2023-10-22

Diálogo com o Evangelho

Diálogo com o Evangelho do 29º Domingo do Tempo Comum, 22 de outubro, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)

 

 
Evangelho (Mt. 22, 15-21) 

Naquele tempo, os fariseus reuniram-se para deliberar sobre a maneira de surpreender Jesus no que dissesse.
Enviaram-Lhe alguns dos seus discípulos, juntamente com os herodianos, e disseram-Lhe: «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem Te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes aceção de pessoas.
Diz-nos o teu parecer: É lícito ou não pagar tributo a César?».
Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu: «Porque Me tentais, hipócritas?
Mostrai-Me a moeda do tributo». Eles apresentaram-Lhe um denário,
e Jesus perguntou: «De quem é esta imagem e esta inscrição?».
Eles responderam: «De César». Disse-lhes Jesus: «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».


DIÁLOGO

Todos nós já ouvimos com variadas, e até interpretações opostas, a sentença “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Mas o que é que Jesus quereria dizer com esta sentença?
É o que irei partilhar convosco.

No tempo de Jesus os romanos ocupavam com as suas tropas a terra de Israel e o povo era obrigado a pagar pesados tributos.
O imperador de Roma, o César, era de facto o verdadeiro senhor do povo.

A tradição religiosa de Israel ensinava, ao contrário, que o único que devia ser considerado o Senhor do povo eleito era o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus que tinha libertado o seu povo da escravidão do Egito.

O imposto era um sinal de dominação romana. Os fariseus rejeitavam-na, mas os partidários de Herodes aceitavam-na.

É com esta pergunta “É lícito ou não pagar tributo a César?” que os líderes religiosos do povo judeu esperavam apanhar Jesus numa armadilha.

Onde está essa armadilha?
Se Jesus respondesse “sim” seria tratado como um colaborador dos ocupantes romanos. Aceitar pagar a taxa do tributo significava reconhecer e aceitar a dominação dos romanos, estrangeiros e pagãos. Isto significava para Jesus perderia a confiança do povo.

Se Jesus dissesse "não", os partidários de Herodes poderiam acusá-lo de subversão. Seria denunciado como inimigo do imperador.

Qualquer resposta, pensavam os adversários de Jesus, iria colocá-lo numa situação desfavorável e perigosa.

O denário, moeda romana com que se pagava o imposto, tinha a inscrição “Divino Tibério César”.
Portanto, os imperadores queriam ser adorados como deuses.
De acordo com as interpretações mais rigorosas da Lei, aquela moeda trazia uma imagem de um falso deus, um ídolo, e usá-la seria como dizer que “Israel pertence a César”.

Possuir essa moeda correspondia a admitir que eles não hesitavam em colaborar com os romanos. Apesar da evidente contradição em que estavam aqueles fariseus, com as moedas nas mãos, manifestado a sua hipocrisia, Jesus não fez acusações contra eles.

Só podemos imaginar Jesus apontando para a moeda, com a aversão por qualquer tipo de ídolo, que teria um judeu fiel da sua época, perguntando: “De quem é esta imagem e esta inscrição?”

Simplesmente, depois da resposta, cita-lhes um ditado conhecido de todos: “Então dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Era como se dissesse: “Somos obrigados a pagar impostos a Roma, paguemo-los. Mas César é apenas César, ele não é Deus, os homens não precisam de adorá-lo. Eles não devem obedecer-lhe como alguém obedece a Deus.”

Com esta resposta, Jesus conseguiu, não só evitar de cair na armadilha de dar uma resposta de “sim” ou “não”, mas também chamar a atenção para uma estão essencial: “Existe alguma coisa na criação que não pertença a Deus?”
Chamar a Deus de “Senhor da História” quer dizer que nenhuma situação está fora do alcance de Deus.

Na verdade, Jesus vai mais além do que a questão sobre os impostos. Jesus desafiou-os a pensar sobre as imagens.
A imagem de César gravada na moeda e a imagem e semelhança com Deus que Ele nos quis criar.
Estas imagens situam-se a dois níveis completamente diferentes.

Jesus não põe em oposição o poder de Deus e o poder do homem, mas destacou a primazia absoluta de Deus, que na imagem e semelhança que gravou em nós inscreveu o amor e a liberdade.

Devemos guardar no nosso coração a imagem do nosso Deus e não a imagem de quem nos quer dominar.

Ele é o único Senhor da nossa vida que constantemente nos surpreende e vai além do que nós esperamos, oferecendo-nos novas oportunidades de trabalhar para a vinda do Seu Reino.

A confiança prioritária em Deus e a esperança Nele não nos levam a uma fuga da realidade, mas pelo contrário, levam-nos a trabalhar e a dar a Deus o que lhe pertence.

O Evangelho que lemos pode também chamar-nos a atenção que a relação entre a Igreja e o Estado nunca é simples.

Se, por um lado, a secularização enquanto separação da(s) Igreja(s) e do Estado constitui um avanço civilizacional fundamental, em ordem à não discriminação dos cidadãos e à salvaguarda da paz, por outro lado, ela não significa indiferença mútua.

Pelo contrário, a separação pode e deve conviver de modo saudável com o reconhecimento do papel público das religiões, traduzido em múltiplas formas de colaboração entre as Igrejas e o Estado.

Cabe a cada um de nós comprometer-se, em nome da nossa fé em Jesus, para melhorar a convivência de todos, para que a dignidade dos mais pobres e desfavorecidos seja reconhecida e respeitada.

A causa de Deus é, pois, a causa do Homem.

Frei Eugénio, op
(18.10.2020)
 

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