2024-07-07

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XIV Domingo do Tempo Comum, 7 julho, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em julho de 2021)

 

 

Evangelho (Mc. 6, 1-6

Naquele tempo, Jesus dirigiu-Se à sua terra e os discípulos acompanharam-no.
Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam: «De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
Não é Ele o carpinteiro, Filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?». E ficavam perplexos a seu respeito.
Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa».
E não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.

 

2024-06-23

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XII Domingo do Tempo Comum, 23 junho, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em junho de 2021)

 

  

Evangelho (Mc. 4,35-41)

Naquele dia, ao cair da tarde,

Jesus disse aos seus discípulos:

«Passemos à outra margem do lago».

Eles deixaram a multidão e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado.

Iam com Ele outras embarcações.

Levantou-se então uma grande tormenta e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água.

Jesus, à popa, dormia com a cabeça na almofada.

Eles acordaram-n’O e disseram:

«Mestre, não Te importas que pereçamos?»

Jesus levantou-Se, falou ao vento imperiosamente e disse ao mar:

«Cala-te e está quieto».

O vento cessou e fez-se grande bonança.

Depois disse aos discípulos:

«Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»

Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros:

«Quem é este homem, que até o vento e o mar Lhe obedecem?»

Palavra da salvação.

 

DIÁLOGO

Esta travessia de barco começou logo a seguir a Jesus ter ensinado, contando parábolas, que o poder do Reino de Deus está por vezes escondido, e que também pode ser tão abundante que ultrapassa a nossa capacidade de compreensão.

Depois de ensinar, Jesus pediu aos discípulos que atravessassem o Mar da Galileia, dirigindo-se para o território com população maioritariamente pagã

Neste relato, a combinação da fúria da natureza com o sono de Jesus foi suficiente para minar a confiança dos discípulos.

Jesus dormia com a cabeça encostada na almofada de couro que era fixa na popa das embarcações, onde quem era mais importante podia descansar e reganhar forças.

Marcos aponta a tentação dos discípulos de julgarem o sono de Jesus como um sinal de indiferença.

Eles acordaram-no com a acusação desesperada: “Mestre, não Te importas que pereçamos?»

Questionam Jesus como sendo um companheiro que na barca no meio da tempestade não tinha, como todos os outros, feito a sua tarefa, que poderia ter sido segurar bem os remos, ou recolher as velas ou governar o leme.

No entanto, o medo da tempestade é um sinal de sabedoria, fruto da experiência de pescadores, que sabiam bem que as tempestades devem ser levadas muito a sério.

Quando se está num barco, no qual se está a perder o controlo, quando o vento sopra violentamente e as ondas são tão altas que passam por cima do barco, o medo de naufragar deve levar toda a tripulação a tomar rapidamente as medidas possíveis.

Não é por causa deste medo, natural e saudável, que Jesus vai pôr em causa a fé dos discípulos.

Quando Jesus é acordado pelos discípulos aflitos, o que é que Ele faz?

Jesus age com a serenidade de quem domina a situação.

Vai agir como só o próprio Deus poderia ter agido. Ele dirige-se ao vento e ao mar e ordena-lhes para ficarem calados. As ondas amansam e a tempestade é acalmada. É o Filho de Deus cuja palavra tem o poder de Deus Criador, Senhor do Universo.

O poder de Deus manifesta-se em Jesus.

Jesus, na sua total confiança em Deus Pai, acredita que Ele lhe dará a capacidade de comandar o mar e o vento, quando for necessário.

Mas depois de Jesus ter atuado, de novo tiveram medo, não já por causa da tempestade, mas por terem visto Jesus a ser capaz de a dominar apenas com as suas próprias palavras.

Agora estão de novo atemorizados, e são levados a perguntar: "Quem é este homem que até o vento e o mar Lhe obedecem?»

Nenhum deles tinha sequer imaginado que Jesus pudesse ter um poder para dominar o mar e o vento.

Ficaram cheios daquilo a que a Bíblia chama “o Temor de Deus”.

Os discípulos saem dum medo diante da natureza, para outro medo ainda maior, cheio de espanto, ao verem o poder divino, sobre-humano de Jesus.

E, nesse momento, dirige-se aos discípulos, não com ordens como fizera com o mar e o vento, mas com duas perguntas:

«Porque estais tão assustados?” e “Ainda não tendes fé?»

