2020-09-06

Diálogo com o Evangelho

 Diálogo com o evangelho deste Domingo, 6 de setembro, 23º do tempo comum, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.






Evangelho segundo São Mateus (18, 15-20)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganhado o teu irmão.
Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas.
Mas, se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja; e se também não der ouvidos à Igreja, considera-o como um pagão ou um publicano.
Em verdade vos digo: tudo o que ligardes na Terra, será ligado no Céu; e tudo o que desligardes na Terra, será desligado no Céu.
Digo-vos ainda: se dois de vós se unirem na Terra para pedirem qualquer coisa, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos Céus.
Na verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles». 

DIÁLOGO 
Caros Leitores
Para que a nossa vida em comunidade se desenvolva duma forma positiva deve haver momentos em que é preciso dizer “isso não está bem” ou “não fizeste bem”.
Mas  sabemos por experiência, que os momentos de correcção não são fáceis.
Da parte de quem procura corrigir, tem de haver amor e sentido de justiça. A correção não deve ser vista como uma crítica ou um castigo, mas como um convite a que haja uma mudança para melhor.
Da parte de quem recebe uma correcção, tem de haver reconhecimento do que se fez de mal ou de errado e de querer melhorar, interiormente e livremente.
O ensinamento de Jesus neste relato do Evangelho, diz respeito sobretudo a situações das comunidades cristãs de todos os tipos, desde famílias, a grupos, escolas, movimentos, paróquias, até dioceses ou conferências episcopais.
O primeiro passo do caminho que Jesus nos propõe é o de nos
dirigirmos directamente a quem  queremos ajudar. É preciso saber escolher o momento propicio, sem  humilhar o outro..
É sempre mais fácil descarregar a nossa natural irritação diante do erro ou do mal, mas isso não ajuda ninguém a melhorar.
O objectivo da correcção, como diz o Evangelho, é de “ganhar o irmão”, é de conseguir que ele reconheça onde está o mal, se arrependa sinceramente e queira livremente corrigir os comportamentos errados.
Para evitar juízos precipitados ou avaliações erradas, se o primeiro passo não resultar, Jesus propõe que se peça ajuda a mais uma ou duas pessoas e ver se assim conseguem que aquele que está a receber a correcção reconheça a razão que lhe é apresentada para mudar de comportamento e queira livremente mudar.
Mas pode acontecer que, apesar destas tentativas, a pessoa não queira mudar e persista no erro.
Então Jesus faz uma proposta que certamente nos pode chocar:
“considera-o como um pagão ou um publicano.”
No contexto religioso e cultural da primeira geração cristã vinda do judaísmo , tratar alguém “como um pagão ou um publicano” correspondia a considerá-lo como não fazendo mais parte da comunidade.
Seria como dizer: “como não quiseste mudar, ficas excluído da nossa comunidade ” ou  “nós excomungamos-te !”
É, no entanto, interessante notar que o evangelista Mateus tinha a profissão de publicano, isto é de cobrador de impostos, e que Jesus se abeirou dele, o chamou e isso mudou completamente a vida dele.
Jesus era criticado por ser “aquele que acolhia e procurava os pagãos e os publicanos” e conhecemos os grandes elogios que Jesus fez à fé da mulher cananéia e dos centuriões romanos e como foi a casa do Zaqueu que tambem era publicano.

Jesus, nos seus ensinamentos e atitudes, procurava que as pessoas mudassem para melhor, corrigindo as faltas de amor ao próximo e o mal que faziam.
Jesus não fechava  a porta a ninguém, mantinha sempre a porta aberta,
esperando que o outro quisesse entrar.
Quem procura corrigir os outros deve rezar, pedindo  sabedoria, misericórdia e paciência.
Também não se pode considerar melhor ou superior aos que corrige, tendo presente que a sua vez de ser corrigido também chegará.
Infelizmente, ao longo dos tempos, entre os cristãos com responsabilidades  na Igreja,  a exclusão e a excomunhão têm sido bastante usadas, contrariamente à misericórdia de Jesus.
Para nos ajudar a nos deixarmos corrigir em comunidade, Jesus faz uma promessa de grandíssimo valor:
“ onde estão dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles».
Assim, Jesus dá-nos a garantia da sua presença viva.
Uma presença que abre caminhos, que nos apoia e que aumenta a nossa fé no Amor de Deus por nós
Com Jesus, procuremos, em comum, deixarmo-nos corrigir e assim melhorar este mundo em que vivemos.

