Diálogo com o Evangelho do Domingo de Ramos, 24 de março, por Frei Eugénio Boléo, no programa de rádio da RCF "Construir sur la roche". Pode ouvir aqui. (ainda não disponível)
Evangelho (Mc. 11, 1-10)
Naquele tempo,
ao aproximarem-se de Jerusalém,
cerca de Betfagé e de Betânia, junto do monte das Oliveiras,
Jesus enviou dois dos seus discípulos e disse-lhes:
«Ide à povoação que está em frente
e, logo à entrada, vereis um jumentinho preso,
que ninguém montou ainda.
Soltai-o e trazei-o.
E se alguém perguntar porque fazeis isso,
respondei: ‘O Senhor precisa dele,
mas não tardará em mandá-lo de volta’».
Eles partiram e encontraram um jumentinho,
preso a uma porta, cá fora na rua, e soltaram-no.
Alguns dos que ali estavam perguntaram-lhes:
«Porque estais a desprender o jumentinho?»
Responderam-lhes como Jesus tinha dito
e eles deixaram-nos ir.
Levaram o jumentinho a Jesus,
lançaram-lhe por cima as capas
e Jesus montou nele.
Muitos estenderam as suas capas no caminho
e outros, ramos de verdura, que tinham cortado nos campos.
E tanto os que iam à frente como os que vinham atrás clamavam:
«Hossana! Bendito O que vem em nome do Senhor!
Bendito o reino que vem, o reino do nosso pai David!
Hossana nas alturas!»
DIÁLOGO
A tradição de levar para casa um ramo benzido neste Domingo,
continua bem viva entre os portugueses, mesmo naquelas famílias que raramente
participam nas missas dominicais.
O ramo benzido que levamos para casa é colocado num
crucifixo, bem visível, ou então perto da porta de entrada.
É o símbolo da confiança na proteção de Jesus contra variadas formas de Mal que
podem atingir as famílias.
O Evangelho que lemos logo no início da celebração, quando
os ramos são benzidos, conta-nos que Jesus entrou em Jerusalém e a multidão o
aclamou, cheia de entusiasmo! Estavam mesmo prontos a reconhecê-lo como rei...
Mas poucos dias depois, esta mesma multidão que o tinha
aclamado estaria a gritar "Crucifica-o! Crucifica-o!”
Neste relato do Evangelho, os principais acontecimentos passam-se entre a
multidão dos judeus e Jesus, por um lado, e entre esta mesma multidão e os
poderes políticos e religiosos, do outro. Podemos dizer que, os judeus nesta
narrativa evangélica, representam a nossa humanidade.
Também nós fazemos parte desta multidão.
Temos em nós mesmos, facetas luminosas, mas também temos aspetos mais escuros,
dos quais nem sempre temos consciência. Podemos deixar-nos levar por felizes
entusiasmos pelo que é bom e pelo que é belo, mas também podemos permitir que,
por vezes, cresçam em nós sentimentos de desprezo, de ódio, de rejeição, ou
mesmo de violência, pelo menos a violência das palavras...
Nós somos seres com uma mistura de facetas que formam uma complementaridade nas nossas personalidades e, ao mesmo tempo, estamos divididos interiormente, tendo sentimentos e atitudes contraditórias, que não imaginávamos podermos ter.
Jesus foi vítima da violência da multidão e das autoridades
no seu tempo. A nossa humanidade continua, até aos nossos dias, a criar novas
formas de violência e de destruição no mundo. Estas violências fazem com que
inúmeras pessoas passem por sofrimentos desesperantes.
É esta violência que condena e mata os profetas que
denunciam a injustiça e o mal provocado pelos que têm poder e que manipulam as
leis e o dinheiro - o Grande Mamon - e denunciam também aqueles que utilizam a
religião, para desprezar e esmagar os mais fracos, deixando-se instrumentalizar
pelos poderes...
Em Jesus, o próprio Deus deixou-se entregar a esta
violência, sem utilizar armas de destruição e de vingança.
Pode acontecer que não estejamos de acordo, nem intelectual, nem religiosamente
com certas formas de Violência e de Mal, mas por falta de discernimento,
acabamos por colaborar, por passividade ou por indiferença.
Na cruz, Jesus pede ao Pai que perdoe, pois aqueles que o
estão a torturar, insultar e condenar, não sabem o que estão a fazer.
Por vezes, também nós não sabemos o que estamos a fazer.
Segundo o evangelista Lucas, ao criminoso condenado ao seu
lado, na cruz, Jesus anuncia que Deus perdoa, que a vida eterna lhe é
prometida.
Podemos reconhecer-nos na multidão que muda facilmente de
opinião e nos discípulos que tiveram tanto medo, a ponto de negarem Jesus, como
Pedro fez. Se formos capazes de reconhecer as nossas incoerências e
fragilidades, também nos podemos abrir à confiança no poder do Amor de Deus,
que se manifestou em Jesus, crucificado e ressuscitado.
A cruz é, assim, para nós e para a nossa humanidade, o sinal
de que o Mal no mundo, o Mal em nós, não tem a última palavra: quem quer que
sejamos, qualquer que seja a nossa história, em Jesus, Deus tomou sobre si, de
uma vez por todas, a violência do nosso mundo, a nossa violência, o nosso mal,
para nos oferecer uma esperança de vida.
Durante a paixão, os discípulos abandonaram Jesus. Mas
através da Ressurreição, o poder vivificante de Deus fará com que se levantem e
se ponham de novo de pé.
São eles também os representantes da nossa própria fragilidade que nos faz
levantar, graças à coragem que nos é dada pelo Espírito de Jesus.
Tal como Jesus confiou nos apóstolos, Deus confia em nós
hoje, chamando-nos a ser verdadeiros discípulos, animados pela esperança e
alegria partilhadas, portadores de luz.
frei Eugénio, op (28.03.2021)
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