É-lhes muito difícil acreditar que Jesus tem esse poder divino e esta questão «Quem é este homem, que até o vento e o mar Lhe obedecem?» irá acompanhá-los daqui para a frente no seu caminho com Jesus.

Também nós somos tentados a pensar e a sentir que Jesus parece estar a dormir.

Podemos também dizer-Lhe, como os discípulos disseram: "Senhor Jesus, estamos perdidos; não Te interessa o que se está a passar?"

Quantas situações a nível pessoal, na Igreja e na vida do Mundo

em que sentimos que somos completamente impotentes para as resolver e que vão ser causadoras de muito Mal, e que se podem prolongar por muitas gerações e por tempo que parece sem fim.

A nossa fé no poder sobrenatural de Jesus Ressuscitado é então profundamente abalada.

É a nossa fé em Jesus que precisa de ser vivificada, que precisa de ser despertada.

Senhor Jesus, Filho do Deus Vivo, no meio das tempestades, aumenta a nossa confiança em Ti.

 

    frei Eugénio, OP (20.06.2021)

2024-06-16

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do XI Domingo do Tempo Comum, 16 junho, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em junho de 2021)

 

  

Evangelho (Mc. 4,26-34)

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 

«O reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra.

Dorme e levanta-se, noite e dia, enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como.

A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga, por fim o trigo maduro na espiga.

E quando o trigo o permite, logo se mete a foice, porque já chegou o tempo da colheita».

Jesus dizia ainda: «A que havemos de comparar o reino de Deus? Em que parábola o havemos de apresentar?

É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes que há sobre a terra; mas, depois de semeado, começa a crescer e torna-se a maior de todas as plantas da horta, estendendo de tal forma os seus ramos que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».

Jesus pregava-lhes a palavra de Deus com muitas parábolas como estas, conforme eram capazes de entender. E não lhes falava senão em parábolas; mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.


 

DIÁLOGO

Neste domingo, a liturgia católica volta ao chamado tempo ordinário e comum.

Depois da Quaresma, celebramos a Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes e mais as duas grandes festas da Santíssima Trindade e do Corpo e Sangue de Cristo.

No entanto, mesmo quando o nosso calendário litúrgico anuncia que voltamos para um tempo de normalidade, muitos de nós continuamos ansiosos pela libertação deste tão estranho período que começou a 11 de Março de 2020, quando a COVID-19 foi oficialmente declarada uma pandemia global.

O Evangelho de hoje convida-nos a apreciar os processos simples e extraordinários da criação, com a primeira parábola da semente que germina e cresce por si mesma. A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga e por fim o trigo maduro na espiga.

Foi Marcos que inventou o género literário a que chamamos "Evangelho" (Boa Nova, Boa Notícia) dirigido sobretudo a pessoas que sofrem perseguição e desilusão.

A comunidade de Marcos tinha pensado que o fim do mundo, com a vinda vitoriosa do Messias Salvador estava próximo.

Mas a realidade que estavam a viver era muito diferente e por isso estavam profundamente abalados com a demora do regresso de Jesus Ressuscitado, na sua Glória divina.

Além disso, a sua fé era alimentada pelas profecias e pela sabedoria do Antigo Testamento que proclamava que os bons  servidores de Deus seriam felizes e recompensados por Deus.

Em vez disso, os cristãos estavam a ser martirizados em Roma e rejeitados em Jerusalém.

Estas realidades tão duras e incompreensíveis criaram muitas dúvidas e incertezas entre os que queriam ser cristãos.

Em contraste com a orientação de que o nosso objetivo é sermos bem sucedidos no que fazemos para agradar a Deus, esta parábola centra-se no poder divino que está sempre a atuar, dando vida às sementes do reino de Deus.

O agricultor nesta parábola nada mais faz do que plantar.

Depois disso, tudo o mais advém misteriosamente da ação de Deus.

Esta parábola leva os ouvintes a lembrarem-se de que eles não são os donos dos caminhos para seguir o que Jesus tinha ensinado como sendo os caminhos de Deus.

São chamados a confiar em Deus para além dos limites da sua compreensão.

Marcos escreveu esta parábola para uma comunidade desiludida e assustada.

O seu objetivo não era dizer-lhes para se sentarem e não fazerem nada, mas para se lembrarem de como o poder de Deus é prodigioso e gerador de vida.

Como eles, somos convidados a confiar na dinâmica do Amor divino em todas as situações que se vão desenrolando na nossa vida.

