2022-11-27

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 1º Domingo do Advento, 27 de novembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 

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EVANGELHO (Mt 24, 37-44)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 
«Como aconteceu nos dias de Noé, assim sucederá na vinda do Filho do homem.
Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca;
e não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou. 
Assim será também na vinda do Filho do homem.
Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro deixado;
de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e outra deixada.
Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor.
Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa.
Por isso, estai vós também preparados, 
porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem.
 
 
DIÁLOGO

A Festa de Natal é já daqui a 30 dias. Esta quadra em muitos países costuma ser a mais festiva do ano.

As iluminações decorativas nas ruas e praças e nos edifícios e igrejas trazem um ambiente muito festivo, tanto de dia como até de noite, mesmo com as restrições devidas aos elevados custos da eletricidade.

As montras e as lojas cheiinhas de variadíssimas novidades são um convite irresistível à compra de presentes para oferecer a pequenos e grandes.

Esta quadra torna-se, assim, a quadra das compras e dos

gastos. O subsídio de Natal vai-se num instante!

Neste Domingo, os cristãos começam um tempo a que chamamos o ADVENTO.

Permitam-me repetir o que já devem saber, mas que me parece bom recordar.

Advento vem do Latim “adventus”, que quer dizer “vinda” ou “chegada”, sobretudo aplicada a vindas triunfais ou solenes de reis e imperadores.

Mas Jesus nasceu em Belém, na Palestina, há cerca de 2026 anos, segundo os estudos históricos.

Que vinda queremos então festejar?

Nesta quadra, os cristãos querem festejar três vindas de Jesus:

A primeira, que faz parte da História da Humanidade,

quando em Belém, Maria sua mãe o deu à luz numa manjedoura, por não haver lugar nas estalagens.

Na segunda, se temos fé no que Jesus prometeu na sua pregação, Ele vem até nós em cada dia, estando sempre  presente no meio de nós, vindo  morar dentro dos corações que O aceitam e recebem.

Mas há ainda uma terceira vinda, de que fala a página do Evangelho que ouvimos.

É a vinda no fim dos tempos, como Ele anunciou.

Será uma vinda cheia de Glória, do Salvador e triplo vencedor: da morte, destruidora da vida; do desamor que destrói o respeito e a harmonia entre as pessoas e no âmbito da natureza; do sofrimento, fonte de tantas dores e angústias.

Essa terceira vinda irá acontecer de surpresa e de forma inesperada.

Assim, Jesus insiste que estejamos atentos e vigilantes, prestando atenção ao que é importante para a dignidade, a beleza, a justiça, o amor nas nossas vidas.

Nessa terceira vinda na Gloria de Vencedor e de Salvador, Jesus Ressuscitado vem-nos  levar para sempre para junto de Deus, mas para isso devemos estar atentos à sua vinda para aceitarmos ir com Ele.

Podemos assim repetir: “Jesus Tu vieste, vens e virás!

Alegra-nos com as tuas vindas.”

É um tempo, no qual somos convidados a preparar os nossos interiores, a renovar os nossos corações para acolhermos Jesus,

para lá dos preparativos para as festas familiares,

com as compras de presentes e as comidas e delícias a fazer.

Em todos os povos, os festejos de todos os géneros têm os seus ritos e costumes próprios.

Um nascimento ou um aniversário festejam-se de maneira diferente de um casamento ou da entrega dum diploma profissional.

A vitória desportiva num campeonato, não se celebra como uma festa religiosa.

Assim, no Advento, como os ritos tradicionais quase desapareceram em países como Portugal e a Bélgica sugerimos que utilizemos o rito tão bonito da COROA DO ADVENTO, que teve origem na Europa Central e do Norte.

Uma coroa feita com ramos de variadas árvores, conforme os países, com algumas decorações e com quatro velas.

Coloca-se a coroa no espaço da casa onde a família se reúne, ou toma as refeições.

Em cada semana do Advento vai-se acendendo mais uma vela até ficarem as 4 acesas.