 
frei Eugénio



2020-08-28

Diálogo com o Evangelho

 Diálogo com o evangelho deste Domingo, 30 de agosto, 22º do tempo comum, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.




Evangelho segundo São Mateus (16, 21-27)

Naquele tempo, Jesus começou a explicar aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas; que tinha de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia.
Pedro, tomando-O à parte, começou a contestá-lo, dizendo: «Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há de acontecer!».
Jesus voltou-Se para Pedro e disse-lhe: «Vai-te daqui, Satanás. Tu és para mim uma ocasião de escândalo, pois não tens em vista as coisas de Deus, mas dos homens».
Jesus disse então aos seus discípulos: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.
Pois quem quiser salvar a sua vida há de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la.
Na verdade, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Que poderá dar o homem em troca da sua vida?
O Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então dará a cada um segundo as suas obras».


DIÁLOGO DO FREI EUGÉNIO


No relato do evangelho do Domingo passado Jesus elogiou Simão pela descoberta que tinha feito de que Jesus era o Salvador e Filho de Deus.
Até lhe mudou o nome para Pedro e manifestou-lhe uma grande confiança, dando-lhe uma missão central entre os apóstolos.


Como é possível que logo na continuação, no relato de hoje, Jesus se dirige a Pedro num tom tão zangado a ponto de lhe chamar “Satanás” e de lhe dizer para se afastar dele? «Vai-te daqui, Satanás. Tu és para mim uma ocasião de escândalo”.
O que é que Pedro terá feito?
 

O Evangelho até apresenta Pedro a falar com Jesus dum modo amigo, procurando afastá-lo do caminho de oposições e de grande sofrimento e do final trágico de que Jesus começava a falar abertamente.
«Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há-de acontecer!» diz Pedro com uma convicção amiga. 


Jesus chama então a Pedro Satanás e ele entende a quem Jesus o está a comparar: é ao Adversário de Deus, desde o começo da humanidade, cheio de astúcias e artimanhas, para afastar os seres humanos de Deus e da Sua Vontade.
Na tradição bíblica também é chamado Demónio ou Diabo, Pai da Mentira. Ele tem a arte de seduzir, apresentando o mal como sendo o Bem, o desamor como sendo o Amor.
E nós?


Alguns dos leitores dirão que o Satanás não existe como criatura e que é apenas o nome dado à origem do Mal.
Mas, sem entrarmos numa discussão filosófica, há uma realidade,  com a qual nos deparamos, quer no dia-a-dia, quer em momentos em que temos de tomar importantes decisões: a tentação.
A tentação aparece como a alternativa entre um Bem reconhecido e um Mal que nos atrai, que nos trará maior satisfação. A nossa consciência é posta à prova.
E qual é a arte de Satanás? 

É apresentar-nos um Mal como sendo um Bem; é seduzir-nos, mascarando habilmente o Mal, que  fica irreconhecível e, como tal,  nos atrai como sendo um Bem melhor, um Super-Bem.
 

Por exemplo: numa família há uma questão de grandes dívidas que é posta em tribunal. Os membros da família que perderam a causa resolvem cortar completamente as relações com a outra parte da família e a situação já se arrasta por três gerações. Esta atitude é tomada em nome dos valores da honra, dignidade e respeito que se merece.
Não reconhecem que é uma vingança.
 

Alguém tem de testemunhar em tribunal em defesa dum amigo e, para isso, apresenta documentos falsificados. O seu testemunho é decisivo. Foi em nome da grande amizade que fez tudo para salvar o amigo -  uma atitude de louvar e o amigo fica muito grato.
Não reconhecem que usar documentação falsa é um crime.
 