Nesta altura em que esperamos que seja anunciado nos próximos meses o fim da pandemia de  COVID-19, o Evangelho convida-nos a imitar o agricultor da parábola «da semente que germina e cresce, sem ele saber como” e a estarmos atentos às maravilhas escondidas que Deus está a fazer mas cujos efeitos se entendem e se tornam sinais de esperança num mundo melhor.

O que parece uma utopia para um futuro desconhecido, vai-se tornado numa grande multiplicidade de realidades vividas no presente.

É este o segredo do Reinado de Deus que Jesus nos oferece.

 

         frei Eugénio, O.P. (13.06.2021)

 

 

2024-05-26

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo da Santíssima Trindade, 26 maio, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em maio de 2021)

 

  

Evangelho (Mt. 28,16-20)

Naquele tempo,

os onze discípulos partiram para a Galileia,

em direção ao monte que Jesus lhes indicara.

Quando O viram, adoraram-n’O;

mas alguns ainda duvidaram.

Jesus aproximou-Se e disse-lhes:

«Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra.

Ide e fazei discípulos de todas as nações,

batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,

ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei.

Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».

Palavra da salvação.

 

 

DIÁLOGO

 

Certamente estão de acordo que é muito difícil pregar sobre a Santíssima Trindade. É um mistério tão imenso!

 

Deus é o Totalmente-Outro, misteriosamente insondável:

as nossas palavras, os nossos conceitos, as nossas imagens são incapazes de O dizer plenamente, quanto mais de O definir.

 

A liturgia deste Domingo, coloca diante dos nossos olhos o mistério da Santíssima Trindade.

Fá-lo propondo-nos um texto do Evangelho de São Mateus que acabámos de ler:

"Fazei discípulos de todas as nações;

batizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.»

 

Esta é a única passagem em todo o NT onde encontramos esta expressão.

 

Esta fórmula trinitária que o evangelista coloca na boca de Jesus Ressuscitado, na realidade deve ter sido o fruto de uma longa reflexão das primeiras comunidades cristãs sobre o mistério de Deus que se revelou em Jesus, o Cristo.

 

No panorama das religiões do mundo, a imagem trinitária de Deus, ligada ao reconhecimento de Jesus como Seu Filho, é certamente a característica mais marcante da fé cristã.

 

Esta expressão da nossa fé separa-nos do judaísmo, onde temos as nossas raízes: «Só o Senhor é Deus, tanto no alto do céu, como em baixo sobre a terra, e não há outro.» Esta passagem do Deuteronómio (Dt 4, 38) deixa esta questão bem clara.

 

O Islão também não reconhece a Santíssima Trindade.

Também nas grandes tradições religiosas asiáticas o conceito de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo está longe de ser aceite e reconhecido.

 

Para os cristãos Deus não é uma entidade unipessoal, mas tripessoal: Pai, Filho e Espírito Santo, como se pode ler no texto de São Mateus.

 

Foi isto que os primeiros discípulos experimentaram, primeiro na sua relação com Jesus, acompanhando-O nos caminhos da Palestina até à morte na cruz, e depois, na experiência de Jesus Ressuscitado, presente com eles, até à Ascensão.

 

Mas estas experiências levaram-nos a fazer muitas perguntas e a ter de dialogar sobre o próprio Jesus:

«Quem é afinal Jesus?», «Jesus é Deus?»

«O Filho está abaixo do Pai ou é igual a Ele?»

 

E também a interrogarem-se sobre Deus:

«O que é que Jesus diz sobre quem é Deus e qual é a Sua Vontade?» E também a interrogarem-se: «Quem é este Espírito que Jesus nos enviou?»; «O Espírito Santo também é uma Pessoa divina?» e muitas outras questões.

 

Gradualmente, através de dúvidas, tentativas e erros, a comunidade cristã acabou por dizer de Jesus:

Ele é o Filho de Deus Pai e Pai e Filho continuam a agir através do Seu Espírito.

 

Na oração pessoal e na meditação, assim como na liturgia e na oração em comunidade, foi alcançada uma síntese vivida da fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

 

As relações das três Pessoas entre si e na relação com os fiéis passam a ter um lugar central na fé cristã.

 

A salvação anunciada é-nos dada numa nova vida, numa comunhão íntima com Deus, que é Pai, Filho e Espírito Santo.