O acender das velas pode ser acompanhado duma oração muito simples em família.

Para esta primeira semana podemos rezar:

Jesus, Tu és a nossa luz,

Ilumina a nossa família


e depois em conjunto:

Deus, nosso Pai,

seja feita a tua Vontade.

Que na nossa família

haja sempre bom entendimento entre todos

e que o mundo se torne uma grande família
. Amen”.


Esta oração pode ser acompanhada com o Pai-Nosso rezado.

Se não temos possibilidade de preparar ou comprar este símbolo, durante esta semana podemos ter a atitude de procurar estar atentos, nos locais onde vivemos e trabalhamos ou nos distraímos, ou nas redes sociais que utilizamos, que haja gestos e palavras que criem melhor compreensão para que este nosso mundo seja mais fraterno e humano.

Que vivamos uma boa primeira semana de Advento a caminho dum Natal de Jesus mais humano.

       frei Eugénio op


 

 

 
 

2022-11-18

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do Domingo de Cristo Rei, 20 de novembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 

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EVANGELHO (Lc 23, 35-43)
 

Naquele tempo, os chefes dos Judeus zombavam de Jesus, dizendo: «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito». 

Também os soldados troçavam dele; aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam: «Se és o rei dos Judeus, salva-Te a Ti mesmo». 

Por cima dele, havia um letreiro: «Este é o rei dos judeus». 

Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-O, dizendo: «Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também». 

Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: «Não temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo das nossas más ações. 

Mas Ele nada praticou de condenável». E acrescentou: «Jesus, lembra-Te de mim quando vieres com a tua realeza». 
Jesus respondeu-lhe: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso».
 
 
DIÁLOGO

Todos conhecemos o santuário de Cristo Rei, em Almada. A estátua de Cristo sobre uma torre de mais de 110 metros de altura, lembra-nos espontaneamente a estátua do Cristo Rei no Pão de Açúcar no Rio de Janeiro.


Estas duas enormes estátuas são o resultado de um desejo de tornar visível o que celebramos hoje: Cristo, Rei do Universo.

A festa de Cristo-Rei nasceu num contexto em que a Igreja, em várias zonas do mundo e sobretudo na Europa, foi desvalorizada
e despojada dos seus bens no século XIX, e onde, no início do século XX, uma secularização intolerante se espalhava com força.

É neste contexto que a imagem da realeza de Jesus Cristo foi cada vez mais utilizada.

O Papa Pio XI instituiu em 1925 a festa litúrgica de Cristo-Rei.
O famoso cântico "Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat" (Cristo vence, Cristo reina, Cristo impera) tornou-se o cântico que unia milhares de católicos em todas as partes do mundo.
Até há alguns anos atrás, ainda era o sinal da Rádio Vaticano.

A imagem da realeza que foi utilizada desta forma foi muito desmotivante para aqueles que viviam em democracia e na igualdade entre os cidadãos.
Na Bíblia a realeza é apresentada como um dom de Deus que está longe de ser a imagem dos governantes comuns.
O rei é um "consagrado". Jesus foi "ungido".

Assim, Jesus é Aquele que o Pai escolheu para trazer a Boa Nova e que se reconhece, Ele-Mesmo, como o Eleito de Deus, Consagrado e Ungido. O famoso episódio em que Jesus faz a leitura do livro de Isaías na sinagoga de Cafarnaum descreve muito bem o que se passou:
"O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque o Senhor Me consagrou pela unção. Ele enviou-Me para trazer a Boa Nova aos pobres, para proclamar libertação aos cativos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos, para proclamar um ano favorável do Senhor. (Luc. 4,18-19)

Não podemos falar da realeza de Jesus sem apresentar esta unção que o torna Sacerdote, Profeta e Rei e na qual participam todos os batizados, como nos ensinou o Concílio Vaticano II, e que o Catecismo da Igreja Católica retoma quando diz: "Jesus Cristo é aquele a quem o Pai ungiu com o Espírito Santo e constituiu 'Sacerdote, Profeta e Rei' ".
Todo o Povo de Deus participa nestas três funções de Jesus Cristo e assume as responsabilidades de missão e serviço que delas decorrem" (n.° 783 do Catecismo da Igreja Católica).