Pedro, o companheiro em quem Jesus pôs a sua confiança, com muita amizade, quer convencer Jesus a tomar decisões que O iriam afastar  do que Deus lhe inspirava.
Pedro não “tinha em vista as coisas de Deus, mas as dos homens” .
 

Jesus que já tinha vencido no deserto as seduções de Satanás, quer agora que Pedro e os seus discípulos estejam atentos às astúcias e artimanhas do Sedutor, para que tenham  lucidez para as identificar e  força para seguirem o caminho do verdadeiro Bem.

2020-08-21

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o evangelho deste Domingo, 23 de agosto, 21º do tempo comum, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.





Evangelho segundo São Mateus (16, 13-20)

Naquele tempo, Jesus foi para os lados de Cesareia de Filipe e perguntou aos seus discípulos:
«Quem dizem os homens que é o Filho do homem?
»

Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas».
Jesus perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse:
«Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo».
Jesus respondeu-lhe: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».
Então, Jesus ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que Ele era o Messias.


Aqui fica o texto do Diálogo do Frei Eugénio:


DIÁLOGO
Neste relato do Evangelho, Jesus interroga os discípulos sobre o que é que a população judaica pensava sobre quem seria o «Filho do Homem», título usado para designar o Messias prometido, o Salvador que deveria libertar para sempre o povo com quem Deus tinha feito uma Aliança. E os apóstolos dão-lhe as opiniões mais frequentes.

Mas, de facto, o que mais interessava a Jesus era o que os seus seguidores e colaboradores mais próximos iriam responder à pergunta : «E vós, quem dizeis que Eu sou?».


A maior parte de nós, provavelmente começaria por dizer : «penso que és…» ou «parece-me que és…» ou «tenho que pensar antes de responder…».


Não nos seria fácil  responder a esta pergunta tão directa, posta pelo próprio Jesus, e que implicaria verdade e transparência: «Tu, Jesus, para mim és…».
Simão, adiantando-se aos outros discípulos, respondeu «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo».
Simão responde a Jesus manifestando a sua convicção que é Ele o Salvador anunciado e esperado, o Cristo de Deus.
Diz-lhe também que o reconhece como a pessoa mais próxima e íntima de Deus, « Filho de Deus », que vem revelar quem Ele é, e o que Ele quer para a humanidade e para a  criação.

Jesus felicita Simão pela sua resposta, e lembra-lhe que foi o próprio Deus que permitiu que ele fizesse essa descoberta de quem Ele era.
Esta descoberta é de tal forma importante que tem por efeito transformar a pessoa e a sua orientação de vida.


Na Bíblia essa transformação é simbolicamente apresentada como uma mudança de nome: Abrão para Abraão, Saulo para Paulo, entre outros.
Jesus muda o nome de Simão para Pedro e dá-lhe uma missão em conjunto com os outros onze apóstolos. Mas esta pergunta de Jesus: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» continua a ser feita ao longo dos séculos…
Que ela tenha eco em cada um de nós …

Procuremos e saibamos saborear ocasiões de oração, diálogo e meditação, em confiança e liberdade, em que reflectimos sobre quem é Jesus para nós e quem gostaríamos que fosse.
O próprio Jesus nos acompanhará nesse caminho.
Jesus não precisava de nos perguntar quem Ele é para nós, porque Ele sabe o que vai no nosso íntimo. Nós é que muitas vezes não sabemos.
Mas procurando responder, podemos, de facto,  aproximar-nos mais de quem Ele é.
Uma   vez que a resposta é importante para nós próprios, devemos ser o mais verdadeiros possível.
Jesus espera a nossa resposta.

2020-08-13

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o evangelho deste Domingo, 16 de agosto, 20º do tempo comum, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.





Evangelho segundo São Mateus (15, 21-28)

Naquele tempo, Jesus retirou-Se para os lados de Tiro e Sidónia.