 

Deus não se contentou em nos fazer saber que Ele existe, o que já seria muito bom, mas revelou-nos que há três Pessoas em ação no mundo para salvar toda a humanidade: 

o Pai que nos ama e que quer a nossa salvação e que está também na origem da mesma; 

o Filho, enviado pelo Pai, em quem a nossa salvação é realizada através da sua Morte e Ressurreição, 

e o Espírito Santo que habita nos nossos corações, e nos faz viver e rezar como filhas e filhos de Deus.

 

O mistério da Santíssima Trindade na vida concreta de quem tem fé traduz-se numa relação viva e vivificante com o Pai, o Filho e o Espírito Santo unidos em comunhão num só Deus e, como diz São Pedro, na sua carta nos torna "pessoas participantes da natureza divina".

 

Este segredo pessoal de Deus que nos é revelado e chega aos nossos corações é evocado cada vez que fazemos o sinal da Cruz, dizendo: "Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo".

 

Fazermos este sinal com simplicidade e dizermos «Em nome de…» é atualizarmos o mistério de Deus presente nas nossas vidas e na Igreja, seu povo.

 

É o mistério da vida de alguém que acredita que ser filha ou filho dum Pai Divino que a(o) ama e que Jesus nos deu a conhecer e que graças ao dom do Espírito Santo habita nos nossos corações, e nos dá

a própria vida de Jesus Ressuscitado.

 

Que a fé no nosso Deus, cujo rosto é trinitário, seja para todos nós uma fonte de luz e de vida nova, ao longo dos dias que nos são dados viver.

 

frei Eugénio, op (31.05.2021)


2024-05-19

Diálogo com o Evangelho

 

Diálogo com o Evangelho do Domingo de Pentecostes, 19 de maio, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (gravado em maio de 2021)

 

  

Evangelho (Jo. 15,26-27.16,12-15)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Quando vier o Paráclito, que Eu vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, Ele dará testemunho de Mim.

E vós também dareis testemunho, porque estais comigo desde o princípio.

Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis suportar por agora.

Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver -- ouvido e vos anunciará o que há de vir.

Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vos há de anunciá-lo.

Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vos há de anunciá-lo».

Palavra da Salvação

 

 

DIÁLOGO

 

No passado Domingo, celebrámos a Ascensão, aquele momento tão decisivo em que Jesus se despediu dos seus discípulos, assegurando-lhes que o Espírito os iria conduzir como seus seguidores.

 

A passagem do Evangelho de João que acabamos de ler/ouvir, sobre o Pentecostes, faz parte do último ensinamento de Jesus aos apóstolos.

Jesus promete-lhes repetidamente o Espírito, que Ele intitula de «Paráclito» e que será o seu constante apoio  a partir deste momento.

 

Tal como com a Ascensão, o relato mais detalhado do Pentecostes vem nos Actos dos Apóstolos.

 

No Evangelho de hoje, João dá-nos uma versão alternativa à dos Actos dos Apóstolos, na qual Jesus transmite o seu Espírito no próprio dia da Ressurreição.

Os primeiros cristãos aceitaram estes dois relatos do Pentecostes, que se completam.

A palavra Pentecostes vem da palavra grega para 50. Originalmente referia-se a uma festa celebrada pelos judeus 50 dias depois da Páscoa. Coincidia com a Festa das Colheitas, na qual se ofereciam a Deus os «primeiros frutos» das colheitas.

 

A narrativa de Lucas nos Actos dos Apóstolos dá a impressão que no Pentecostes os discípulos passaram por uma transformação súbita e maravilhosa: receberam o Espírito, perderam o medo, começaram a falar em línguas que até aí desconheciam e saíram a pregar a uma multidão multicultural.

 

Segundo o que João relata, o que produziu um efeito mais marcante nos Apóstolos foi o encontro com o Jesus Ressuscitado, seguido de 50 dias de oração comunitária para abrir os seus corações e as suas mentes e poderem fazer o discernimento sobre o que Deus estava a fazer entre eles e em todos eles.

Em vez de uma conversão súbita e miraculosa, foram necessários 50 dias de oração.

 

A totalidade dos Actos dos Apóstolos narra a história da lenta abertura das comunidades dos primeiros cristãos ao grande alargamento do plano de Deus para o Seu Povo.

Mesmo sob a influência do Espírito Santo, aprender a ser cristão foi um processo lento.  

Sabendo o quanto teriam de evoluir e crescer em fé e sabedoria, Jesus tinha-os avisado que teriam muito a aprender, mas que só estariam aptos a assimilar esses ensinamentos se fossem guiados pelo Espírito da Verdade.

