Diálogo com o Evangelho do 2º Domingo de Páscoa (da Misericórdia), 24 de abril, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui.
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Evangelho (Jo 29, 19-31)
Na tarde daquele dia, o
primeiro da semana,
estando fechadas as
portas da casa
onde os discípulos se
encontravam,
com medo dos judeus,
veio Jesus, colocou-Se no
meio deles e disse-lhes:
«A paz esteja convosco».
Dito isto, mostrou-lhes
as mãos e o lado.
Os discípulos ficaram
cheios de alegria ao verem o Senhor.
Jesus disse-lhes de novo:
«A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou,
também Eu vos envio a vós».
Dito isto, soprou sobre
eles e disse-lhes:
«Recebei o Espírito
Santo:
àqueles a quem perdoardes
os pecados ser-lhes-ão perdoados;
e àqueles a quem os
retiverdes serão retidos».
Tomé, um dos Doze,
chamado Dídimo,
não estava com eles
quando veio Jesus.
Disseram-lhe os outros
discípulos:
«Vimos o Senhor».
Mas ele respondeu-lhes:
«Se não vir nas suas mãos
o sinal dos cravos,
se não meter o dedo no
lugar dos cravos e a mão no seu lado,
não acreditarei».
Oito dias depois, estavam
os discípulos outra vez em casa
e Tomé com eles.
Veio Jesus, estando as
portas fechadas,
apresentou-Se no meio
deles e disse:
«A paz esteja convosco».
Depois disse a Tomé:
«Põe aqui o teu dedo e vê
as minhas mãos;
aproxima a tua mão e
mete-a no meu lado;
e não sejas incrédulo,
mas crente».
Tomé respondeu-Lhe:
«Meu Senhor e meu Deus!»
Disse-lhe Jesus:
«Porque Me viste
acreditaste:
felizes os que acreditam
sem terem visto».
Muitos outros milagres
fez Jesus na presença dos seus discípulos,
que não estão escritos
neste livro.
Estes, porém, foram
escritos
para acreditardes que
Jesus é o Messias, o Filho de Deus,
e para que, acreditando,
tenhais a vida em seu nome.
DIÁLOGO
Devo dizer-lhes que há
muito tempo que tenho uma admiração especial por São Tomé, o Apóstolo.
Mas pobre Tomé!
Habituámo-nos a vê-lo como um exemplo do ceticismo e das dúvidas de fé. Como
diz o ditado: «Ver para crer, como São Tomé!»
Tantas pregações, como pinturas
famosas, mostraram-no a colocar o dedo na ferida feita pela lança no peito de
Jesus e por isso temos dificuldade em vê-lo de outra forma.
Na tradição evangélica, o
tema da dúvida faz parte integrante das aparições de Jesus Ressuscitado e do
caminho de fé que elas exigem.
Até que os discípulos reconhecessem
que Aquele que lhes apareceu depois da morte na cruz e de ter sido colocado num
sepulcro é o próprio Jesus de Nazaré que conheceram e seguiram, são precisas
várias etapas.
Este tema tradicional da
dúvida como etapa da fé, está perfeitamente ilustrado na aparição de Jesus
Ressuscitado a Tomé, que nos relata o Evangelho de hoje.
No Evangelho de João, o
apóstolo Tomé já era um personagem com certo relevo.
Foi ele que tinha incitado
os seus companheiros a enfrentarem, se necessário, a morte quando Jesus ressuscitou
Lázaro, que já estava morto há vários dias (Jo 11,16).
Tinha sido também Tomé
que tinha interrogado Jesus em nome dos apóstolos, quando Este lhes falou dum caminho
que deviam seguir, sem lhes ter indicado, de modo claro, que esse Caminho era
Ele próprio, Jesus. (Jo 14,5).
Assim, Tomé não é um
descrente e um incrédulo como é frequentemente apresentado. Pelo contrário, Tomé
é o discípulo que se encaminha com passos firmes até uma fé autêntica.
Os evangelistas quiseram
revelar-nos um aspeto essencial da fé pascal. Esta não é o fruto de uma fácil
exaltação, correspondente ao gosto pelo espetacular e pelo maravilhoso. Segundo
o evangelista João, este gosto é mesmo o principal obstáculo à compreensão do
significado dos «sinais» operados por Jesus.
Há sempre o perigo de se
ficar preso na materialidade dos «sinais» sem se compreender que eles se
referem a outra realidade invisível.
João quer mostrar-nos,
através do seu Evangelho, como Jesus queria, através de "sinais"
visíveis e tangíveis, levar as pessoas a descobrir, nas suas próprias vidas, o
significado desses sinais, para as levar a descobrirem, na fé, o Mistério da Sua
Pessoa e da Sua Missão.
A fé pascal é uma vitória
que o próprio Ressuscitado teve de conquistar sobre as dúvidas que paralisavam
os seus mais próximos e os seus seguidores.
Jesus é também Aquele que
conhece os desejos mais íntimos e secretos de cada pessoa.
Quanto a Tomé, Jesus foi
o primeiro a "ver" no coração dele o desejo profundo que ele tinha de
O encontrar e de n’Ele confiar.
Parece que esta subtileza
da narrativa de João escapou a numerosos pregadores e a célebres pintores, que
afirmaram e representaram Tomé a tocar na ferida do peito de Jesus Ressuscitado,
para se certificar de que era mesmo Ele.
Mas o evangelista João não
nos diz nada disso. Basta verificar o texto.
O evangelista nunca
poderia ter considerado correta a atitude de Tomé, se ela tivesse consistido numa
verificação sensível, tocando na ferida que a lança tinha aberto no peito de
Jesus crucificado.
Se assim fosse, nunca João
poderia ter colocado nos lábios de Tomé a extraordinária profissão de fé que lemos:
«Meu Senhor e meu Deus!»
Tomé une «Senhor» (Kyrios
/Yahweh) com «Deus» (Theos / Elohim).
Tomé é o primeiro a
descobrir que podemos dar a Jesus Ressuscitado os títulos que a Bíblia
reservava com grande exclusividade somente a Deus, o Santo e o Eterno.
Nos quatro Evangelhos,
Tomé é o único a pronunciar uma tal invocação: «Meu Senhor e meu Deus!».
Mas o relato de João
permite-nos descobrir que não é só em seu próprio nome que o apóstolo exclama: «Meu
Senhor e meu Deus!». Através dele, é toda a comunidade crente, que faz a mesma
proclamação de fé.
Pessoalmente, adotei a
tradição muito bela e significativa que vivi pela primeira vez na ilha de São
Tomé, em África.
Nas Missas, quando no
momento do relato da Última Ceia, o celebrante eleva durante uns momentos o
Corpo e o Sangue de Jesus Resuscitado, tanto o que preside como toda a
assembleia, proclamam em alta voz o ato de fé de Tomé, o Apóstolo: «Meu Senhor
e Meu Deus!».
Que emocionante ato de
fé!
Com esta proclamação,
estamos a pedir ao Senhor Jesus Ressuscitado que permita que Ele se torne
verdadeiramente o Senhor de todas as facetas das nossas vidas.
Que mais e melhor podemos
desejar e pedir?
frei Eugénio op