Como podemos ver, a realeza de Jesus não nos orienta para o reino do poder, mas sim para Aquele de quem provém todo o poder, toda a glória e toda a majestade: Deus Pai, que nos envia o Seu Filho.

É Deus Pai que envia o Seu Filho para nos salvar e nos levar até Ele.
Nesta festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, o evangelista Lucas diz-nos que quando Jesus estava a morrer, os seus torturadores zombaram d’Ele, insistindo, que se Ele fosse de Deus, deveria ser capaz de se salvar a si próprio como tinha salvo tantas outras pessoas.

O letreiro colocado na cruz, acima da sua cabeça, proclamava o seu crime: "Este é o Rei dos Judeus", e era a fonte de todos os insultos.
Não era uma situação nada apelativa, nem entusiasmante.
Este rei morria, suspenso na tortura da cruz e rejeitado pelas autoridades civis e religiosas.
Para os Romanos, Ele não significava nada de importante.
Para a elite religiosa judaica, Ele era uma ameaça moral, e talvez até mortal.

Para a maioria dos seus discípulos, tinha-se tornado um perigo e um aparente fracassado.
No entanto, algumas das pessoas de condição mais baixa, à sua volta, viram algo mais.
Por exemplo, algumas mulheres continuaram a acompanhá-Lo, oferecendo-Lhe a única coisa que podiam: a sua presença confiante, dolorosa e chorosa.

A graça salvadora, neste momento decisivo e dramático, manifestou-se quando Jesus, moribundo, respondeu a um dos dois criminosos que partilhavam a mesma sentença que Ele.
Para lá das aparências e da própria razão, um dos companheiros de condenação disse: «Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza».
Jesus respondeu-lhe:
«Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».

O pedido, "lembra-te de mim", ressoa com um significado bíblico. O êxodo do povo de Israel, saindo do Egito, aconteceu porque Deus se lembrou da aliança realizada entre Ele e o povo e resolveu agir. (Êxodo 2,24)

Quando Jesus, antes da sua morte, na última ceia, abençoou o pão da sua oferta pessoal, disse aos seus discípulos que fizessem o mesmo em sua memória.

Jesus prometeu ao seu companheiro crucificado que ele não só iria partilhar a Sua morte, mas também a Sua vida.

O Evangelho de hoje retrata um Jesus aparentemente sem qualquer poder: derrotado aos olhos do mundo e a morrer aos olhos de um Deus impotente para o salvar, ou então, desinteressado do que Lhe estava a acontecer.

Na solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Rei do Universo, recordemos o verdadeiro Jesus: rejeitado e escarnecido, Ele como sendo incapaz de parar a violência.

Recordemos que Ele reinou através do Amor ativo, mesmo quando sofreu e morreu.
Quando Deus O ressuscitou, apesar de Ele ainda carregar as marcas do sofrimento, foi o Amor que continuou a reinar.
A nossa fé proclama com insistência que o Amor é o único poder capaz de vencer o mal.
 
Como imagem viva do nosso Deus, é esse Amor e só Ele, que somos chamados a recordar e a tornar presente nas nossas vidas.

               frei Eugénio op


2022-11-11

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 33º Domingo do Tempo Comum, 13 de novembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 

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EVANGELHO (Lc 21, 5 - 19)