 

Os Actos dos Apóstolos mostram-nos como o Espírito continua a trabalhar através de seres humanos frágeis e de culturas muito diferentes.

O Espírito de Deus leva-nos a alargarmos os nossos planos e modos de viver e a irmos além das nossas próprias limitações.

 

Jesus confia aos seus discípulos a sua missão, equiparando a relação que eles têm com Ele, à sua própria relação com o Pai.

 

Este 50º dia após a Páscoa lembra-nos que quando estamos disponíveis ao que o Espírito nos sussurra, então os nossos melhores projetos e trabalhos tornam-se fecundos e o próprio Espírito vai-os multiplicando.

 

Se Jesus insiste tanto no dom do Espírito, é para dar conforto aos seus discípulos no momento da sua partida, pois de agora em diante, serão eles que estarão na linha da frente.

 

Eles precisarão do apoio do Espírito da Verdade. João chama-lhe o Defensor ou o Consolador (em grego o "Paráclito"). Os «paráclitos» na sociedade da época, era um termo jurídico que designava os que deviam estar ao lado dos que eram acusados em tribunal para os defender e ajudar.

 

A ação do Espirito Paráclito é sobretudo exercida no coração dos discípulos, que não só podem mas devem recorrer a Ele, com toda a confiança, para os esclarecer sobre qual é a Verdade acerca de Jesus Salvador e para os confirmar na sua fé em Jesus, Filho de Deus, que vem revelar Deus-Pai.

 

Graças ao Espírito Santo, e com o apoio da Sua Palavra, os discípulos podem dirigir-se às pessoas à sua volta , partilhando e comunicando c a Verdade de Jesus: quem Ele é e o que Ele vem dar a conhecer do Pai.

 

Santo Agostinho dizia que o Espírito Santo fala aos corações dos discípulos e os discípulos falam aos outros com palavras.

Que o Espírito Santo é o Inspirador (da melodia) e os discípulos são os sons (da música).

 

Que o Espírito, enviado por Jesus Ressuscitado, continue a ser o nosso Consolador no desânimo, o nosso Defensor na confiança em Jesus e o nosso Inspirador da «música» das nossas vidas.

   

 frei Eugénio, op (23.05.2021)


2024-05-11

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo da Asensão, 12 de maio, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

  

Evangelho (Mc. 16, 15-20)

Naquele tempo, Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura.
Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.
Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: expulsarão os demónios em meu nome; falarão novas línguas;
se pegarem em serpentes ou beberem veneno, não sofrerão nenhum mal; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados».
E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus.
Eles partiram a pregar por toda a parte, e o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam.
 
 
DIÁLOGO
 

Já alguma vez imaginaram que estavam também presentes no momento da Ascensão?

Como se teriam sentido se lá tivessem estado? Quais teriam sido os vossos sentimentos naquele momento único?

 

Como em qualquer experiência vivida ao mesmo tempo por um grupo de pessoas, iríamos contar de diferentes maneiras o que teríamos experimentado.

 

É interessante ver que no Novo Testamento existem várias versões da Ascensão, cada uma focando experiências diferentes.

São Lucas, no seu evangelho, refere-se ao final da relação presencial entre Jesus e os discípulos e que leva à expectativa dum futuro regresso e da sua vinda gloriosa no final dos tempos.

 

Não é aquela tristeza, que acompanha habitualmente as separações como nós a conhecemos, mas uma alegria que enche o coração dos discípulos, por causa da promessa do envio do Espírito Santo.

 

Já no relato dos Atos dos Apóstolos (Act 1, 6-11) São Lucas apresenta-nos muitos detalhes e salienta que os discípulos ficaram sem saber o que fazer, a olhar para o céu, mas que são chamados à realidade do que há para fazer na terra.

 

São Mateus, por seu lado, apresenta um relato que, em vez de descrever a "ascensão" de Jesus, salienta a sua exaltação junto do Deus Altíssimo, e assim, a presença contínua junto de nós, como Ele prometeu: "E eis que estou sempre convosco, mesmo até ao fim dos tempos".

 

O Evangelho de São João não menciona a Ascensão.

 

A versão de São Marcos que lemos hoje, apresenta uma declaração fundamental sobre Jesus (Mc 16:19):

"O Senhor Jesus, tendo falado com eles, foi levado para o céu e sentou-se à direita de Deus."