Então, uma mulher cananeia, vinda daqueles arredores, começou a gritar: «Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim.

Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio».

Mas Jesus não lhe respondeu uma palavra.

Os discípulos aproximaram-se e pediram-Lhe: «Atende-a, porque ela vem a gritar atrás de nós».

Jesus respondeu: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel».

Mas a mulher veio prostrar-se diante d’Ele, dizendo: «Socorre-me, Senhor».

Ele respondeu: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos».

Mas ela insistiu: «É verdade, Senhor;  mas também os cachorrinhos

comem das migalhas que caem da mesa de seus donos».

Então Jesus respondeu-lhe: «Mulher, é grande a tua fé.  Faça-se como desejas».

E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada.


Aqui fica o texto do Diálogo do Frei Eugénio:


Provavelmente nunca tinham pensado, como eu também não, o que devemos a esta mulher da Cananéia, terra pagã já fora do reino onde os judeus viviam (este território situa-se no Líbano dos nossos dias).

A narrativa do Evangelho põe em relevo a coragem e a persistência que ela teve até conseguir que Jesus curasse a sua filha, apesar de não pertencer ao povo judeu, o povo da Aliança.

Podemos pedir a esta  mulher que nos ensine  como fazer para deitar abaixo as estruturas sociais, mentais e religiosas que criam separações e divisões, que se podem tornar intoleráveis.

A primeira coisa que ela nos pode ensinar é a atitude humilde, mas corajosa como se dirigiu a Jesus, mais conhecido como um simples carpinteiro, chamando-o  pelos títulos messiânicos de “Senhor” e “Filho de David”, inspirada por uma fé inexplicável.

Mas Jesus começa por a ignorar e não  lhe dirigiu nem uma palavra.

A maioria das pessoas, depois dessa atitude tão distante e indiferente de Jesus, teria desistido e aceitaria nada ter conseguido.

Mas isso não aconteceu com esta mãe cananéia.

Em vez disso, ela intensifica os seus esforços e continua a gritar pedindo socorro, ao ponto de os discípulos irem pedir a Jesus que fizesse alguma coisa para acabar com aquela  gritaria atrás deles.

A mudança de atitude que se operou em Jesus, ao atender a cananéia, irá ter uma grande importância na pregação e prática dos primeiros cristãos: primeiro que tudo, contribuiu para derrubar a separação que existia  nos começos do cristianismo entre os cristãos de origem judaica, que continuavam com as práticas e costumes do judaísmo e os cristãos de origem pagã, que não seguiam essas práticas que não existiam nas suas culturas.
 
Essa separação chegava ao ponto de não poderem partilhar a mesma refeição.

Mas também veio a ter influência na pregação sobre o Reino de Deus  que Jesus tinha vindo inaugurar e no qual a reconciliação entre povos, culturas e crenças era uma novidade. Só assim o nosso mundo se pode tornar numa Casa Comum, onde todos possam ser acolhidos e tenham o seu lugar.

A persistência desta cananéia, batendo-se contra todos os obstáculos, valeu a pena!

A segunda coisa que podemos aprender com esta mulher, é termos um objectivo claro nos nossos combates pelo amor e pela justiça.

Não gastar as nossas energias com aspectos secundários que podem acabar por nos levar ao desânimo.

Ela tem os olhos postos na cura da sua filha, cruelmente atormentada. É só isso que ela quer conseguir de Jesus.

E foi o que conseguiu.

Além disso ela é também, para nós, um modelo de resposta não-violenta, nem agressiva, diante dos insultos e preconceitos.

Como era costume entre os judeus do seu tempo, os que não seguiam a religião judaica eram chamados «cachorros».

As palavras que Jesus lhe dirigiu «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos» até a nós nos surpreendem.

Como reagiríamos se nos chamassem “cachorros” num tom cheio de desprezo?

Mas ela responde duma forma surpreendente e cheia de sabedoria.

