O estímulo do frei Eugénio no seu último post leva-me a continuar a desenvolver algumas ideias e comentários sobre o tema do Referendo sobre o Aborto, eufemisticamente chamado de Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. E, ao contrário do que diz o frei Eugénio, cujos elogios não mereço, este não é um acto de coragem, mas uma necessidade de cristão que, ao escrever tais textos, procura também esclarecer a sua consciência.
Mas vamos ao que importa, ou seja, ao pós referendo.
Este domingo foi fértil em notícias sobre o tema, uma das quais me sugeriu o título deste post. No jornal Público pude ler uma notícia sobre reuniões dos movimentos pelo Sim e pelo Não e, nessa entrevista, dois aspectos me chamaram a atenção.
Na primeira parte da entrevista, dedicada aos defensores do Sim, são de salientar as declarações do médico António Marinho, de Coimbra, o qual diz: “A luta ainda não acabou” referindo-se ao facto de estar ainda a elaborar-se a legislação que vai regulamentar as condições em que se pode praticar o aborto. Esta frase é a introdução para uma preocupação deste movimento e que este médico refere como “a necessidade da nova lei não contemplar qualquer estrutura externa que vá influenciar a decisão da mulher, o que, na sua opinião, seria ilegítimo à luz da pergunta colocada no referendo”.
Esta declaração mostra bem que, por trás da forma como a pergunta do referendo estava “montada”, facto a que aludi num post anterior, existia claramente a intenção, pura e dura, de liberalizar o aborto. Ou seja, ao contrário do que politicamente se assumia para defender o referendo e legitimar a mudança da legislação existente, não se pretendia com esta figura referendária lutar contra o aborto clandestino, mas dar mais um passo para liberalizar esta prática, tornando-a uma decisão apenas da mulher.
Já na continuação do texto da notícia se pode ler que os movimentos pelo Não se reuniram também e, para além de algumas propostas legítimas para que a nova legislação possa minimizar o atentado ao valor fundamental da Vida, para que dê oportunidade às mulheres de terem a opção apoiado pelo “não aborto”, nomeadamente com apoios financeiros de igual valor ao custo assumido para a pratica desse acto, e para que o Estado apoie os movimentos de à mulher e às crianças em dificuldade, deixaram, no final, um apelo para que os vários grupos do Não se empenhem na criação e dinamização de instituições de apoio à vida.
Este último apelo é também uma interpelação a todos os cristãos para que se associem, como apelei no último post, por todas as formas possíveis, a estas iniciativas. É este também o apelo essencial que o post do frei Eugénio reflecte, e que consubstancia na frase “A Igreja é um Povo de Deus, que precisa da prática da fé de todos os fiéis”.
Uma segunda notícia, pude lê-la no ZENIT, publicada no dia 2007/02/25 sob o título “
Decisões mortais: Continua o debate sobre a eutanásia”, da autoria do padre John Flynn, Nela se refere a certo passo “A eutanásia não somente servirá para os anciãos. Cada vez se pressiona mais para que se pratique a recém-nascidos que sofrem de enfermidades ou deficiências. O Royal College of Obstetricians and Gynecology do Reino Unido propôs que se considerasse a «eutanásia activa» para bebés enfermos, informou em 5 de Novembro o Sunday Times” e, mais à frente, “A proposta foi apresentada numa comunicação enviada pelo colégio a uma investigação do Nuffield Council of Bioethics sobre o tema de prolongar a vida dos bebés recém-nascidos. A sua comunicação recebeu o apoio de John Harris, membro da Comissão de Genética Humana do governo e professor de bioética na Universidade de Manchester, informava o Sunday Times. «Podemos pôr fim (a uma vida) para que uma grave anormalidade fetal não acabe em nascimento; porém, não podemos matar um recém-nascido. O que é que as pessoas pensam que ocorre ao passar o canal do nascimento para que dêem a sua aprovação a matar um feto de um lado de dito canal, porém não no outro?», perguntava.”
Esta notícia, vem recolocar o problema que já levantei no fim do meu último post, acerca da eutanásia. E vem mostrar, também, a face de um Mal muito maior, duma verdadeira “Caixa de Pandora” que a sociedade ocidental está a abrir. Estas são, porventura, as portas do Abismo a que se referia o Evangelho que então citei. E no Evangelho deste domingo também líamos “Tendo esgotado toda a espécie de tentação, o diabo retirou-se de junto dele, até um certo tempo.”. Oxalá, não seja este o seu tempo.
Finalmente, o artigo de opinião do padre Anselmo Borges, publicado no Diário de Notícias sob o título “
Depois do Referendo, o quê?”. Neste artigo, o padre Anselmo Borges começa por fazer a sua defesa contra interpretações erradas das suas posições sob este tema durante a campanha para o referendo, nomeadamente a leitura feita pelos movimentos ligados ao Sim. Embora esteja de acordo com o essencial do texto, não posso deixar de dizer que o padre Anselmo viu ser interpretada a ambiguidade da sua posição que deixou, claramente, em muitas pessoas a ideia da sua opção incondicional pelo Sim, sem as “desculpas” expressas neste texto. Eu próprio senti, pessoalmente, essa posição.
Mas ainda, a respeito deste texto, não posso deixar de ressaltar um aspecto com o qual, ao contrário do que se passa com o resto do artigo, não posso estar totalmente de acordo. Diz, a certa altura, o padre Anselmo Borges que “…dificilmente alguém poderá dizer que até às dez semanas o abortamento é um homicídio, por outro, não se pode negar que destrói um ser vivo da espécie humana.”.
Ora, se não é um homicídio, tal como a jurisprudência o define, já do ponto de vista da moral cristã deverá ter um valor idêntico ao desse acto pois trata-se da destruição da VIDA. E, em minha opinião, isto deve ser claramente acentuado por aqueles que se dizem cristãos, sem qualquer julgamento para com aqueles que não acreditam neste conceito de vida. Mas, se não somos firmes na defesa dos valores em que acreditamos, estamos a abri as portas para que se insinuem outros valores que contrariam a moral cristã em aspectos que reputo de essenciais. É por este motivo que, em minha opinião, o papel de um cristão tem que ser claro e autêntico. Compete-nos, não o julgamento dos outros, mas o seu convencimento de que o mundo que concebemos e os valores que o norteiam, são os necessários ao homem e à sua salvação. E devemos fazê-lo à maneira de Jesus: sem julgamento e com perdão.
Fica, assim, mais este contributo para o tema. A ele regressarei quantas vezes for necessário para o debate de ideias que possam aparecer, na certeza de que um bom desafio é sempre algo estimulante e esclarecedor, se feito com paciência e firmeza. Valerá a pena, neste aspecto, atentarmos nas palavras do Evangelho de hoje, Primeiro Domingo da Quaresma (Lc. 4, 1-13) e perceber como o Senhor aceita com paciência as palavras do diabo, resistindo a impor-lhe o Seu poder, e atentando na firmeza com que resiste a todas as tentações recorrendo aos textos da Sagrada Escritura e a palavras de paz.
Finalmente, deixo um texto de apelo dos
Movimentos pela Vida que recolhi no site da Agência Ecclesia onde estão manifestas as principais preocupações do mesmo com as quais me identifico e que, por isso, divulgo.