"Sentar-se à direita de Deus" significava a inauguração do Reinado do Messias Salvador. 

Esta designação simbólica foi entendida pelos discípulos como a glória e a honra da Divindade atribuída a Jesus, após a sua Ressurreição e a ela unida.

 

Estava a realizar-se a famosa visão do profeta Daniel sobre o Filho do Homem, ao qual haviam de servir todos os povos, nações e línguas.

 

O Mestre, que os discípulos tinham conhecido na terra como o carpinteiro de Nazaré, tinha-se tornado agora no Rei dos Céus e da Terra.

 

É compreensível que o Senhor, que governa toda a Criação, tenha dado uma missão com caráter universal: “Ide por todo o mundo” e “pregai o Evangelho a toda a criatura”.

Os discípulos, tendo recebido uma missão totalmente inesperada e para lá de tudo o que podiam imaginar, não tinham de ficar sem saber o que fazer, pois tinham recebido de Jesus a garantia que “o Senhor cooperava com eles”.

 

Os Apóstolos «saíram e pregaram o Evangelho em todo o lado.» 

Este foi o início das suas aventuras missionárias.

É, portanto, importante compreender o significado simbólico de «foi elevado ao Céu”.  

 

Uma das dificuldades que temos em partilhar ou dialogar sobre a Ascensão, é que muitas vezes para falar sobre o Céu usamos a linguagem de lugar.

 

Ora, sabemos que «o Céu não é um lugar como tal, mas um tipo particular de realidade ou estado de perfeita comunhão de Amor e Vida com a Trindade», como diz o Catecismo da Igreja Católica (cf. C.I.C.1024).

Ou por outras palavras, o Céu é a vida eterna, em que vemos Deus face a face, sendo transformados como Jesus na glória de Deus, e gozando da felicidade eterna.

 

Teilhard de Chardin, no seu estilo muito pessoal, disse: «Através da humanidade ascendente de Cristo, a natureza humana está definitivamente unida com a divindade.»

Que dignidade tão grande é dada à natureza humana!

 

Neste dia, aqueles que receberam o batismo, é bom terem presente que lhes foi confiada a mesma missão de dar testemunho em todos os tempos e todos os lugares, da presença real do Amor de Deus, da presença real de Deus-Amor.

 

O que Jesus nos dá é uma missão, que espera que seja bem aceite por nós: a de anunciar que o Deus tão distante para tantas pessoas (e até por vezes para nós), não é o Deus Longuíssimo, nem é uma invenção do espírito humano. É o Deus-que-está-sempre-connosco, próximo e familiar até ao fim dos tempos e o Senhor-com-uma-Presença-que- coopera-connosco em cada momento e lugar.

 

Nesta passagem do Evangelho há, no entanto, umas palavras muito perturbadoras e que parecem estar em total contradição com o que acabámos de dizer: «Quem acreditar e for batizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.»

 

Era um estilo muito usado na cultura hebraica, de apoiar uma afirmação com a sua negação, que neste caso é o que perdia aquele que não acreditasse.

 

Mas a ausência do batismo não é mencionada como causa de perdição. E o texto enumera ainda os sinais que acompanharão os que acreditarem.

Na Ascensão de Jesus Ressuscitado, nosso Senhor, podemos ter a bússola da nossa vida: nela podemos ver, desde já, para onde podemos ir e para onde devemos ir.

 

frei Eugénio, op (16-05-2021)

 



2024-04-28

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do V Domingo de Páscoa, 28 de abril, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

  

Evangelho (Jo. 15, 1-8)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor.
Ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto e limpa todo aquele que dá fruto, para que dê ainda mais fruto.
Vós já estais limpos, por causa da palavra que vos anunciei.
Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim.
Eu sou a videira, vós sois os ramos. Se alguém permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer.
Se alguém não permanece em Mim, será lançado fora, como o ramo, e secará. Esses ramos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem.
Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido.
A glória de meu Pai é que deis muito fruto. Então vos tornareis meus discípulos.

 

 

DIÁLOGO

O nosso crescimento, desde o nosso nascimento, é feito por sucessivas autonomias. Na nossa juventude e na maturidade desejamos ter liberdade e responsabilidade e não estar dependentes dos outros.

Na velhice, não queremos perder a nossa autonomia.

Também Jesus, durante o tempo da sua vida com os discípulos, quis formá-los para que pudessem continuar a obra de salvação que Ele tinha começado, colaborando de modo cada vez mais responsável no construção do Reino no meio de nós.