A persistência e a coragem desta mulher não-judia, fez Jesus sair da atitude que era comum a um judeu piedoso, cumpridor da Lei.

Ela consegue que Jesus dialogue com ela, mãe aflita, e que se resolva a satisfazer o seu pedido insistente, curando a sua filha.

Jesus fez mais ainda: elogiou a fé dela - daquela que não era uma judia: "Mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas!"

E, se queremos levar a sério os elogios de Jesus, olhemos para esta mulher como um modelo de Fé.

A sua mensagem para cada um de nós, nos nossos dias, é: "Não tenham medo de desafiar preconceitos e falsidades, mesmo em lugares significativos, mesmo em espaços religiosos importantes.” 
 
Quando o bem e a justiça dos mais frágeis e desprotegidos estão em causa, peçamos a Jesus para nos dar coragem para agir.

Sabemos que esta não foi a primeira vez que Jesus se deparou com uma situação deste género.

Segundo os evangelhos, Ele já tinha tido atitudes ditas "pouco ortodoxas" em relação aos samaritanos, aos soldados romanos, aos cobradores de impostos  e aos leprosos.

A humildade, perseverança e coragem desta mulher permitem que Jesus manifeste o seu papel de salvador universal e não apenas salvador de um povo.

Esta  mãe cananéia é uma "porta" que nos abre o caminho do amor de Jesus por todos e por cada um - ninguém pode ficar de fora!

Temos de desenvolver um modo de pensar mais aberto à diversidade cultural, social e económica e termos um coração disponível  para sairmos de nós-próprios.  

Temos de aprender a conhecer os outros, a querer compreendê-los na sua cultura e nas suas convicções que podem ser diferentes das nossas e que tão facilmente criticamos.

Talvez agora vejamos melhor o que devemos a esta mãe cananéia!
 
Frei Eugénio Boléo, op

2020-08-08

São Domingos de Gusmão

 

 Dia de São Domingos (1170 - 1221)

"De modo particular, Domingos quis dar relevo a dois valores considerados indispensáveis para o bom êxito da missão evangelizadora:  a vida comunitária na pobreza e o estudo."

Ver aqui esta síntese da vida de São Domingos, por Bento XVI.

 

2020-08-07

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o evangelho deste Domingo, 9 de agosto, 19º do tempo comum, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.







Aqui fica o texto do Diálogo do Frei Eugénio:


Evangelho segundo São Mateus (14,22-33)
 

Depois de ter saciado a fome à multidão, Jesus obrigou os discípulos a subir para o barco e a esperá-lo na outra margem, enquanto Ele despedia a multidão.
Logo que a despediu, subiu a um monte, para orar a sós. Ao cair da tarde, estava ali sozinho.
O barco ia já no meio do mar, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário.
Na quarta vigília da noite, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar.
Os discípulos, vendo-O a caminhar sobre o mar, assustaram-se, pensando que fosse um fantasma. E gritaram cheios de medo.
Mas logo Jesus lhes dirigiu a palavra, dizendo: «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».
Respondeu-Lhe Pedro: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas».
«Vem!», disse Jesus. Então, Pedro desceu do barco e caminhou sobre as águas, para ir ter com Jesus.
Mas, sentindo a violência do vento e começando a afundar-se, gritou: «Salva-me, Senhor!».
Jesus estendeu-lhe logo a mão e segurou-o. Depois disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?».
Logo que subiram para o barco, o vento amainou.
Então, os que estavam no barco prostraram-se diante de Jesus, e disseram-Lhe: «Tu és verdadeiramente o Filho de Deus».

 

DIÁLOGO


Ao ler esta passagem do Evangelho, imaginei-me no lugar de Pedro, a caminhar sobre as águas do Mar da Galileia.
Deve ser uma sensação formidável, caminhar sobre as águas do mar!
E, lembrei-me da grande alegria, na minha infância, quando aprendi a ter equilíbrio e a andar sozinho de bicicleta, já não precisando da ajuda do meu pai, que até então me equilibrava e depois corria atrás de mim a apoiar-me.
Esse momento da minha infância marcou o meu crescimento. O ser capaz de andar numa bicicleta, tornou-me autónomo, independente para dar passeios e fazer corridas.

