescer as raízes de cada ser humano, para que se torne, como Ele, dador de vida.

No coração da fé está a firme confiança de que a obra de Deus é Jesus: rosto luminoso de ser humano, livre como ninguém, curador do desamor, que vem ao nosso encontro para que nos tornemos no melhor daquilo que podemos ser.

O trabalho da fé em Jesus, é o trabalho da confiança em Jesus, que nos pode transformar por dentro, se nós O deixarmos.
Não é tanto “o que devo fazer”, mas “o que devo deixar fazer em mim” pelo Espírito de Jesus.

Poderíamos dizer que “o trabalho a fazer” é deixarmos que ”Jesus nos trabalhe e nos transforme”.
 
       frei Eugénio, op
(01.08.2021)