Naquele tempo, comentavam alguns que o Templo estava ornado com belas pedras e piedosas ofertas. Jesus disse-lhes:
«Dias virão em que, de tudo o que estais a ver, não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído».
Eles perguntaram-Lhe: «Mestre, quando sucederá isto? Que sinal haverá de que está para acontecer?».
Jesus respondeu: «Tende cuidado; não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome e dirão: "Sou eu"; e ainda: "O tempo está próximo". Não os sigais.
Quando ouvirdes falar de guerras e revoltas, não vos alarmeis: é preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim».
Disse-lhes ainda: «Há de erguer-se povo contra povo e reino contra reino.
Haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fomes e epidemias. Haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu».
Mas antes de tudo isto, deitar-vos-ão as mãos e hão-de perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e às prisões, conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome.
Assim tereis ocasião de dar testemunho.
Tende presente em vossos corações que não deveis preparar a vossa defesa.
Eu vos darei língua e sabedoria a que nenhum dos vossos adversários poderá resistir ou contradizer.
Sereis entregues até pelos vossos pais, irmãos, parentes e amigos. Causarão a morte a alguns de vós
e todos vos odiarão por causa do meu nome;
mas nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá.
Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas». 

 

DIÁLOGO

Para a comunidade de Lucas este Evangelho poderia relacionar-se com o Templo de Jerusalém.
Talvez para nós hoje este texto nos faça lembrar as torres gémeas de Nova Iorque ou a COVID-19.

Jesus avisou as pessoas que estavam encantadas com a majestade do Templo:
«Dias virão em que, de tudo o que estais a ver,
não ficará pedra sobre pedra:
tudo será destruído».

Muitos dos que o ouviram descobriram tristemente que ele não previu uma calamidade longínqua, mas uma tragédia que veriam com os seus próprios olhos e lamentariam em completa confusão.

O Templo tinha sido a peça central da prática judaica e o lugar onde Deus habitava entre eles.
Segundo fontes antigas, o Templo do tempo de Jesus esteve em construção durante quase 50 anos e foi concluído apenas seis anos antes de os romanos o destruírem.

O que estava Jesus a dizer aos seus seguidores quando previu a destruição do Templo?
Enquanto evitava responder a perguntas sobre quando isso iria acontecer, chamou-lhes a atenção sobre o que significaria essa destruição.
 
Os charlatães iriam aparecer, fazendo-se passar por enviados de Deus.
Catástrofes naturais e sociais fariam parecer que o mundo estava a chegar ao fim, e o próprio povo de Deus seria perseguido por inimigos, por antigos amigos e mesmo por familiares.
 
Quanto à resposta às ansiedades das pessoas, Jesus apenas diz:
“nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá.
Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas.”
 
Os fiéis que contemplavam os escombros do Templo tiveram de procurar dolorosamente o seu significado.
As ruínas testemunharam que a sua fé na importância do Templo tinha sido alterada, quando este foi destruído pelos romanos, no ano 70 da nossa era.
 
Alguns interrogavam-se mesmo se a sua fé em Deus tinha sido uma ilusão. Se tinha sido uma ficção reconfortante enquanto durou, mas que no final se reduzia aquilo a que Karl Marx chamou o «ópio do povo».
Não seria que o poder romano teria afinal vencido o Deus de Israel?
 
Outros questionavam a prática da sua fé na dependência das peregrinações e dos sacrifícios no Templo de Jerusalém.
Recordaram também que antes de haver um Templo, Deus tinha viajado com os seus antepassados, presente através da tenda d encontro.

Pode parecer-nos estranho que, quando Jesus alertou os discípulos para a perseguição e a destruição que iriam chegar, os tenha avisado para não tentarem preparar-se para se defenderem.
E porquê?
Porque se se começassem a preparar para se defender, teriam sido levados a travar batalhas fictícias.
Em vez disso, Jesus prometeu que quando chegasse o momento:
"Eu vos darei língua e sabedoria
a que nenhum dos vossos adversários
poderá resistir ou contradizer.”
 
Jesus diz aos seus discípulos de então e aos dos nossos dias, para não tentarem arquitetar defesas consideradas inteligentes e poderosas, pois será o próprio Deus que lhes dará o Seu Espírito, que lhes inspirará a sabedoria e as palavras certas para anular o poder dos adversários.
 
Se nos mantivermos firmes na confiança no que Jesus prometeu, não teremos nada a perder.
Jesus ofereceu uma esperança, firmemente apoiada na sua intimidade com Deus, em vez de estratégias de combate.