Mas esta imagem da vinha coloca-nos num outro registo. Não no do crescimento com autonomia e com a capacidade de resolver por si próprio os desafios da vida e de assumir responsabilidades,

mas no registo das relações de grande proximidade e de intimidade e

de viver em comunhão com outros.

Diz Jesus: «Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós.»

Jesus quer que descubramos que somos parte de uma videira cuja seiva é o Amor de Deus, que é o agricultor da parábola,

A seiva que circula através da verdadeira videira, que é Jesus, dá vida aos ramos, que nós somos.

Nas nossas vidas atarefadas e de ritmo acelerado, temos poucas oportunidades de «estar» verdadeiramente com outros.

Por exemplo, é bom ver as avós e os avôs, ou um deles, quando estão com os netos. O seu papel principal não é educá-los, mas estar com os mais pequenos, simplesmente, com atenção, brincando, lendo, falando, ou em silêncio. Nesses momentos, o seu tempo é todo para os netos.

Estes momentos em que ficamos com outros, ou quando outros ficam connosco, sem tarefas a realizar, sem serviços a fazer, sem qualquer encargo, sem qualquer pressa, são momentos de alegria pacífica.

Assim, a vida cristã pode ser resumida nesta atitude: permanecer em Jesus.

Para explicar o que ele quer dizer com isto, Jesus usa a bela figura da videira: "Eu sou a verdadeira videira, vocês são os ramos.

Permanecer em Jesus significa estar unido a Ele para receber a vida d’Ele, o Amor d'Ele.

É verdade que somos todos pecadores, mas se permanecermos em Jesus, como ramos na vinha, o Senhor vem e «poda-nos» um pouco, para que possamos dar mais frutos.

Permanecer em Jesus significa também ter a vontade de receber d'Ele o perdão, a Sua misericórdia.

Cada ramo que dá frutos, poda-o para que dê mais fruto.

Podar a videira não significa amputar, mas remover o supérfluo e dar força; visa eliminar o velho e fazer nascer o novo. Qualquer agricultor o sabe: a poda é um dom para a planta.

Assim me trabalha o meu Deus agricultor, com um único objetivo: o florescimento de tudo o que de mais belo e promissor pulsa em mim.

Se estamos motivados para termos momentos de "estar com" alguém, de permanecer junto de alguém, precisamos de procurar as ocasiões para o fazer, quer programando-as, quer aproveitando os «acasos» e as surpresas, que vão surgindo ao longo dos dias e mesmo das noites.

Jesus faz ainda uma promessa, à primeira vista, inacreditável: «Se permanecerdes em Mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido.»

Se as palavras de Jesus forem interiorizadas por nós, também os nossos pedidos se tornarão mais próximos da Vontade de Deus.

Se de facto acreditarmos nesta promessa de Jesus, ela dá-nos

uma grande energia interior, uma esperança reforçada, um desejo acrescido de produzir frutos, com a qualidade da Vontade de Deus.

Peçamos ao Senhor esta graça.

frei Eugénio, op (02.05.2021)


2024-04-20

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do IV Domingo de Páscoa, 21 de abril, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

  

Evangelho (Jo. 10, 11-18)

Naquele tempo, disse Jesus: «Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas.

O mercenário, como não é pastor, nem são suas as ovelhas, logo que vê vir o lobo, deixa as ovelhas e foge, enquanto o lobo as arrebata e dispersa.

O mercenário não se preocupa com as ovelhas.

Eu sou o Bom Pastor: conheço as minhas ovelhas, e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai; Eu dou a vida pelas minhas ovelhas.

Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor.

Por isso o Pai Me ama: porque dou a minha vida, para poder retomá-la.

Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou espontaneamente. Tenho o poder de a dar e de a retomar: foi este o mandamento que recebi de meu Pai».

 

DIÁLOGO

Jesus apresenta-se como O Bom Pastor.

Um pastor é normalmente um homem corajoso, pronto a defender o seu rebanho contra os animais selvagens, que na Palestina do tempo de Jesus eram sobretudo os lobos.

Quando os perigos se aproximam, o rebanho pode sentir-se seguro estando perto do seu pastor.

Ao mesmo tempo, um pastor é sensível, tem delicadeza e sabe como está cada uma das suas ovelhas, pegando mesmo ao colo na que anda mais frágil.

Jesus apresenta estas duas facetas essenciais a um pastor, dizendo:

«O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas»!