Assim vai acontecendo ao longo das nossas vidas.
Somos educados para nos tornarmos mais seguros nas variadas facetas e atividades que vamos aprendendo, tornando-nos mais autónomos e menos dependentes de quem nos ensinou.

Há, no entanto, uma diferença fundamental entre a minha aprendizagem a andar de bicicleta e a de Pedro a andar sobre as águas.
O objetivo do meu pai era que eu ganhasse confiança em andar sobre duas rodas e me tornasse capaz de andar de bicicleta sem precisar da sua presença. Uma aprendizagem para ser autónomo.

Mas o objetivo de Jesus era dar uma nova orientação à confiança de Pedro. Os evangelhos mostram-nos Pedro confiante em si próprio, sendo o primeiro a tomar iniciativas e tendo capacidade de liderança.
Na passagem que lemos, é Pedro que avança: «Se és Tu, Senhor,
manda-me ir ter contigo sobre as águas». E Jesus diz-lhe: «Vem!»
Ora, Pedro, para conseguir caminhar sobre as águas ficava totalmente dependente de Jesus e do seu poder para superar a lei da gravidade e, assim, ser capaz de andar sobre as águas.
Quando Pedro sai do barco e começa a andar sobre o mar... é a fé em Jesus que o faz avançar.
Que alegria!


Mas assim que Pedro se sente perturbado pela força do vento, atordoado pela tempestade que se levanta, o medo começa a enfraquecer a sua fé e começa a afundar-se.
Então grita: «Senhor, salva-me!»
Imediatamente Jesus estende a sua mão e segura-o com firmeza,
dizendo: «Homem de pouca fé, por que duvidaste?»
Jesus está a ensinar Pedro a colocar cada vez mais a sua confiança n’Ele, Jesus, e menos em si próprio.
Na verdade, nós cristãos não fazemos mais do que avançar no mar da vida.
Como pessoas responsáveis, confiamos nas nossas capacidades para vencer os obstáculos com que nos vamos deparando e assumimos os nossos compromissos com determinação.
Custa-nos muito estender a mão, pedindo que alguém agarre nela e nos segure, quando as situações nos estão a afundar.
Sempre que aceitamos o risco de sair do barco, porque Jesus nos chama das mais variadas formas, vamos andando satisfeitos e confiantes.
Mas, quando começam a soprar os ventos das contrariedades, quando os insucessos agitam a nossa segurança em nós-próprios, o medo começa a tomar conta de nós e a confiança em Jesus vai ficando mais fraca… cheios de aflição sentimo-nos a afundar.
Pedro não teve vergonha de gritar, pedindo socorro a Jesus e estender a mão com ansiedade para que Ele a segurasse.

A Covid-19 veio mudar muito as nossas seguranças.
Até à chegada desta pandemia, podíamos organizar as nossas agendas, planear trabalhos profissionais, encontros e reuniões; programar viagens com antecedência; cuidar da saúde, marcando consultas e, se necessário, intervenções cirúrgicas. Tudo isso contribuía para a nossa segurança e confiança em nós-próprios.
Mas será que esta pandemia pode contribuir para fazermos a mesma descoberta que Pedro fez: que em todas as circunstâncias, é em Jesus que vale a pena pormos toda a confiança?
Poderemos aprender com ele que precisamos de não ter receio de estender a nossa mão, pedindo a Jesus que a agarre e nos salve?
Quem dera que o grito de Pedro tivesse eco dentro de nós, e que também com confiança pudéssemos gritar a Jesus: «Salva-me, Senhor!».
E que, esticando o nosso braço, estendêssemos a mão a pedir que a d’Ele nos segure e salve.

Frei Eugénio Boléo, op
 

2020-07-31

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o evangelho deste Domingo, 2 de agosto, 18º do tempo comum, pelo Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.