Hoje, em vez do Templo de Jerusalém destruído, vivemos com a memória de como o 11 de Setembro de 2001 transformou a convicção da invencibilidade da nação americana.

Também a pandemia do COVID-19, que se espalhou pelo mundo inteiro, nos ensinou que as fronteiras nacionais são divisões, mas que já não são mais, protetoras.
 
A recente agressão da Rússia contra a Ucrânia mantém-nos alertados para a constante ameaça de guerra nuclear.
 
Estas realidades são manifestações universais da verdade pessoal que todos conhecemos, mas que normalmente tentamos esquecer: estarmos  vivos implica que somos mortais.
 
Se reconhecermos e vivermos essa mortalidade, como pessoas que sabem que nenhuma catástrofe ou desgraça, por maior que sejam, estão fora do alcance da Vida e do Amor de Deus, estaremos a dar testemunho que, com Jesus Ressuscitado, esse Amor é, e será sempre, o mais poderoso.

Quanto à resposta às ansiedades das pessoas, Jesus apenas disse: “nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá.”
 
Jesus dá um exemplo que ilustra até que ponto Deus nos conhece.
Contar os cabelos da nossa cabeça!
Que impossibilidade para nós e também que inutilidade!
 
Mas, esta ideia da contagem dos cabelos manifesta bem e com humor, até que ponto vai a intimidade e o conhecimento que Deus tem de cada um de nós.
 
Que estas palavras de Jesus tenham um eco profundo em nós, quando procuramos manifestar que é por causa d’Ele que temos atitudes que desencadeiam incompreensões e até perseguições, da parte dos nossos próximos.
Será esta persistência na confiança no Amor de Deus
que nos salvará.
 
  frei Eugénio  op

 

 

2022-11-06

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 32º Domingo do Tempo Comum, 6 de novembro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui

 


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EVANGELHO (Lc 20, 27.34 - 38)

Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus

– que negam a ressurreição – e começaram a interrogá-l’O.

Disse-lhes Jesus:

Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento.

Mas aqueles que forem dignos

de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos,

nem se casam nem se dão em casamento.

Na verdade, já não podem morrer, pois são como os Anjos,

e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus.

E que os mortos ressuscitam,

até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente,

quando chama ao Senhor

‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’.

Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».

 

DIÁLOGO

 A fé na ressurreição tem, na Bíblia, uma longa história.
Os primeiros crentes, como Abraão e Moisés, não viram uma vida depois da vida.
A sua fé comprometeu-os aqui na Terra, na sua busca da melhor maneira de agradar ao Deus da Aliança que se lhes tinha manifestado.
Ansiavam pelos dias de paz e de felicidade nas suas vidas que Deus Criador lhes tinha dado.
 
Foi perante o destino terreno de pessoas justas diante de Deus que, por vezes como Job, experimentaram a miséria e o fracasso, que se levantou a questão de uma vida após a morte.
E, no livro de Job encontramos uma primeira afirmação de fé numa vida que continua para além do tempo, nesta bela passagem que lemos frequentemente em funerais:
“Sei que o meu Defensor está vivo e que no fim se levantará sobre o pó; depois do meu despertar, levantar-me-á junto d’Ele, e em minha carne verei a Deus. Aquele que eu vir será para mim, Aquele que meus olhos contemplarem e não será um estranho." (Job 19:25-27).
Job teve a intuição de uma vida humana que se estendia até à vida eterna, com Deus.
 
É este ensinamento que Jesus conhece e os seus opositores fazem questão de lhe apresentar objeções:
Como é que alguém se encontra numa vida após a morte, onde não há matéria?
E quanto aos laços entre marido e mulher, o que se passará?
O que é que permanecerá de cada pessoa? Como é que isso vai acontecer?
Estas são perguntas importantes, que ainda hoje nós fazemos, procurando respostas.
 