Preocupa-se com o bem de todas a ovelhas do seu rebanho.

Para reforçar a coragem e a responsabilidade assumida,

que é acompanhada da preocupação com o bem estar do seu rebanho, Jesus faz uma comparação com os pastores que são apenas uns mercenários, os pastores que estão apenas preocupados consigo mesmos e com a sua segurança .

E Jesus completa:

«Conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me».

Inspira confiança e é próximo de cada uma.

O pastor, que anda com o seu rebanho pelos campos e pelos montes

é ao mesmo tempo um líder e um companheiro.

A sua autoridade não intimida, nem cria distância, pois vem do seu Amor pelas ovelhas.

Como Bom Pastor, Jesus chama-nos continuamente, para que ouvindo a sua voz o sigamos pelos bons caminhos.

Se nos desviamos ou nos desorientamos e ficamos perdidos e solitários, Ele vai à nossa procura, até nos encontrar.

Mas será que aprendemos a reconhecer a sua voz?

Na nossa cultura contemporânea, o perigo está em que a voz de Jesus, a voz do Bom Pastor, pode ser facilmente abafada pelas muitas outras vozes que tomam conta da nossa atenção.

Tal atenção a Jesus só pode ser cultivada se criarmos espaço nas nossas vidas para que a voz de Jesus se torne audível acima do barulho de  todas as outras vozes.

Como deviam as ovelhas, relacionar-se com o pastor?

Do seu lado, as ovelhas tinham todo o interesse em permanecer perto do pastor, andar atentas ao mais pequeno som da sua voz, que indicava caminhos e as advertia dos perigos possíveis.

Jesus disse claramente que apenas as ovelhas que ouvem a Sua voz e acolhem a sua Palavra com um coração disponível e cheio de confiança podem entrar na sua intimidade.

Jesus disse: «conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai».

Com esta afirmação, ele declara que não somos simplesmente chamados a ser um povo de Deus, mas a participar na sua própria união com o Seu Pai.

Como líder e companheiro, vem oferecer-nos uma intimidade com Ele, como Ele tem com Deus-Pai.

Essa intimidade transforma-nos, torna-nos mais parecidos com Deus.

É da nossa experiência, quer entre bons amigos, quer em casal, se passamos tempo juntos e se escolhemos repetidamente amarmo-nos uns aos outros, tornamo-nos em quem nunca poderíamos ter sido, sem esses outros. Ao fazê-lo, tornamo-nos mais completos.

Os bons amigos captam os gestos uns dos outros, e os casais que se amam há muito tempo, começam a tornar-se mais parecidos um com o outro.

Isto porque deram um ao outro o que é mais precioso: passaram o seu tempo um com o outro, por escolha própria.

Quanto mais verdadeiramente nos vemos e contemplamos uns aos outros com amor, mais as nossas vidas se entrelaçam.

A imagem do Bom Pastor abre-nos à descoberta da origem e do destino da relação de Jesus connosco.

Como Bom Pastor, Jesus diz que dá a vida por suas ovelhas. Embora se refira mais diretamente à sua condenação e morte na cruz, num sentido mais amplo, descreve o relacionamento de Deus com a humanidade, desde o início na criação por Amor gratuito, até à realização total no final dos tempos.

A verdadeira liberdade das ovelhas é adquirida graças a um esforço persistente, com a ajuda da graça de Deus, seguindo o "Bom Pastor", reconhecido e aceite como Caminho, Verdade e Vida.

Os verbos "ouvir" e "seguir" designam, na Bíblia o processo pelo qual o homem adere com todo o seu ser e toda a sua vida à vontade do seu Deus.

As ovelhas não são consideradas como um rebanho, que segue sem pensar, mas como pessoas empenhadas na atividade mais livre e mais “personalizante” colaborar na missão libertadora de Jesus.

Fazendo isso, tornamo-nos cada vez mais relacionados entre nós e, portanto, cada vez mais parecidos com Deus, em cuja imagem e semelhança fomos moldados.

Hoje, Jesus Ressuscitado vem até nós, como o Bom Pastor.

É bom notar que tudo o que Ele diz sobre ser o nosso pastor é-nos dirigido no plural.

Todos nós somos ovelhas muito queridas e fazemos parte do seu rebanho, crescendo n’Ele, dando as nossas vidas umas às outras e para as outras.  

 

frei Eugénio, op (25.04.2021)