Aqui fica o texto do Diálogo do Frei Eugénio:


Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 14, 13-21)

 

Naquele tempo, quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto,

retirou-Se num barco para um local deserto e afastado.

Mas logo que as multidões o souberam, deixando as suas cidades, seguiram-n’O por terra.

Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de compaixão, curou os seus doentes.

Ao cair da tarde, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe:

«Este local é deserto e a hora avançada.

Manda embora toda esta gente, para que vá às aldeias comprar alimento».

Mas Jesus respondeu-lhes: «Não precisam de se ir embora; dai-lhes vós de comer».

Disseram-Lhe eles: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes».

Disse Jesus: «Trazei-mos cá».

Ordenou então à multidão que se sentasse na relva.

Tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e recitou a bênção.

Depois partiu os pães e deu-os aos discípulos e os discípulos deram-nos à multidão.

Todos comeram e ficaram saciados. E, dos pedaços que sobraram, encheram doze cestos.

Ora, os que comeram eram cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

 

DIÁLOGO

O relato que acabámos de ler é o acontecimento de todo o ministério de Jesus que é mais contado nos quatro evangelhos. Nada menos de seis vezes.

Por que é que este acontecimento foi tão importante para os primeiros cristãos, que estão na base dos evangelhos ?

É costume chamar-se a este acontecimento a «multiplicação dos pães», o que nos leva a pensar que Jesus quis fazer este milagre espectacular para manifestar o poder que tinha para tirar a fome a uma multidão.

Mas no relato nada há que indique que Jesus tenha feito uma multiplicação do pão.

O que é salientado são cinco gestos que Jesus:

1° tomou os pães;

2° ergueu os olhos ao Céu e recitou a bênção;

3° partiu os pães;

4° deu-os aos discípulos;

5° disse aos discípulos que dessem os bocados de pão à multidão.


Falar de «multiplicação» acaba por tornar mais difícil de compreender o que Jesus quis fazer.

De facto o que houve, foi uma divisão, foi uma partilha dos pães por toda a multidão.

O relato de Mateus começa por  se referir ao sentimento que Jesus tem diante da multidão que vem ter com ele: fica «cheio de compaixão».

Jesus vê todas aquelas pessoas com emoção  (a palavra grega é muito forte - com a ternura da mulher que vê o fruto do seu ventre).

De um lado a atitude de Jesus com uma empatia acolhedora, querendo  curar e dar gratuitamente, através da partilha com todos.

Em contraste com Jesus, os discípulos propõem-lhe que mande embora aqueles milhares de homens, mulheres e crianças para que vão comprar de comer para cada pessoa ou família.

O milagre de Jesus não consiste  em aumentar de modo espectacular a quantidade dos pães, mas  em mudar o modo de pensar e de agir dos discípulos, dizendo-lhes com toda a sua autoridade que as pessoas ali presentes  não precisam de se ir embora para comprar comida, mas que são os próprios discípulos  que lhes devem dar de comer.

Como? Partilhando o que têm.

É o milagre da partilha do que se tem, porque se recebeu, com aqueles  que não têm, mas graças à partilha vão receber.

Jesus tem os pães partidos, e diz aos discípulos para serem eles a dar o pão à multidão.

Também nós precisamos que se realize em nós o milagre de acreditarmos na força da partilha.

Os seis relatos sobre o milagre da partilha estão todos situados em momentos nos quais a fé dos discípulos está a ser posta à prova.

Este que lemos, de Mateus, situa-se a seguir a Jesus ter passado por um grande insucesso na pregação na sinagoga da sua terra, Nazaré. E  também ter acabado de receber a noticia da brutal decapitação de João Baptista, o profeta que o anunciava como Messias.

Nós encontramo-nos nesta tão perturbadora situação de pandemia, tão cheia de incertezas e de inseguranças, acompanhadas de violências e de agressividades que não se conseguem dominar.

A nossa fé na partilha consegue fazer milagres.

Frei Eugénio Boléo, op