Lembro-me de uma senhora de mais de 90 anos me perguntar, quando eu a ia visitar:
"Frei, depois de morrer verei o meu marido, como ele é?
Poderei falar e estar com ele?
Irei poder ver os meus filhos e netos que continuam cá na Terra?
Irei ver também os meus pais, de que tanto gostei e de quem tanto recebi?
Com estas questões, eu ficava numa situação um pouco semelhante à de Jesus.

Vejamos que Jesus não respondeu diretamente aos seus opositores.
Disse-lhes que deviam primeiro pensar que são "filhos de Deus” e que o seu Deus não é "o Deus dos mortos, mas dos vivos", como narra o Evangelho que acabamos de ler.

Esta resposta de Jesus deixa-nos certamente insatisfeitos, mas abre a porta a uma compreensão mais profunda da ressurreição, que não é apenas um estado de vida em que um dia nos encontraremos, mas que tem a ver com a pessoa de Jesus que disse: "Eu sou a Ressurreição e a Vida" (João 11,25).

No Credo que proclamamos habitualmente nas missas de Domingo, podemos afirmar que acreditamos na "ressurreição da carne", porque acreditamos que Jesus ressuscitou em corpo e alma e que nos prometeu que nos havia de levar com Ele.
"Se Cristo não ressuscitou, a minha fé é em vão" (I Coríntios 15,17), diz São Paulo.
Não temos de nos perguntar como é que isso acontecerá em pormenor, mas seguirmos Jesus com a mesma total confiança em Deus-Pai, que nos salva e nos manterá para sempre perto d’Ele.
 
A resposta às interrogações sobre uma vida após esta vida, leva-nos a voltar os olhos para a vida presente, porque a nossa vida presente, no momento da nossa partida para a casa do Pai "não será destruída, será transformada", como diz o prefácio da missa pelos defuntos.
Que forma assumirá esta transformação, permanece um mistério!
Mas porque Jesus ressuscitou, vencendo a morte para sempre, podemos acreditar que estaremos juntamente com Ele e que podemos confiar no Amor do Pai de Jesus e nosso Pai, que nos guardará junto d’Ele, para sempre.
 
A ressurreição de Jesus não é uma reanimação de um cadáver, como aconteceu com Lázaro e com o filho da viúva de Naïm, que voltaram a viver como antes, tendo um prolongamento desta vida, indo morrer mais tarde.

Se Abraão, Isaac e Jacob estão vivos, não é pelo facto de terem casado com mulheres e gerado com elas filhos, mas pelo facto de serem eles mesmos «filhos de Deus» para sempre e recebedores da vida plena e definitiva junto de Deus.
Deus, como Jesus nos veio revelar, quer dar a todas as pessoas a Sua própria Vida para sempre.
Os primeiros cristãos utilizaram a palavra Ressurreição de Jesus, em união com o «primeiro nascido dentre os mortos».
Viam no Ressuscitado o início da ressurreição geral de todas as pessoas e a garantia da esperança na vida plenamente feliz em Deus.

O ser pessoal de Jesus é transformado na sua totalidade, por isso Ele ressuscitou corporalmente.
O Ressuscitado é o mesmo Jesus de Nazaré, mas um Jesus completamente realizado na sua Glória.

É através do corpo que podemos estar presentes a nós-mesmos, uns aos outros e ao mundo em geral.

Na nossa ressurreição, prometida por Jesus, isto é, no novo tipo de vida com Deus e em Deus, iremos estar em relação de Amor connosco e com todas as irmãs e todos os irmãos e para isso, teremos os nossos corpos transformados como o do Ressuscitado.
Como se realizará esta maravilhosa e grandiosa transformação, graças ao Amor de Deus, não o sabemos.

Mas, graças a Jesus Ressuscitado, já podemos ter a satisfação de entrar na transfiguração do nosso mundo, através de gestos e de atitudes de amor.
Pondo em prática o lema inventado pelos jovens participantes dum «campo de descoberta»:
Com Cristo vamos a isto!»

         frei Eugénio op